sexta-feira, 22 de outubro de 2010

SP: Quintas (31)

A RESISTÊNCIA DAS CANTIGAS

“Se essa rua fosse delas...” – pensei, ao ver tanto asfalto e carros, e então meus olhos se voltaram para um bosque chamado Solidão e vi, além dele, crianças brincando e cantando as mesmas cantigas – o folclore vivo pulsando nas rodas, nas cirandas e em cada coração infantil. Politicamente corretas? Nem sempre? De vez em quando, poderíamos repousar o nosso olhar suavemente.
Cantigas, provérbios, parlendas, ditados e quadrinhas populares atravessam o tempo e no universo infantil bravamente resistem.
Crianças adormecem com as mesmas cantigas de ninar que outras mães cantavam, e numa noite já tão distante uma voz suave penetrava em minha febre e tentava docemente convencer o menino que era melhor dormir por causa do boi, boi, boi, boi da cara preta, e a cuca, que a qualquer momento poderiam chegar.
Folclore querido, crianças brincam por este Brasil afora cantando as mesmas eternas cantigas populares como “Escravos de Jó/Jogavam Caxangá...”.
Um dia, debaixo de uma sacada, o cravo brigou com a rosa. Essa comovente briga de amor resiste aos tempos da mesma forma que a canoa virou por culpa de alguma criança que não soube remar.
Impressiona como as transformações promovidas pela mídia não afetam o rico folclore infantil, que não se contamina pela modernidade nem sofre as interferências do pensamento contemporâneo. Como explicar? Será que a alma da criança tem insondáveis segredos?
Sim, a alma infantil resiste através das suas cantigas e como é uma alma específica não adianta a modernidade tentar modificá-la. Tudo que a fantasia comercial cria torna-se passageiro, tudo que parecer truque, todas as criações que objetivam apenas lucrar com o mundo da criança, não passam de coisas efêmeras, porque só o que é misteriosamente puro, como um conto de fadas, resiste, num folclore indelével, força que não esvanece. 

MARCIANO VASQUES

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