Caros amigos!
O Vice-Versa de outubro traz as entrevistas do ilustrador Alexandre Siqueira (Sika) e da escritora Nilza Azzi, associados da regional paulista da AEILIJ. Agradeço a participação de ambos.
Um grande abraço,
Regina Sormani
Nilza Azzi
Alexandre Siqueira
Respostas do Alexandre
1- Sika, certa vez, um compositor comentou comigo que música é repetição. Até aquele momento ainda não havia atentado para isso. Escrever, de certa forma, também o é; cada vez mais é intertextualidade. Como você relaciona essa afirmação ao seu ofício? Desenhar, o que é?
R.- O meu ponto de vista, posso lhe dizer que é o mesmo!!! Quer ter um ótimo trabalho?... então faça o mesmo repetidamente. No desenho, não é diferente. Um dia eu disse a um amigo: “o interessante é que, cada vez que repetimos o mesmo trabalho, ele fica melhor, esse, eu já o fiz mais de 10 vezes!” Então ele respondeu: “Só isto? Quando chegarmos a fazer a mesma coisa dez milhões de vezes, aí sim, começaremos ter um resultado um pouco melhor, mas ainda não é o bastante.” Concluo que a repetição é fundamental, independentemente da área.
2- Entendo, mas você define seu trabalho como ousado, inovador. Então deve haver um momento de passagem, de transição... o insight, o salto adiante. Como isso acontece?
R.- Exato. Temos a tecnologia à disposição e, usando as ferramentas necessárias, sejam elas, manuais ou digitais, ou até a mistura de ambas, podemos obter ótimos resultados, diferenciando uma obra da outra. Isto faz com que saiamos um pouco do tradicional, do mesmo estilo, do mesmo conceito, ou melhor, da mesmice! Eu entendo o seguinte, não podemos ficar parados no tempo presos a algo único; quando falo em ousadia, significa que são trabalhos inovadores, diferentes do que o mercado está acostumado, ou melhor, oferecendo; são trabalhos “abusados” e é claro, respeitando a solicitação do cliente para determinada arte. No entanto, precisamos estar sempre estudando, experimentado novos materiais e ter uma boa criatividade, embora tenhamos traços próprios, uma identidade própria, vejo que hoje, precisamos ser ecléticos, temos que ser o famoso Bombril... mil e uma utilidades!!! (risos).
3- E por falar em prá lá de mil, sei que você é um profissional versátil, mas... tenho a curiosidade de saber: – Qual é a menina dos olhos? E, por favor, podemos saber por quê?
R.- A menina dos meus olhos? É a minha esposa (risos)... bom, embora eu goste muito de todas as áreas (campos), o que me chama muito atenção e, ainda, por mais que tenha havido a transição para o 3d e, assim, sofrido as consequências do mercado, a menina dos meus olhos é o desenho animado clássico 2d. Foi onde eu comecei minha carreira profissional, colorindo personagens em acetato (na transparência) da Walt Disney, numa produtora credenciada aqui no Brasil, HGN produções. Na época, participei das séries do Alladim, contudo, também colaborei em diversas produções em outros estúdios, na parte de clean-up (traço final, ou melhor, a limpeza do desenho), até que cheguei a produzir ilustrações de cenários para os mesmos. No entanto, é onde atuo também até o momento, quando me convidam, é claro, (risos). Desde pequeno sou fascinado pela animação; lembro-me que queria saber como eram feitos os desenhos, como se mexiam..., até que um dia comecei a fazer parte das produções; com isto, a animação me deu esta versatilidade de traços, embora, como já disse: “eu tenho a minha identidade”. Sou muito grato a um grande professor e amigo, LUIZ ROSSO, que me apadrinhou, apostou em meu potencial, acreditou e deu aquele empurrãozinho... a equipe na HGN era muito grande e, por incrível que pareça, teve “algumas destas cenas” que era do professor e aluno (risos). Na época, o Rosso fazia a Direção de Arte e também ilustrava os cenários e eu ia colorindo os acetatos, a cor era nossa .... (risosssss)... que saudade!!!, tempos que não voltam mais (risos).
4- É uma história incrível! O desenho animado clássico... mundo fascinante! Lembro-me de ter assistido a uma série em que o próprio Disney explicava como os desenhos eram feitos, como sua equipe trabalhava... Não troco um bom desenho animado pelo melhor filme de um diretor premiado. O fato é que, apesar da evolução, os clássicos são eternos... Qual a sua visão de futuro dentro da sua área. O que ainda virá? Projetos seus? Aqueles que não são segredos profissionais, claro (rs...)!
R.- Dá para escrever um livro (risos). Bom, sou suspeito em falar, concordo contigo!!! Prefiro mil vezes um desenho animado.Vemos o mercado oscilando muito em todas as áreas, embora, a tecnologia e o 3d tenham evoluido intensamente. Isto também ajuda muito na produção. No entanto, quem não dançar conforme a música vai ficar para trás, quero dizer: “precisamos acompanhar este desenvolvimento computadorizado, aderir a novas ferramentas de trabalho, estar sempre no ritmo, não deixar de estudar e oferecer o melhor”. Agora, eu creio que o desenho nunca vai acabar!!! Principalmente nas Hq’s, nas literaturas, nos didáticos... e assim por diante. Voltando um pouco à animação, por mais que exista esta tecnologia, sem desenho 2d, não acontece o 3d... contudo, o 2d acontece sem o 3d (risos). Vamos ser realistas, hoje o 3d está estrelando, está em alta e irá cada dia se aprimorando; isto é fatal. Projetos? Quem não tem? Infelizmente estão engavetados! E muitos me perguntam: Por quê? Eu respondo: “É a lei da sobrevivência; não posso parar para me dedicar aos meus próprios projetos, tenho que pagar as contas diárias... a não ser que eu encontro um empresário disposto $$$$” (risos) -
Respostas da Nilza
1º. Eu particularmente vejo que, escrever é um dom maravilhoso, criar histórias literárias, educativas, didáticas, poesias, rimas, roteiros, contos e assim por diante... e isto também faz parte da comunicação. Bom, como é este processo de desenvolvimento, a narrativa de livro? Qual a relação entre este texto e a ilustração?
R.- É maravilhoso descobrir nosso dom. Quanto mais cedo, melhor. Escrever é uma forma muito particular de comunicação. A leitura de um texto exige a cumplicidade da imaginação do leitor. Uma história depende de certa estrutura; de começo, meio e fim; introdução, clímax e desenlace. Isso é elementar. Mas o autor utiliza a ideia, o clima emocional, a sinestesia e outros recursos, para criar sua história, com um propósito. No meu entender, é que seu leitor refaça o percurso da criação e tenha uma experiência leitora próxima daquilo que ele concebeu para a obra em questão. A ilustração tem um papel complexo. É um complemento à leitura, mas não a substitui – enquanto nas HQs, o texto é complementar ao desenho e pode até ser dispensado – e deve fornecer estímulos à imaginação. Creio que a ilustração tem uma função cênica.
2º. A Sra. já escreveu diversas obras, também para diversos segmentos. Entre elas, qual a que mais gostou, ou melhor, fascinou? E também, qual o tipo de público que melhor se identifica com seu perfil? Por quê?
R.- O trabalho do qual mais gostei, escrito há três anos e publicado no final de junho deste ano, foi um projeto aprovado pelo MinC, incentivado pela Lei Rouanet. Foi patrocinado pela Sealed Air Cryovac Brasil, graças ao importante apoio e à confiança da equipe, liderada pelo Sr. Gercino Brito Lopes. O livro chama-se "O banho da Terra". A diferença nele é que nosso planeta, a Terra, é que é a personagem. Desde o início fui segura de que era uma boa história. A edição (15.000 exemplares) foi toda para distribuição gratuita. A quatro meses da publicação, o retorno que recebi dos leitores, bem como de professores, pais e alunos, tem sido muito gratificante. Quando comecei a procurar as editoras e ouvi o frequente "não", nem me aborreci, como ocorreria em outras situações. Nesse caso, eu pensava: – Que pena! Um dia vocês vão lembrar que este livro esteve em suas mãos e irão arrepender-se de ter deixado passar a oportunidade. "O banho da Terra", um dia vocês ouvirão falar dele! Para uma edição comercial, o livro precisa de ajustes (foi uma edição do autor), mas ficou bom mesmo. Não me expresso assim por orgulho. Foi apenas o acaso de uma boa idéia que deu certo, graças à minha persistência. Sempre tive afinidade com os bem pequenos e os adolescentes. Deve ser porque sou uma pessoa aberta e maternal, uma canceriana... rsrsrs
3ª. Parabéns pelo projeto... que Deus a abençoe ricamente! Bom, no mundo em que estamos vivendo, nos deparamos com todo o tipo de criminalidade e infelizmente, as crianças são os maiores alvos e, também, embora o brasileiro não tenha a cultura de ler, isto tem uma influência negativa no desenvolvimento cultural da criança e assim, muitas delas ficam expostas ao vento. Qual seu ponto de vista, ou melhor, o que precisa seu feito para que a “Criança” volte a ter o hábito da leitura? Precisa de algo encantador, que atraia?
R.- Acredito que o livro é magico, encantador o suficiente. E também, que a atual estrutura das livrarias, com espaços desenvolvidos para a leitura, além da atitude dos educadores, que estimulam, e dos pais que levam seus filhos, com consciência do que estão fazendo, ou simplesmente para ocupá-los um pouco, acaba por ser estimulo à leitura para crianças e adultos. Na Livraria da Villa, em Moema, as babás levam as crianças ao espaço de leitura... Isso abrange uma classe, a dos que têm poder aquisitivo e podem comprar tais livros. Desconheço a estatística, mas não acho que o brasileiro lê pouco; creio que lê mais do que no século passado. Resta a questão de como o cidadão seleciona suas leituras e que tipo de leitor ele é. Preparar bons leitores não é fácil e depende essencialmente da alfabetização. Nem cabe aqui abordar essa questão, mas ela é séria. Contudo, há uma classe muito interessada nos livros, a das crianças expostas ao vento, mas que não têm poder aquisitivo, nem para ir a essas grandes livrarias, nem para comprar os livros... além de não ter quem as oriente em casa. No desenvolvimento do Projeto O banho da Terra, entreguei livros a crianças que nunca tiveram em mãos um livro novo. O Governo Federal têm consciência disso e um programa a respeito.
Fiquei feliz com a notícia.
4º. Para terminarmos, defina com uma frase ou estrofe, o que é ser Escritora?
R.- Em poesia, em prosa, para adultos, adolescentes ou crianças, o que penso a respeito está definido neste poema antigo. É uma poesia retrô, um soneto alexandrino...
Para falar da dor, uma palavra: basta!
Mas ao falar de mim, confesso que não sei,
se aquela que busquei foi pecadora ou casta,
contida ou arrojada, em vidas que sonhei.
Ao se falar do amor, despreze-se à Jocasta
que ao filho se entregou, desrespeitando a Lei
e a sorte lamentou, na sina tão nefasta.
Eu já não sofro a pena, a sorte revirei!
Em busca da Palavra, eu sigo vida afora
e já não tenho filho ou homem que me atarde,
não creio na ilusão; nem Édipo me castra.
Das vinhas colher mel, é o meu desejo agora
e ao que me ouve atento, eu digo com alarde:
– Na fala do Poeta, há um sonho que se alastra.