quinta-feira, 17 de junho de 2010

SP: Quintas (16)

Marciano Vasques
   
O CINE IPIRANGA FECHOU

Numa friorenta tarde lá estive suportando uma fila imensa que invadia a calçada. Estava com duas crianças para assistir "As Tartarugas Ninjas". Foi a última vez que fui ao Cine Ipiranga.

A multidão daquele dia não deixou que eu pudesse mostrar para a Daniela e para o Danilo a beleza arquitetônica do cinema.

Entrei diversas vezes naquele salão com 1030 lugares. Passei a minha adolescência indo aos cinemas. Lembro das vezes em que a mãe dava dinheiro para que eu pudesse comer nos dias em que ia ao centro procurar um trabalho. Eu gastava o dinheiro com o cinema. Assisti aos bons filmes assim. Doutor Jivago, e também aos filmes do Zé do Caixão, personagem que se não fosse original do Brasil seria por demais valorizado, apesar da minha recente decepção. Não uma decepção solitária dentro de um cinema, pois nos mesmos dias também assisti ao filme "O Menino da Porteira".

Não comia nada, nem um churrasco grego, e tampouco procurava serviço, por causa da minha timidez, e também porque o cinema era demais.

Depois passei em frente ao cinema várias vezes, e curiosamente, sempre notei a presença de camelôs na calçada da Avenida Ipiranga vendendo fitas VHS piratas dos melhores filmes exibidos no próprio cine.

São Paulo perdeu um dos seus históricos cinemas, bem no coração de Sampa, - quase na esquina imortalizada pelo compositor baiano -, que fechou suas portas em 10 de fevereiro de 2005. Na década de 60 a cidade tinha 27 cinemas funcionando em seu centro. Tinha um até na Rua Direita. Sim, a rua Direita que os Demônios da Garoa cantaram, também tinha o seu cinema. O tempo mudou.

Majestosos, de arquitetura impecável, verdadeiras obras de arte ornamentando a nossa cidade. Como fomos felizes passeando no Viaduto do Chá e passando em frente aos cinemas! O Cine Ipiranga foi inaugurado em 1943. Quando passei por ele a primeira vez estava com meu pai, e me recordo dele me apontando as belezas e os detalhes da cidade. Ele queria que o menino amasse tudo o que via. Sentia um orgulho intenso por estar comigo ali, naquele lugar, andando pelas ruas do centro, pela Praça Clóvis, pela Praça da República, certamente era um de seus raros dias de folga. Mas ele me apontava os prédios com tanta felicidade que até parecia ter nascido aqui em São Paulo.

Hoje as pessoas freqüentam as salas pequenas dos cinemas dos shoppings, mas os que preservam no coração a alma de uma cidade que aos poucos vai se transformando, não se esquecem das salas gigantescas.

O Ipiranga era um esplendor, havia tapete vermelho no chão, com bordados cintilantes, reluzentes, ouro de uma época que não voltará.

Quando eu estive com as crianças para assistir ao filme das Tartarugas, ele já estava em decadência, mas aquela fila interminável que ondeava a calçada tornando-se um caracol humano era sinal que o espírito de uma época, embora cambaleante pela avassaladora força da televisão, ainda resistia.

Mas aquele que já foi o mais luxuoso cinema da América Latina está com suas portas cerradas, e eu, andarilho solitário, que costumava passear pela Avenida Ipiranga, hoje sinto uma pontada no peito, quando "alguma coisa acontece no meu coração".

Pessoas vão à locadora num final de semana e reservam seus filmes prediletos, além das pizzas, grandes lojas na Avenida Paulista, por exemplo, anunciam em seus catálogos novos lançamentos, paulistanos iniciam coleções, videotecas, DVDtecas, e aqui perto, já temos um Shopping com nove cinemas. Entretanto o grande cinema fechou. E eu não estava lá, na sua derradeira sessão.

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