Caros amigos,
Participam do Vice-Versa de outubro: o escritor, poeta e editor Marco Haurélio Fernandes e a ilustradora Naomy Kuroda.
Obrigada!
Um forte abraço,
Regina Sormani
Naomy Kuroda
Marco Haurélio
Perguntas de Naomy
1.) Marco Haurélio, como e quando a Literatura de Cordel passou a fazer parte da sua vida e da vida literária?
Acho que desde que nasci. Eu sou de uma localidade chamada Ponta da Serra, município de Riacho de Santana, no Sudoeste da Bahia. A casa do meu pai era, como nós dizemos, parede e meia com a de minha avó, Luzia Josefina. Ela guardava, numa gaveta, muitos romances de Cordel, que eu folheava, mesmo antes de aprender a ler. Eu me recordo dela contando a História da Princesa Rosa, de Silvino Pirauá de Lima (um dos pioneiros do Cordel). Detalhe: ela não possuía mais o folheto, mas reteve todo o conteúdo na memória. O que não era difícil para uma pessoa que sabia de cor inúmeros contos populares, rezas e cantigas. Quando aprendi a ler, aos seis anos, já tentei escrever o primeiro Cordel. Aos sete anos, eu sabia, do começo ao fim, a história de João Soldado (de Antônio Teodoro dos Santos) e Juvenal e o Dragão (de Leandro Gomes de Barros).
2.) Como escritor, de que forma funciona o seu processo de inspiração e criação e quando você se sente satisfeito com a sua obra para soltá-la ao mundo?
Em relação ao Cordel, que é o gênero com que mais me identifico, normalmente eu escrevo num caderno, já procurando respeitar a estrutura básica (em geral as sextilhas de sete sílabas). Na transposição para o computador, eu procuro fazer as correções, substituir as palavras inadequadas, procurando manter a espontaneidade. Leio umas três vezes e, a partir daí, comporto-me como a águia em relação ao filhote no alto da montanha: “voa, meu filho!”.
3.) Quais seriam as qualidades fundamentais para que o escritor e o ilustrador de literatura de cordel produza boas obras?
É preciso que haja sintonia. Há muito tempo, por causa da desinformação, pensava-se que a única forma de se ilustrar um Cordel era por meio da xilogravura. Hoje, sabe-se que essa informação não se sustenta nem pela história do Cordel, nem pelo grosso das publicações no gênero, que evolui da capa cega (do início do século XX) até a policromia, adotada pela editora Luzeiro de São Paulo no início dos anos 1950. No meu livro, Breve História da Literatura de Cordel, não por acaso, há um capítulo que se chama “Da capa cega à policromia”.
Hoje, com a evolução gráfica e temática, livros infantis e infantojuvenis em cordel são uma realidade cada vez mais presente. A qualidade dos trabalhos varia, até porque nem todos os editores estão preparados para esta demanda. Por outro lado, têm surgido ótimos trabalhos. Acho que é preciso evitar o falso “pitoresco”, como fez a Elma, que ilustrou o meu A lenda do Saci-Pererê em Cordel, publicado pela Paulus. Ela imprimiu a marca dela ao trabalho, e a espontaneidade prevaleceu sobre a tentação de fazer algo mais conceitual.
4.) De que maneira a Literatura de Cordel tem evoluído desde o século XIX até os dias de hoje?
Esta evolução ocorre dentro do processo de mudança por que passou – e passa – o país. O Cordel já foi chamado de “o jornal do sertão”, que é um qualificativo verdadeiro, mas reducionista, pois não leva em conta a grande variação temática da poesia dita popular. Por outro lado, desde Leandro Gomes de Barros, o grande desbravador dessa seara, o Cordel apresenta os mesmos temas trabalhados até hoje: sátira, histórias dramáticas, romances de encantamento, pelejas e desafios, histórias de anti-heróis etc. Em relação ao aspecto gráfico, eu já respondi na questão anterior. A grande inovação, no meu entendimento, é mesmo a adoção do Cordel por médias e grandes editoras, que estão publicando obras de autores egressos do meio tradicional e que não vêem nenhum problema com os novos formatos. Essa foi a grande travessia que a nossa geração ousou fazer.
Perguntas de Marco Haurélio
1.) Naomy, começo parabenizando por seu belíssimo trabalho e com uma pergunta básica: o que a levou ao mundo das imagens? O fato de o seu pai ser fotógrafo, conforme o belo depoimento no seu blog foi decisivo?
Muito obrigada.Todas as vezes que recebo comentários gentis em relação aos meus trabalhos fico muito feliz assim como uma mãe que tem a sua boca adoçada ao ver seu filho receber um beijo. Eu nasci como a segunda filha de uma família em que a arte tinha o seu espaço reservado. Meu pai, fotógrafo profissional, amante da literatura japonesa, minha mãe embora fosse "do lar" era uma retratista de tirar o chapéu e nas suas horas de lazer escrevia poesias e histórias infantis em língua japonesa e algumas até premiadas. Na minha infância, até onde minha memória permite retroceder, desenhar era a atividade mais prazerosa e a que ocupava a maior parte do meu dia. O castigo mais temido era o de não poder desenhar. Aprendi a manusear o pincel e as tintas com a minha mãe quando comecei a colorir as fotografias em preto e branco para os clientes do meu pai. Foi numa época em que não havia fotografias coloridas. Embora desenhar nunca tenha deixado de fazer parte da minha vida cheguei a ter outra profissão para poder sustentar este prazer. No meu ambiente de trabalho, como todos conheciam meus desenhos, a cada aniversário, despedida e aposentadoria de algum funcionário me pediam para confeccionar os cartões. Eu colaborava com as minhas ilustrações para os jornais e revistas da empresa. Vendo isto, o chefe do departamento me chamou para uma conversa:
- Naomy, você nunca pensou em se profissionalizar como ilustradora? Eu acho que você está perdendo tempo.
Ao ouvir isto de um profissional sério e competente me senti avalizada e fortalecida para batalhar e fazer do que mais gosto uma profissão.
2.) Transformar palavras em imagens?” e “transformar imagens em histórias”. O que é preciso para que haja sintonia entre texto e ilustração, e vice-versa?
Acredito sim, em uma sintonia entre texto e ilustração, mas, acredito mais ainda numa energia que atrai um texto ao ilustrador e vice-versa.
Muitas vezes recebo histórias para ilustrar e isso, a princípio me assusta achando que não tenho estilo para aquele texto, mas, encaro o texto, vamos nos estranhando, conhecendo, gostando, sentindo o prazer do desafio e quando percebo já estamos amigos e as ilustrações terminadas.
Cada história que recebo para ilustrar é uma oportunidade de ampliar o meu horizonte profissional e descobrir as minhas faces escondidas. Penso também que a boa percepção do editor que faz a escolha do ilustrador servindo de ponte entre a história e o ilustrador também é o que faz a diferença. Então, quando um editor me destina uma história para ilustrar aceito com muito prazer e procuro fazer o melhor.
3.) Você ilustrou algumas fábulas. O que elas podem ensinar nos dias de hoje?
Acho as fábulas maravilhosas. Acredito que todos nós que tivemos o prazer de ler inúmeras fábulas contendo ensinamentos subliminares temos dentro de nós um profundo conhecimento sobre a conduta moral e ética ideal. Muitas vezes, o grande problema é que quando adultos, pressionados pela vida corrida e com a transformação dos interesses primordiais, tais ensinamentos ficam esquecidos lá no passado. Portanto, eu acredito que seria ótimo se os adultos nunca se desligassem da literatura infantil. Que visitassem sempre os livros infantis como se visita a casa dos pais.
4.) Você ilustraria um texto em cordel?
Seria um desafio muito interessante. Sempre gostei muito de ler as poesias da literatura de cordel, da pureza, da religiosidade, da arte do cotidiano e do folclore do Brasil.
Admiro muito as ilustrações que enriquecem os folhetos rústicos da literatura de cordel. Nunca recebi um texto em cordel para ilustrar, mas como eu respondi na pergunta número dois, seria uma oportunidade para estudar mais, pesquisar mais e descobrir-me capaz.
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