LIN e o outro lado do bambuzal
Lúcia Hiratsuka, edições SM
Já conhecia – e admirava – o lado ilustradora de Lúcia Hiratsuka. Fiquei conhecendo a excelência de seu trabalho quando, tempos atrás, ela ilustrou um livro meu de haicais. A arte japonesa do sumiê é uma técnica quase paradoxal: exige precisão aliada a leveza. Ou seja, o pincel desenha diretamente sobre o papel em branco, sem direito a hesitações nem consertos. Assim, com levíssimos traços e bem dosadas manchas de cor, Hiratsuka obtém efeitos fantásticos: suas figuras têm um dinamismo tão natural que parecem flutuar na página podendo, a qualquer momento, desprender-se dela.
Com “Lin e o outro lado do bambuzal” tive nova revelação– a Hiratsuka narradora, que conta sua história com a mesma leveza e precisão empregadas nas ilustrações. O texto prima pela simplicidade, sem excessos, sem aparente esforço para ser original. E, talvez por isso, nos comove até o fundo da alma.
Lin é uma raposinha macho que está começando seu aprendizado de vida, e dele faz parte desenvolver o método de se transformar em ser humano quando necessário. Porém, antes de dominar essa arte, não tem permissão de atravessar o bambuzal onde vive para conhecer o existe além dele. É claro que sua curiosidade acabará levando-o a transgredir e descobrir, com encantamento, uma doce menina com quem faz amizade. Para não tirar de outros leitores o prazer de irem por si mesmos desvelando esse conto delicado, encerro por aqui o resumo do enredo.
Mesmo porque, mais importante que a trama em si são os pequenos detalhes, que tornam a leitura tão fluida e saborosa. Na história de Lúcia, como nas da maioria dos contadores tradicionais, todas as criaturas falam e dialogam, até mesmo um bambuzinho jovem, sedento também de conhecer “o lado de lá”. A linguagem pictórica que a autora emprega, por sua vez, quase nos fazer ouvir o som do pequeno sino que Lin ganha de presente da amiga, ou da flauta que ela toca, ou dos passos vacilantes da raposinha no bambuzal...
Finalmente, é necessário salientar conceitos e valores subjacentes ao texto e que, graças a sua já mencionada simplicidade, tocam o coração de quem lê como asas de borboletas, sem se impor nem ferir. É o caso, por exemplo, da ideia de que não precisamos nos transformar em outro ser para conquistar algo. A menos que essa metamorfose seja tão verdadeira que leve ao próprio crescimento.
Angela Leite de Souza
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