No mês de outubro, o papo do Vice-versa é com a ilustradora e escritora Paula Mastroberti e o escritor/pretenso ilustrador Hermes Bernardi Jr.
Paula pergunta. Hermes responde.
Paula - Escritor, contador de histórias, coordenador regional da AELIJ... como é que aconteceu tudo isso?
Hermes - Quando criança, apesar de fazer boas "composições" na escola, não tive estímulo externo para aprofundar esse conhecimento.Escritor era um ser de outro planeta feito o Planeta Caiqueria, nascido com um gen especial. Mais tarde, estudando Edificações para em seguida cursar Arquitetura, deparei-me com o teatro na escola e passei a transcrever contos infantis para o gênero dramático. Um exercício preliminar do que estava por vir, creio eu. Em 1994 nasceu minha paixão por Porto Alegre. Para declarar essa
paixão produzi uma prosa poética. Surgia o Abecedário alegre do porto, livro que me inseriu no mercado e acentuou o desejo de aprimorar a escrita ficcional. Já, o ofício de contador de histórias é o meu lado ator aliado ao desejo de comunicar. E a função de Coordenador da AEILIJ veio através de convite da escritora Gláucia de Souza, para substituí-la no cargo. Assumi a função sem saber ao certo minhas atribuições. Hoje me sinto mais atuante no coletivo da associação, haja vista o trabalho que ele vem construindo no Brasil em seus dez anos.
P - Quando eras criança, o que imaginavas ser quando crescesse? Qual era a tua história preferida?
H - Eu quis ser aviador, porque havia lido O pequeno príncipe de Antoine de Saint-Exupéry. Depois, arquiteto, pois mergulhava nas páginas de livros italianos de arquitetura nos quais meu avô se inspirava para construir casas. Em seguida, li As aventuras do avião vermelho, de Erico Veríssimo. Sendo de família humilde não pude comprar um avião vermelho de brinquedo, mas construí um em cima do cinamomo. Era verde de folhas e galhos. As aventuras do avião vermelho passou a ser o livro mais importante para mim. A partir de sua leitura eu sobrevoava mundos imaginários em cima do cinamomo. Hoje questiono esse texto, sem ignorar o efeito positivo que provocou em mim. No fundo, mesmo, tudo tem a ver com a vontade de criar asas.
P - Os livros teus que eu conheço sempre tem um apelo visual muito grande. Como é que é teu processo criativo? Ele vem de imagens visuais ou tu vais imaginando o texto como contador de histórias, pela oralidade?
H - Gosto de brincar com as palavras, com as frases. E, o computador, que há tempo foi um bloqueio, hoje é perfeito para essa brincadeira. Uso duas ferramentas básicas: recortar e colar, feito quebra cabeça, para chegar à melhor e mais divertida forma. Minha inspiração costumava nascer de uma imagem, uma cena de rua na escola que visito, no bairro onde moro. Ultimamente ando prestando atenção à fala das crianças. Elas dizem coisas incríveis! Anoto tudo. São frases simples e cheias de poesia, portanto, belas. Meu processo criativo começa no desejo de compactuar com essa simplicidade e essa poética. O próximo passo e, o mais divertido, é trabalhar a arquitetura do texto, criar espaços para o morador/leitor construir/viver a sua história.
P - Me fala de um Hermes ilustrador que parece querer vir à tona: parece que tu andas sentindo necessidade de ilustrar - e, portanto, de narrar visualmente tuas histórias... Por que?
H - O motivo? Não sei, Paula. O que sei é que as palavras vêm acompanhadas de uma estética, de um repertório de imagens possíveis. É incontrolável. Imagino que se deva ao fato de eu ter editado meus primeiros títulos. No caso do livro E um rinoceronte dobrado, não imaginei nada. Mesmo por que a Annete Baldi, da Editora Projeto, me surpreendeu ao escolher editar esse texto. Ocorre que, há cinco anos escrevi Titica de galinha. Senti o impulso pueril de ilustrá-lo, talvez para reeducar o olhar de meu mundo tão adulto e cheio de racionalidades. Fui estudar no Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre. E lá estou, há quatro anos, experimentando materiais, cores, técnicas. Não tenho pressa. Não quero ceder a esse tempo que exige produção, produção, produção. O conflito atual é que, após cinco anos, estou refazendo o texto em busca do ponto de contato entre o texto literário e o imagético. Essa etapa é a que mais me interessa. A conexão das coisas e, de preferência, em silêncio.
P - Pra onde tu achas que estás caminhando como artista, como autor? Que tipo de histórias ainda gostarias de escrever, que não escreveste?
H - Como artista, sou um curioso compulsivo. Gosto de me misturar ao teatro, à música e, recentemente, às artes plásticas. Diálogos possíveis da Literatura com tais áreas move minha curiosidade. Como escritor, já corri para atender ao mercado, mas agora prefiro não me atropelar. Gosto de experimentar linguagens, como fiz no livro Casa Botão publicado pela DCL. Evito a angústia característica de publicar um livro por ano. No teatro havia esse movimento das Cias. de teatro e eu me incomodava com tal urgência, que não permitia o experimento, a investigação. Não quero o imediatismo consumindo possibilidades. Titica de galinha levou cinco anos para ficar pronto. Não será um best-seller, eu sei, mas terei muito a contar sobre o processo. Meu interesse – minha parte contador de histórias - necessita comunicar a história ao redor da história publicada, sobretudo porque nisso sempre há outra beleza escondida.
Quanto ao que eu gostaria de escrever no futuro... Um juvenil? Quem sabe...
Hermes pergunta. Paula Responde.
Hermes - Quando menina, qual a tua relação com a literatura infantil e juvenill? Havia um autor ou gênero, preferidos?
Paula - Minha relação era ótima, Hermes. Eu gostava sobretudo de fantasia, aventura e mistério. Na fantasia, contos de fadas, os de Andersen em especial. Aventuras: Alexandre Dumas, Julio Verne, narrativas mitológicas, sagas medievais, histórias de piratas e tipo capa-e-espada, como Robin Hood. Mistério, desde os policiais de Agatha Christie, até os contos de Edgar Alan Poe. Lia pouca literatura brasileira, mas acho que li o que havia de melhor na minha época: Monteiro Lobato, eu adorava!
H - A maioria de tuas criações são recontos de clássicos. Por que essa escolha?
P - Por que são clássicos, porque os amo, e porque às vezes tenho a impressão de que ninguém mais quer saber deles - não é uma pena? Pouca gente sabe dos textos de Perrault ou dos Grimm, ou de Andersen. A maioria só conhece contos de fadas através do cinema, de releituras como Shrek, ou Deu a Louca na Chapeuzinho. A mesma coisa Dom Quixote, Fausto, Hamlet, Odisséia. Tudo mundo conhece, ou diz que conhece, mas ninguém leu. É só dos resumos de vestibular ou de adaptações... Agora, eu não os recrio só para tentar levar o leitor até as origens, mas também para dialogar com essas narrativas, que são maravilhosas (nos dois sentidos do termo). Gosto de dizer que sou uma escritora que é, antes de tudo, leitora.
H - Além da palavra, tu te utilizas da imagem com elemento da narração. A educação e sensibilização do olhar foi desde sempre, ou essa inclinação teve um momento determinante?
P - Sou artista plástica de primeira formação. A literatura entrou depois. Isso profissionalmente. Porém, desde criança eu contava histórias para mim mesma desenhando num quadro com giz, como se fizesse um filme. Sempre gostei de histórias em quadrinhos (super-heróis, principalmente). Sempre escrevi pensando em imagens (ou vice-versa?). Se eu pudesse faria filmes, faria peças teatrais, desenhos animados. Por outro lado, adoro letras impressas... A verdade é que eu adoro livros, livros como um todo, com texto, desenho, papel, etc. Sou fissurada por esse objeto totalmente anti-ecológico e, reconheço, carésimo.
H - Num primeiro contato com tuas ilustrações na obra publicada, tem-se a impressão de que teu trabalho é todo realizado com as ferramentas da tecnologia. Quando e onde teu traço manual se faz presente no processo de criação das imagens?
P - Sempre. Até quando eu uso tecnologia, rsrsrsrs... Não tem como usar uma ferramenta digital sem ter domínio do trabalho artesanal. Não é a ferramenta que cria, é a gente, a nossa mão, que por sua vez segue o comando da cabeça. Eu desenho usando um tablet, que é uma prancha de desenho eletrônica, com caneta-mouse. Simulo lápis, bico-de-pena, tintas... pra fazer essa simulação, tem que conhecer o efeito da técnica na realidade. Mas não é sempre que eu faço isso: às vezes, volto pro velho papel e grafite. Gosto muito de desenhar com esferográficas também. Eu coleciono esferográficas!!!
Meu próximo livro - só pra contrariar - está sendo feito todo em papel de verdade, em aquarelas bem meticulosas... Tava com saudade de fazer umas aquarelas, sentadinha numa mesa, com pincel na mão...
H - Tuas publicações são dirigidas ao público juvenil. É um impulso espontâneo escrever para este público?
P - Eu nunca penso na idade do meu público. Eu penso é em mim e nos meus personagens, no que eu quero deles. Não escrevo para uma criança interior, nem para um adolescente imaginário. Até porque já nem sei mais como são. Minha filha, por exemplo: ela é bem diferente de mim, tem outros gostos para histórias... Se eu fosse pensar no que os leitores gostariam de ler, estava ferrada. Prefiro pensar no que eu gostaria de dizer e no como... quem quiser que leia. Conheço leitores meus na faixa dos quarenta anos. Conheço mães que compraram Cinderela - Uma biografia autorizada para os filhos e depois completaram a coleção para elas mesmas. Conheço uma menina de 9 anos
que leu Angústia de Fausto - e não tirou da cabeceira, leu e releu! E esse é um título considerado juvenil-adulto...
Vai saber quem é o teu leitor! Gosto da imagem de escrever como quem lança mensagens em garrafas mar além... Quem será que vai encontrar a garrafa?
Postado por H
Um comentário:
Fátima Campilho disse...
Bom saber um pouco mais de você, Hermes, e sobre o seu processo de criação.
Conhecer a Paula ambém foi um achado. Temos as mesmas preferências: clássicos e HQs.Agora, preciso ler seus livros!
Abraços.
30 de setembro de 2008 09:07