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sábado, 3 de agosto de 2013

RS: Vice-Versa de agosto de 2013

Duas novas associadas abrem o vice-versa neste 2º semestre - Martina Schreiner e Liza Petiz. Seria entrevista entre duas ilustradoras, não fosse uma delas, também escritora.

Martina  está na estrada já de algum tempo. Designer, projetista, escritora e ilustradora de livros de própria autoria e de outros tantos.

Liza  vem conquistando espaço  no campo da ilustração na literatura infantil e juvenil. Não mais uma promessa, ela vem se reinventando com  muito profissionalismo.

Vejamos o que esta dupla de profissionais tem a nos dizer de seus trabalhos e de suas trajetórias artísticas.


Martina pergunta. Liza responde.


Martina - Ilustrar é um sonho antigo ou uma descoberta recente? Como surgiu, na tua vida, a vontade de ilustrar? E como essa vontade virou realidade?

Liza - Sou filha de um artista plástico e convivi com as Artes Plásticas desde criança, portanto sempre fui apaixonada pela imagem. Decidi trabalhar com arte educação e dividir com as crianças a magia que as imagens despertam em mim. Neste momento comecei a pesquisar a literatura infantil e descobri este universo maravilhoso, passando a usar a ilustração como referência nas minhas aulas. Criar imagens, ilustrações, foi um sonho que comecei a cultivar há dez anos, mas só em 2011 coloquei as minhas ideias em prática e iniciei o meu trabalho como ilustradora.  Meu sonho virou realidade com a publicação do livro Assombros Juvenis, do qual participei junto com outras quatro autoras. Esta oportunidade foi muito importante e me deu segurança para começar uma nova carreira. Atualmente divido meu tempo como professora, coordenadora pedagógica de Educação Infantil e ilustradora.

Martina - O contato com as crianças em sala de aula influencia teu trabalho como ilustradora? Como?

Liza - O contato diário com as crianças me renova sempre, alimenta o meu olhar sobre o cotidiano, o senso de humor e com certeza influencia o meu trabalho como ilustradora. Procuro criar imagens que sejam diretas, simples e coloridas, assim como são os desenhos dos meus alunos. Observar as suas criações espontâneas e recheadas de criatividade é a minha maior inspiração. Algumas vezes troco ideias com as crianças a respeito do que desejo criar, eles me dão dicas e me ajudam a refletir sobre o que é essencial na imagem.

Martina - E no caminho inverso, teu trabalho como ilustradora influencia o trabalho como professora? Como?

Liza - Também interfere e de forma muito positiva, primeiro porque a literatura é  base do meu trabalho. Toda vez que compro um livro novo, levo para a sala de aula e mostro para as crianças. Procuro mostrar a elas o universo variado, em termos de imagem e texto que encontramos hoje; oferecendo referências que fujam aos estereótipos, propagandas e personagens da televisão. E depois, a minha pesquisa com a ilustração e a minha parte leitora, me tornam uma pessoa mais sensível, aberta e motivada a compartilhar com os alunos um mundo em que tudo é possível e que alimenta os nossos sonhos e desejos, que é a literatura como um todo.

Martina - Tu costumas usar bastante colagem e um mixe de materiais. Como funciona o teu processo de trabalho? Como tu escolhes a técnica, de onde surgem tuas ideias?

Liza - Acredito que minha técnica será sempre mista, pois gosto das texturas, dos relevos, de riscar em cima da tinta, sobrepor figuras e materiais. A colagem também é uma opção que me permite brincar com a composição até chegar ao resultado final.
As minhas ideias vem do universo infantil que faz parte do meu dia a dia e também das artes plásticas. Gosto muito de ilustrações com cores suaves e monocromáticas, mas quando começo a elaborar minhas imagens, as cores gritam. Não consigo fugir do colorido, dos contrastes, o que remete a artistas do cubismo e impressionismo, que me encantam demais.

Martina - Se aparecesse uma fada madrinha ou uma lâmpada mágica e te oferecessem o trabalho dos teus sonhos, como ele seria?

Liza  – As histórias que mais me dão prazer acontecem em cenário medieval, então me realizaria ilustrando uma história com castelos, princesas, reis, dragões, elementos fantásticos que são os meus favoritos até hoje. Venho pensando muito em fazer um livro com texto e imagem criados por mim, esse no momento é o meu maior sonho.


Liza pergunta. Martina responde.


Liza - Em que momento da tua vida tomaste a decisão de ser ilustradora e por quê?

Martina - Pois eu sempre digo que virar ilustradora aconteceu meio por acaso. Eu estava insatisfeita com o meu trabalho como publicitária. Então resolvi resgatar o prazer no desenho, que havia sido o grande motivador da minha escolha profissional, e que parecia perdido no meio de tantos trabalhos publicitários descartáveis.
Numa dessas experiências eu e uma amiga acabamos fazendo um protótipo de um livro infantil. Eu não fazia a menor ideia de como o mercado editorial funcionava, mas resolvemos arriscar. Enviamos o trabalho para várias editoras e, depois de várias experiências frustradas, fui chamada para ilustrar o meu primeiro livro.

Liza - Por que a escolha pela literatura infantil?

Martina - Eu sempre fui uma ávida leitora de literatura infantil, mesmo depois de adulta. Mas talvez o  fato de eu ser designer tenha contribuído nessa escolha, já que os livros para crianças são um espaço onde se pode exercitar com muita liberdade a comunicação e expressão visual.

Liza - De onde vem tua inspiração, tuas referências para ilustrar?

Martina - Eu acho que as ideias estão no ar, nós só precisamos encontrar. Para ter inspiração basta prestar atenção, estar aberto ao que o mundo nos conta e mostra. São infinitas as possibilidades.
A questão das referências é um pouco mais complexa. Eu gosto de deixar a memória estabelecer as regras. Mas sabe como é, não podemos confiar cegamente na memória, ela nos prega peças. Então eu prego peças na memória: busco referências aleatórias, coleto coisas sem nenhuma ligação com a história, pra fundir com o que eu já tenho e quebrar a imagem pré-concebida da qual quero me descolar.
Tem alguns casos em que eu faço uma pesquisa iconográfica de fotos ou objetos. Por exemplo, em “O Rei roncador”, eu usei vários baralhos diferentes como modelos, para, a partir deles, definir os personagens. Mas isso pra mim não é referência, é modelo mesmo.

Liza - Nos teus trabalhos como escritora e ilustradora, o que vem primeiro, a imagem ou o texto?

Martina - O processo criativo é um tanto caótico e nunca funciona de forma linear, pelo menos pra mim. Em “O botão branco” surgiu primeiro uma imagem. Eu tenho a mania de antropomorfizar coisas. Fico procurando bocas, olhos e narizes em maçanetas, torneiras, ferramentas e outros objetos. Numa dessas brincadeiras, transformei um botão em uma carinha sorridente, publiquei a foto no meu blog e considerei a ideia encerrada. A história só foi surgir muito tempo depois. Já no “O rei roncador”, o texto surgiu primeiro, e só depois de tê-lo pronto comecei a desenhar. De qualquer forma, meu processo de criação é muito visual, e, mesmo que o texto surja antes de tudo, inevitavelmente aparecem imagens na minha cabeça enquanto eu escrevo.

Liza - Tu te dedicas integralmente como autora ou desenvolves outras atividades profissionais? Como é a tua organização/rotina de trabalho?

Martina - Eu trabalho em casa. Meu despertador toca todos os dias às 7h30. Levanto, faço café, leio jornal, respondo emails e resolvo todas as pequenas pendências do dia, para poder trabalhar mais tranquila depois.
Tento me disciplinar para ter um final de expediente, parar de trabalhar no final da tarde, mas isso é bem difícil. Com frequência desobedeço “as minhas próprias ordens” e acabo trabalhando até tarde da noite ou em finais de semana.
Além de ilustrar, eu trabalho como designer. Faço projetos gráficos e editoração. Também faço ainda alguns trabalhos de comunicação institucional. Claro, eu sonho em poder me dedicar exclusivamente aos livros em algum momento, mas isso só o futuro poderá responder.


Postado por Jacira Fagundes

sexta-feira, 3 de maio de 2013

RS: Vice-Versa de maio de 2013

Neste vice-versa, apresentamos dois novos integrantes do quadro de associados da AEILIJ - a escritora Rosane Castro e o ilustrador Vladi Araújo.

Rosane é escritora, arte-educadora e contadora de histórias. Coordenou o espaço "QG dos Pitocos" na Feira do Livro de POA, por quatro anos. É a idealizadora do Seminário de Contadores de Histórias “Ao Pé do Ouvido”, na cidade de Cachoeirinha.

 O infantil “Umas Formigas” é sua estreia na literatura.

Vladi é publicitário e ilustrador. Começou atuando no ramo publicitário e, em 2010, adicionou a suas atividades uma nova paixão – ilustrar livros infantis. Em “Umas Formigas”, divide com Rosane a autoria desta bonita obra.

Vejamos o que esta dupla de profissionais do livro tem a nos contar.



Rosane pergunta. Vladi responde


Rosane - Vladi,  quantos livros você já ilustrou? Como iniciou sua carreira de ilustrador?

Vladi - Ao todo são 13 livros, além de outras publicações para o mercado publicitário.
Minha carreira surgiu aos 5 anos de idade, quando eu tinha um incentivo diário dos meus pais para o desenho, aquilo que até então era a contra-mão de um futuro de qualquer criança; aos 12 anos eu tinha convicção que iria trabalhar com arte. Aos 14 anos trabalhei com ilustração de mapas de cidade em uma editora na qual houve uma realização, uma vez que o trabalho digital com computadores e tecnologia era fascinante para qualquer adolescente. 

Aos 16 anos, comecei a trabalhar em agências de publicidade, aonde por 13 anos tive uma participação direta na criação e construção de obras conhecidas no mercado publicitário. Durante esse período, em paralelo, criei, aos meus 21 anos um Bureau de Ilustração aonde comecei a trabalhar como fornecedor de ilustração e não só como criativo. Esse Bureau foi crescendo até se tornar um divisor de águas e eu montar meu primeiro estúdio de ilustração que levou meu nome até o final de 2012- Vladiaraujo Studio. Em 2010 surge a primeira oportunidade de trabalhar com obras literárias através da editora Nova Castelo, com a ilustração da coleção de livros Cantigas Contadas, uma séria inesquecível para mim e com certeza um dos trabalhos no qual entendi o real significado do meu trabalho naquela época.

Após essa série, surgiram outros trabalhos para outras editoras no qual pude exercer essa nova descoberta do mundo literário, até chegar em 2012 com o convite  da editora Nova Castelo de ilustrar um livro muito especial para mim com uma jóia chamada Rosane Castro, uma parceira incansável na produção desse material, junto da nossa editora-chefe Leila Pereira.  

Rosane - Você utiliza alguma técnica específica para criar suas ilustrações? Fale um pouquinho sobre ela.

Vladi - Sim, o começo é sempre no papel e na concepção desses personagens não em forma e sim em emoção: Que emoção esse personagem terá? Que outras situações esse personagem viveria através do roteiro que me foi passado? O que ele come? Que música ele gostaria? Essas e outras perguntas eu trabalho para montar a personalidade dos meus personagens.

Após isso vem a discussão com a autora sobre esses personagens e sobre esse mundo (contexto) criado para ele: Qual o real significado que  queremos passar com o livro em sua ilustração?
Com isso, busco referências em diversos livros e internet e parto para a confecção dos personagens e cenários, tudo ainda no lápis e no papel.  

Na etapa final, após a aprovação, eu parto para o Digital através do Programa de ilustração Photoshop e Illustrator.  

Rosane - Quais foram os livros que marcaram a sua infância, e como você se relacionava com eles? Lembra das ilustrações? 

Vladi - Me criei em um mundo onde não havia incentivo à leitura. Principalmente na fase infantil, me criei lendo notícias em jornais velhos e lendo livros didáticos da escola. Na adolescência, cultivei o gosto pela leitura de HQs clássicos, como Batman, Superman, entre outros, ainda na adolescência quis adquirir um conhecimento espiritual precoce com leituras de Paulo Coelho e as aventuras de Diário de Mago, O Alquimista, Brida entre outros.

Rosane - A nossa literatura infantil e juvenil é riquíssima. O que você pensa sobre a produção das ilustrações no Brasil?          

Vladi - O Brasil é reconhecido mundialmente como a 3ª maior produção de ilustração no mundo, ficando apenas atrás do Japão e USA, porém isso se dá a uma cultura POP que a menos de 20 anos é cultivada no País e que a cada dia o cenário artístico da ilustração brasileira tem alcançado seu espaço no mundo. O Brasil é moda, o Brasil é tendência, então tudo que é produzido aqui reflete isso com muita personalidade. 

Rosane  - Você está sempre produzindo muitas imagens, para livros ou para publicidade, onde você busca inspiração para as criações?  

Vladi - Minha maior inspiração é sempre a vida, parece um papo default, mas tem uma verdade muito grande nisso, uma vez que o dia-a-dia das pessoas é tão rico e cheio de referências. Como exemplo, uso uma vez em que tinha que criar um personagem para o Livro Tereza. E no meio da discussão dos personagens, eu tinha elaborado uma personagem, loira, bonitinha, toda Europeia, Eis que minha esposa, na época disse: - Eu sempre imaginei que a Terezinha de Jesus era negra, e não branca.

Aquilo foi um divisor de águas no sucesso do livro, gerou um grande re-trabalho, uma vez que tínhamos pré-aprovado algumas páginas e teria que ser refeita, porém essa interpretação de um simples comentário fez com que eu arranjasse um novo grande significado para essa personagem.

Por fim, todo fato gera um significado maior ou menor, todo significado gera uma experiência e toda experiência gera uma emoção. No meu trabalho eu não vendo ilustrações, eu vendo emoções para as pessoas. 


Vladi  pergunta. Rosane responde.

Vladi  -  Rosane, qual a sua inspiração para criar os contextos e ambientes dos seus livros?

Rosane - Minha inspiração vem das observações que pratico no cotidiano. Sou muito observadora e sensível às pessoas, ambientes, objetos, músicas, etc... Tudo pode servir de motivo para que eu escreva uma história. 

Vladi - Fazendo uma análise pedagógica, como você vê o incentivo à leitura de livros impressos, dos pais e da escola diante do surgimento de grandes tecnologias literárias (E-books, tablets app, widgets, etc)? 

Rosane - Acredito que uma não deva isentar a outra. Ambas podem contribuir para a formação do leitor. Tanto o livro impresso, quanto o livro digital, devem ser acessados. Os pais e a escola são fundamentais no acompanhamento e incentivo ao hábito da leitura pelas crianças e jovens. Ler para e com os filhos, propor atividades dinâmicas e criativas sobre o livro literário na escola, pode fazer com que as crianças se interessem pela leitura e sintam prazer ao fazê-la. 

Vladi - Qual o impacto social que você enxerga sobre o fato de nas escolas haver um maior incentivo à leitura e escrita digital do que no padrão impresso e escrito? Isso seria uma evolução natural ou existem perdas e ganhos? 

Rosane - Não tenho certeza se há maior incentivo à escrita e à leitura digital. Visito muitas escolas durante o ano, e na maioria das escolas públicas ainda não é uma realidade a inclusão digital. Mas eu acredito que é um processo natural os alunos utilizarem mais a escrita digital para os trabalhos escolares. A era digital trouxe muitos benefícios para todos os campos profissionais e educativos, mas deve ser utilizada com cautela e com orientação de pais e professores. O que eu tenho observado é que com o uso da internet, a digitação (exigida nos trabalhos) acompanha o pensamento rápido, em contraponto, a escrita é mais demorada. Lembro que quando eu cursava a 4º série do ensino fundamental, eu escrevia no caderno de caligrafia e minha letra era mais bonitinha do que hoje. Acho que fui perdendo essa habilidade em função da digitação. Quanto à leitura, eu ainda prefiro os livros impressos. Adoro segurar nas mãos as histórias. É como se eu as carregasse no colo (risos). O impacto social é um processo que temos que acompanhar, visto que somos parte desse processo.

Vladi - Durante a adaptação da literatura para a contação de histórias, você utiliza outras referências externas para a criação e concepção de personagens e roteiro? 

Rosane - A literatura escrita difere da literatura na oralidade. Na maioria das vezes, eu conto utilizando apenas o recurso da voz. Se o conto é literário autoral, procuro ser fiel ao texto. Quando necessário, mudo uma ou outra palavra para tornar o texto mais audível. Mas se o texto for poético, por exemplo, não tenho como modificar nada, nenhuma vírgula.  Eu prefiro contos populares, recolhidos da literatura oral. Esses contos nos possibilitam uma maior interatividade com a história. De acordo com o contexto da história, o período histórico, os personagens, eu mudo para trazê-lo para uma realidade mais atual. Mas tudo depende da história e do que ela possibilita. Não dá para sair mudando tudo, colocar ou retirar personagens de um texto. O ideal é termos bom senso e responsabilidade com o texto.

Vladi - Para os projetos futuros, tu prevês uma adaptação da tua obra para os meios digitais ou para o meio teatral com uma significância maior?

Rosane - Estou iniciando a minha trajetória como escritora (ainda é tudo muito novo). Um dos motivos que me motivou a enviar meus textos para algumas editoras foi que um deles já estava sendo narrado por uma contadora de histórias em BH. Eu o havia publicado  no meu blog e ainda não tinha pensado em publicá-lo em papel. Foi uma bela surpresa quando ouvi pela primeira vez a minha história e a pessoa ainda não me conhecia. Foi emocionante! Essa mesma história será adaptada para o teatro por um grupo de bonequeiros no Paraná. Espero ver meus textos publicados, lidos, contados, interpretados e porque não em e-books.  Quem sabe, publicamos juntos, Vladi? (É um convite)


Postado por Jacira Fagundes

domingo, 20 de janeiro de 2013

RS: Vice-Versa de janeiro de 2013

Neste 1º Vice-versa de 2013, Gláucia de Souza – escritora – e Carla Pilla – ilustradora – nos contam suas trajetórias e traçam um paralelo entre o trabalho com o texto e com a ilustração.

Gláucia vem do Rio de Janeiro. Reside em Porto Alegre desde 1994. Autora de vários livros e muitas vezes premiada. Carla é ilustradora de livros infantis e infantojuvenis desde 2008.

Viveu por dois anos no Rio de Janeiro e atualmente está de volta a Porto Alegre."


Carla pergunta. Gláucia responde.

Carla -  Quando criança, você já inventava histórias? Quando nasceu a coceirinha de colocar a imaginação no papel?

Gláucia - Na verdade, eu não inventava bem histórias, mas gostava de as ouvir. Eu costumava inventar poemas, porque achava que era uma brincadeira bem divertida procurar pelos sons das palavras e ver como eles se combinavam. Nasci numa época em que a escola não proporcionava muitas situações de vivência artística para as crianças (aulas de Artes em geral). Assim, todas as vezes que eu podia, e que a professora pedia para levar um poema, eu escrevia um eu mesma. Também escrevia outros para as pessoas da minha família, quando queria dar um presente para elas. Aos poucos, essa coceirinha foi se tornando um coceirão e vi que, se não tinha parado de escrever, talvez pudesse querer ser escritora! Gostava muito de ouvir as histórias da Coleção Disquinho (além das histórias lidas e contadas pela minha família), que eram histórias em versos e musicalmente ricas. Muitas tinham arranjos de Radamés Gnatalli, conhecido músico, compositor e maestro.

Carla -  Você viveu sua infância e adolescência no Rio de Janeiro. Como escritora, o que acredita que trouxe na bagagem para Porto Alegre?

Gláucia - Trouxe na minha bagagem a minha infância, a minha adolescência e algo da minha juventude. Eu me graduei no Rio e também lá fiz mais outros estudos. Comecei a ser professora e a escrever. Mas o que mais me marcou, como acho que à maioria das pessoas, foi a infância.  Trouxe na minha bagagem de infância, os blocos de rua de Vila Isabel durante o carnaval. As caminhadas que dava por esse bairro com minha família. Os passeios que fazia de bicicleta pelas ruas do Grajaú, em cujas calçadas caíam tamarindos e tamarindos. As visitas à Biblioteca do bairro... As brincadeiras na vila em que morava: andar de patins, brincar de pique e tantas coisas mais. Também tenho lembrança de um Rio de Janeiro mais tranquilo, em que as pessoas deixavam as portas de suas casas abertas e se sentavam para conversar. Acho que todas essas imagens vêm sempre juntas às cantigas e às brincadeiras de rua que fazíamos na escola. De certa forma, essas lembranças sonoras são um pré-nascimento da poesia entre as crianças. Comigo também foi uma iniciação poética.

Carla -  Você publicou seu primeiro livro há uns 15 anos, certo? De lá pra cá, como foi sua trajetória no mundo dos livros infantis?

Gláucia - Como a de todos os que trabalham com livro: trabalho, trabalho, trabalho. Escrita e reescrita. Leitura, troca de ideias... E os momentos mais especiais: os de conversar com os leitores (grandes e pequenos) e de ver se o que se trabalhou deu fruto. Ouvir as críticas e retornar para trabalhar mais um pouco! Organizar esse tempo para quem não é só escritora se torna um tanto difícil, mas possível, pelo menos até agora...

Carla -  Além de escritora, você participa de diversas atividades vinculadas ao livro. Pode nos contar quais são elas?

Gláucia - Sim, como sou professora também, sempre procuro atuar na formação de leitores. Trabalho a quase vinte anos no Colégio de Aplicação da UFRGS, que tem como proposta, assim como toda a Universidade, não só o ensino , mas a pesquisa e extensão. Através da UFRGS, venho tendo a oportunidade de fazer várias parcerias, dentre elas a que temos já há anos com a Câmara Rio-Grandense do Livro. O curso “Tessituras: formação de mediadores de leitura”, por exemplo, já está na quarta edição, três das quais em parceria conosco. Também já estivemos em Arroio dos Ratos, a convite da Secretaria de Educação e Cultura, para a formação de um conselho de leitura. Fora isso, através da pesquisa, tive oportunidade de investigar sobre as possibilidades de proporcionar aos estudantes situações de leitura e de criação de poesia. Como autora, fico muito contente por poder participar de diferentes programas de leitura: Adote um Escritor,  Fome de Ler, Lendo pra Valer, LeiturAção, Conversando com o Autor, Caravana da Leitura etc. Tenho conhecido muitas escolas, com seus professores, funcionários, estudantes e familiares, todos envolvidos na tarefas de fomentar a leitura. Também tenho visitado feiras de livros, inclusive tendo a alegria de ser convidada a ser Patrona de duas: em Morro Reuter e em Arroio dos Ratos. Há também as comunidades escolares das EMEFs Pastor Frederico Schasse (em Morro Reuter) e Dr. Mário Sperb (em Dois Irmãos) que me homenagearam dando o meu nome a suas bibliotecas. Sempre que posso, vou a essas escolas, por ocasião das suas feiras literárias. Todos esses momentos de interação com os leitores são muito ricos e me alimentam, tanto como autora, quanto como professora.

Carla -  Gláucia, nos fale mais sobre seu envolvimento com o Traçando Histórias.

Gláucia - Essa é mais uma das parcerias que temos com a Câmara Rio-Grandense do Livro. Como a Traçando Histórias é um evento consagrado nacionalmente no meio da Ilustração, são vários os ilustradores que vêm a Porto Alegre para esse evento, que é bienal. Então, surgiu a ideia de, em parceria com a Câmara, proporcionar o encontro desses profissionais com mediadores de leitura (professores, bibliotecários, estudantes, interessados em geral). Assim, pensamos que esses mediadores de leitura, ao conhecer a prática e as reflexões dos ilustradores e seus processos de criação, podem fomentar com mais propriedade a leitura de imagem. Sabe-se que o livro endereçado à infância é cada vez mais um gênero híbrido, feito a, no mínimo, quatro mãos: as do escritor e as do ilustrador. Ambos são igualmente autores desses livros. Como quem ajuda na coordenação dessa Programação Paralela à Traçando Histórias, também eu, escritora, enriqueço minhas leituras e penso em como minha prática de escrita dialoga com a de criação de imagens dos meus colegas. Minha função na Programação Paralela é ajudar na organização do evento e na sua realização, tornando possível, assim, a parceria entre a instituição que represento (CAp UFRGS) e a Câmara Rio-Grandense do Livro.


Gláucia pergunta. Carla responde.


Gláucia -  Sabemos que a formação de um ilustrador não ocorre através de um curso específico, mas da busca pessoal de artistas com diferentes formações. Como você descobriu que queria ser ilustradora? Como foi sua formação enquanto ilustradora?

Carla - Sempre gostei de desenhar e, quando criança, fui uma leitora voraz de livros infantis. Não acho que um dia me descobri ilustradora, mas sim que um dia resolvi assumir esse caminho. 
Gostava de Artes Plásticas, mas achava que deveria fazer uma faculdade com mais mercado de trabalho. Acabei me formando em Publicidade e Propaganda e trabalhei por alguns anos como web designer, sempre levando a ilustração como uma atividade paralela. Quando assumi a gerência de projetos da empresa, passei a sentir muita falta de exercer meu lado criativo, e acabei optando pelo caminho arriscado que por tempos adiei: a ilustração como profissão.
O ano da virada foi 2006. Eu já havia cursado Especialização em Expressão Gráfica na PUCRS (aliás, meu trabalho de conclusão foi sobre ilustração de livros infantis), feito diversas aulas de desenho, algumas disciplinas no Instituto de Artes da UFRGS, estudo da figura humana... resolvi abrir uma empresa individual e por a mão na massa. Trabalhei bastante em projetos diversos, fiz muitos contatos, mas o primeiro livro infantil só foi confiado a mim quase um ano depois.
De lá para cá, as portas foram se abrindo. Continuei o aprendizado: um curso de ilustração de livros infantis na Central Saint Martins College of Art and Design, em Londres; aulas de aquarela com Renato Alarcão no período em que morei no Rio de Janeiro; sem falar na troca com colegas da Grafar, SIB e AEILIJ, que também foi fundamental.
Depois de ilustrar mais de vinte livros infantis e infantojuvenis, entre editoras de Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, fico feliz em ter seguido meu coração. E pretendo continuar a formação, aprendendo sempre! Se minha paixão é trabalhar com ilustração, as novas técnicas, experiências e descobertas são o que mantém a chama acesa!

Gláucia -  Ao pegar um texto para ilustração, como ocorre o seu processo de composição das imagens do livro? Você costuma criar as ilustrações apenas, ou também os projetos gráficos?

Carla - Cada texto tem seu ritmo, sua personalidade, e na leitura eu já vou visualizando cores, formas, sutilezas... 
Como trabalho com alguns traços e técnicas diversos, sugiro alguns caminhos com base em meu portfólio e procuro sempre saber se existe alguma preferência da Editora ou mesmo do autor. Troco algumas ideias: vamos fazer o livro em aquarela? Vamos usar colagem?
Em alguns casos faço apenas as ilustrações, em outros o projeto gráfico completo. Gosto quando tenho liberdade de decidir se uma frase vai aqui ou na página seguinte, se uma área fica em branco... a distribuição do texto e das imagens nas páginas também é uma forma de narrativa. Se não tenho essa possibilidade, peço o boneco do livro e procuro pensar em ilustrações que aproveitem bem as áreas disponíveis.
Então mergulho na imaginação, faço esboços, pesquisas, me empolgo e me perco nas horas do dia... até chegar a um boneco com a aplicação de todos os esboços da ilustração. Os esboços aprovados vão para a mesa de luz servir de base para as ilustrações finais. Aí me empolgo e me perco nas horas de novo, manchando as unhas de cola e tinta...

Gláucia - Você tem belos trabalhos de ilustração no Caderno Donna, para a coluna de Martha Medeiros. Nas páginas dessa coluna, você tem de se expressar através de uma imagem (ou conjunto de imagens) em um curto espaço de tempo. Como é o seu processo de criação de ilustrações para as crônicas de Martha Medeiros. 

Carla- Trabalhar com jornal é um processo bem mais dinâmico! Recebo o texto com alguns dias de antecedência, mas tenho por volta de 24 horas para preparar a ilustração. Procurei criar um estilo para ilustrar as crônicas usando o traço das personagens, a técnica de aquarela e os “cordões literários”. Além de definirem uma identidade visual para as páginas, esses elementos servem para mim como guias iniciais.
Uma das características da página da Martha é a liberdade na diagramação. Então, sempre me informo se o anúncio da página vai ser horizontal ou vertical (o que altera a área disponível para o texto e ilustração), e procuro elaborar um esboço que aproveite a área de forma divertida ou inusitada. Troco ideias com a diagramadora; simulamos a aplicação da ilustração na página e muitas vezes fazemos ajustes para deixar mais harmônico. A partir do esboço ajustado, faço a ilustração final em caneta e aquarela, ajusto alguns detalhes por computador e pronto!

Gláucia - No seu ponto de vista, qual o papel da ilustração em um livro endereçado ou não à infância?

Carla - Nossa, poderia responder essa pergunta por diversos ângulos... vou escolher um só, tá bom?
Acredito que, assim como aprendemos a ler, também aprendemos a ver. Em um livro, tanto texto quanto ilustração, contribuem para o entendimento de um assunto, para levantar questionamentos ou atiçar a imaginação. Assim como a criança vai desenvolvendo a capacidade de leitura  e compreendendo textos cada vez mais complexos e abstratos, ela também desenvolve a capacidade de “ler imagens” em diversos níveis, desde bebê até a adolescência. Mas isso pode e deve ser estimulado. Uma criança que cresce cercada por bons livros, com ilustrações caprichadas e variadas, tem chances de se tornar um adulto mais criativo, com mais capacidade de abstração, que compreende um pouco melhor o mundo que o cerca e consegue saboreá-lo com seus olhos.

Gláucia - Você está desenvolvendo novos projetos para esse ano? Conte para nós um pouco sobre eles.


Carla - Após quase três meses sem desenhar em função de uma clavícula quebrada, estou cheia de trabalho e feliz da vida! Tenho em produção dois livros infantis: “Buuu, Bruxas”, que será o quarto livro que ilustro para a autora Lisete Johnson, e “As Aventuras dos Irmãos Miguel”, primeiro livro que ilustro para a Global. Para a Feira do Livro de Porto Alegre devo ilustrar também o segundo livro da Coleção Primeiras Aventuras, da Editora Cassol.
Se os ventos forem favoráveis, este ano se inicia também a produção da série de animação Bolota & Chumbrega, da qual sou co-autora e diretora de arte. Já produzimos um piloto do desenho animado em 2010, e recentemente ele foi selecionado pela Ancine para a produção de mais 12 episódios. Estamos esperando a liberação para iniciar uma correria boa, que deve envolver toda uma equipe de artistas e animadores por pelo menos um ano.

Além disso, planejo publicar o primeiro livro de tiras com meus personagens Pelica e Felpudo, do Filé de Gato. As tiras completam três anos em abril de 2013, e já foram publicadas na Zero Hora e revistas especializadas. Está na hora de virarem livro, com direito a material inédito e outros filezinhos. Só que, como todo projeto mais autoral, muitas vezes falta tempo para produzir... será que dá?


Postado por Jacira Fagundes

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

RS: Vice-Versa de novembro de 2012

Neste Vice-versa de novembro, contamos com as palavras de Maíra Suertegaray e Letícia Moller.

Maíra Suertegaray é professora de Geografia, escritora e contadora de histórias. Após desenvolver oficinas e materiais pedagógicos para o ensino de Geografia, a ideia de escrever para o público infantil despertou-a para o universo de LIJ.

Letícia Moller é advogada e escritora. Embora em meio a três irmãos, encontrou o tantinho de solidão de que precisava para criar seus mundos secretos. E para ler muito.

Ao gosto pela  leitura logo se somou o gosto pela escrita. Hoje tem dois livros infantis publicados.
Uma e outra nos brindam com ricas experiências no campo da literatura infantil.

Letícia pergunta.  Maíra responde.

    
Letícia – Maíra, como surgiu o desejo de escrever para crianças? 

Maíra – O desejo surgiu a partir de duas situações que se colocaram na minha vida: ser mãe de uma menina pequena (4 anos) muito curiosa e dar aula de Geografia para crianças do 6o ano do Ensino Fundamental no Colégio de Aplicação da UFRGS. Dandara, minha filha, sempre fazia muitas perguntas sobre as coisas que via no seu cotidiano, principalmente sobre os fenômenos da natureza. Uma noite, quando eu a colocava para dormir, estávamos lendo uma história em que uma menina esticava muito os braços para alcançar o Sol. A partir desta cena começamos a criar uma outra história. Eu perguntava, Dandara respondia, e assim fomos indo. No dia seguinte, a história não saía da minha cabeça, então resolvi colocá-la no papel. 
Como professora de crianças menores (faixa etária 11-12 anos), buscava novas formas de trabalhar Geografia, formas mais lúdicas, leituras mais agradáveis com fantasia e ao mesmo tempo com conteúdo científico. Tive muita dificuldade para encontrar materiais. Foi então que estes dois caminhos se encontraram: estava ali, na minha frente, uma história repleta de elementos geográficos. A história que havia escrito com as contribuições da Dandara era uma possibilidade que se colocava para o trabalho com os pequenos. A partir daí, minha cabeça começou a fervilhar de ideias. Meus alunos fazem perguntas maravilhosas, também são minha fonte de inspiração.

Letícia – Aqui em casa, “Dandara, o Dragão e a Lua” está entre os preferidos do momento. De onde partiu a ideia para a história? A tua  formação em geografia teve influência na escolha do tema, ou foi a  Dandara que “determinou” a escolha? Como se deu o processo de escrita do livro?

Maíra – “Dandara, o Dragão e a Lua” foi a história de que falei antes. Surgiu de uma construção feita entre mãe, professora de Geografia e filha, menina cheia de perguntas e curiosidades sobre o céu, o Sol, a Lua, as nuvens, etc. Depois de escrito o texto base, fui lendo, retrabalhando a história e inserindo curiosidades do meu tempo de criança, perguntas feitas por mim e meus irmãos. Foi assim que nasceu a história de “Dandara, o Dragão e a Lua”, narrativa que fala de uma menina curiosa que adora o céu. Por ser muito atenta e observadora, descobre muitas coisas mas também tem muitas perguntas... A partir desta paixão, Dandara e seu dragão mágico partem para uma viagem pelo espaço na busca de trazer a Lua e as estrelas pra seu quarto. Posso dizer, então, que esta história tem um pouco dos dois: minha influência enquanto professora, mas tem muito mais das curiosidades da Dandara.

Letícia – Compartilhamos a formação acadêmica e a escrita de textos  científicos. Por isso a minha curiosidade em saber como foi, para ti, a  migração da linguagem e da forma acadêmicas para o universo da  literatura e da escrita de narrativas para crianças. No teu processo de  escrita, a familiaridade com a linguagem científica influenciou ou tentou  intrometer-se na escrita literária, ou elas estavam claramente  separadas?

Maíra – Foi difícil no início, pois, a linguagem científica estava muito arraigada nos meus textos. Mesmo tendo lido inúmeros livros infantis e sabendo como eu gostaria que ficasse a história, meus textos eram muito formais e isso me incomodava. Li e reli as versões, conversei com outros autores, pedi que outras pessoas lessem o texto e me dissessem suas impressões. Foram muitas releituras e muitas limpezas do texto até ele ficar pronto. Aprendi a conversar com a ilustração do texto, assim poderia suprimir algumas partes que apareceriam nos desenhos. Também aprendi que nem tudo precisa ser dito, algumas ideias podem ficar por conta da imaginação do leitor. Isso é fantástico, é algo inimaginável na linguagem acadêmica, pelo menos na minha área de conhecimento. Mas por outro lado, o conhecimento científico contribuiu para que eu falasse sobre geografia de outro modo, sem erros conceituais, infelizmente muito presentes em livros infantis quando se trata de fenômenos da natureza. Aprendi muito neste processo e essas aprendizagens me ajudaram nas histórias seguintes. 

Letícia – Quais foram as leituras de infância que mais te marcaram? Há  algum autor ou obra que seja fonte de inspiração para a tua escrita?

Maíra – Quando pequena, lembro dos livros da Eva Furnari, com aquela bruxinha maravilhosa que aprontava horrores. Na pré-adolescência eu lia muito, era uma das que mais retirava livros na biblioteca. Eu amava os livros da Série Vaga-lume, principalmente aqueles de mistério escritos pela Lúcia Machado de Almeida e pelo Marcos Rey. Havia também os livros do Pedro Bandeira que narravam as aventuras dos Karas, eu adorava. ara escrever as minhas histórias, pesquiso muito, tanto em materiais de cunho científico, quanto em outros livros infantis. Leio livros que tratam de temas parecidos, mas não tenho um autor específico.

Letícia –Tens projetos literários em andamento? Estão vindo novos livros  infantis por aí?

Maíra – Saiu do “forno” recentemente o livro Dandara e a Princesa Perdida, editado pela Compasso Lugar-cultura em parceria com a Imprensa Livre. Também escrito a partir de uma pergunta maravilhosa, mas desconcertante da minha filha Dandara: Mãe, por que não existem princesas negras? Dandara, filha de pai negro e de mãe branca, é uma menina mestiça que começou a questionar sobre aspectos ligados às suas origens e à sua identidade. As histórias de princesas mais conhecidas são de matriz europeia e trazem personagens de pele branca e cabelos claros e isso a despertou para este questionamento. Esta pergunta não é parte somente do mundo da Dandara, mas de muitas outras meninas e também de meninos que querem conhecer princesas, príncipes e heróis negros. Nesta história procurei trazer, além de informações sobre a África, elementos presentes nos contos africanos, que recentemente chegam às nossas prateleiras. Li muitos contos africanos, tive contato com autores maravilhosos como Celso Cisto, Rogério Andrade Barbosa, Júlio Emílio Braz. Estou adorando este universo.

Maíra pergunta.  Letícia responde.


Maíra – Letícia, o que te levou a escrever para crianças?

Letícia – Ainda bem pequena, descobri minha paixão pelas palavras e pelas histórias. Meus pais eram grandes incentivadores da leitura. Creio que desse prazer que a leitura me proporcionava surgiu a vontade de inventar minhas próprias histórias. Com 7 anos fiz meus primeiros livrinhos, que elaborava amorosamente para presentear os parentes e amigas de escola. Já adulta, a literatura infantil continuou a ser uma paixão, e assim as primeiras narrativas que escrevi foram para crianças. Hoje também escrevo pequenas prosas, crônicas e poemas “adultos”.

Maíra – Como autora, tu participas de muitas feiras do livro, nas quais tens o contato direto com o público. Como trabalhas as tuas histórias com os pequenos leitores? 

Letícia – O “Eu e você, aqui e lá!” permite diferentes abordagens, indo do tema da diversidade cultural e da tolerância entre os povos à reflexão mais próxima das crianças, as diferenças dentro da própria sala de aula e como lidar com elas. Costumo mostrar imagens do Marrocos e dos berberes, para aguçar a curiosidade dos pequenos e a vontade de conhecer hábitos e culturas distintos dos nossos.
O “Corre, Pedro, corre!” fala de um menino como tantos que vemos hoje, um pequeno executivo cumpridor de tarefas, sem tempo para brincar. Há uma crítica de fundo (e uma autocrítica) ao ritmo frenético que acabamos por impor aos nossos filhos desde cedo. Me surpreendi, ao visitar escolas em cidadezinhas pacatas, onde imaginei que as crianças não se identificariam com a rotina do Pedro. Mas de um modo ou de outro se identificam, muitas vezes porque fora do horário de escola devem ajudar os pais em casa ou no trabalho.

Maíra – O livro “Eu e Você, Aqui e Lá” trata de um tema bastante importante e atual que é o respeito às diferenças. Como surgiu a inspiração para escrever esta história?

Letícia – A questão da diversidade cultural, e mais especificamente os temas do pluralismo e do universalismo cultural, desde uma perspectiva da Filosofia do Direito, foram objeto de estudo durante meu doutorado na Itália. Então, era (e ainda é) um tema caro para mim, e que estava muito presente quando eu e meu marido viajamos ao Marrocos. Conheci alguns vilarejos berberes a caminho do deserto, onde conversei com as crianças e travei contato com aquela cultura. Assim nasceu a ideia para a história, unindo uma reflexão que eu fazia naquele período com a experiência concreta da viagem. No livro, o menino brasileiro sente um estranhamento inicial diante do menino berbere, que gradualmente dá lugar à percepção de que há também coisas em comum entre eles, gerando a empatia e a vontade de amizade.

Maíra – As ilustrações são parte essencial de um livro infantil. Como dialogas com o ilustrador durante a elaboração do livro?

Letícia – Meus dois livros infantis foram ilustrados pelo Gabriel Demarchi, com projeto gráfico do Gustavo Demarchi. Fiquei muito feliz com a nossa parceria, e quis que eles criassem em plena liberdade, sem intromissões minhas. Mas tive o prazer de poder acompanhar a criação das ilustrações e dialogar com eles durante o processo. Para o “Eu e você, aqui e lá!”, que aborda o Marrocos e os povos berberes, emprestei a eles um livrão de fotografias que adquiri durante viagem ao país, e que, segundo ambos, foi bem interessante  para se familiarizar com aquele cenário.

Maíra – Tens algum projeto em andamento? Está saindo livro novo para a gurizada?

Letícia – Tenho alguma coisa pronta, e no momento estou finalizando uma história para crianças que aborda o tema da perda, da finitude e da memória. Foi uma história que custou a sair, a encontrar seu tom e forma, mas agora está quase pronta. Tenho alguns esboços para narrativas juvenis, às quais pretendo me dedicar no ano que vem.


Postado por Jacira Fagundes

2 comentários:
 Jacira Fagundes disse...
Maíra e Letícia, agradeço a colaboração de vocês ao nosso blog. São matérias desta importância que não só trazem visibilidade a nossos autores, como igualmente à associação que representa a cada um de nós, escritores e ilustradores de LIJ.
Muito obrigada.
Jacira Fagundes
11 de novembro de 2012 09:38

 Letícia Möller disse...
Jacira,
eu que agradeço pelo convite! Foi um prazer dialogar com a Maíra e trocar ideias sobre o fazer literário para crianças.
Este é um espaço valioso para nós, autores de LIJ, e um estímulo extra para seguir sempre em frente e cada vez melhor.
Um forte abraço,
Letícia Möller.
13 de novembro de 2012 15:59

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

RS: Vice-Versa de setembro de 2012

Este é o nosso primeiro Vice-versa de 2012 e contamos com a troca de perguntas e respostas entre duas promissoras profissionais – Leila Pereira e Patrícia Langlois. 

Leila é escritora e contadora de histórias. Iniciou a carreira literária em 2009 e, de lá para cá, suas publicações não param de crescer. Patrícia é artista plástica e arte-educadora. Vem se destacando com suas experimentações na área da ilustração.

Juntas pela primeira vez, elas nos brindaram, este ano, com uma belíssima obra de LIJ. Vejam o que Leila e Patrícia têm a nos contar.


Patrícia pergunta. Leila responde.

Patrícia – Leila, qual o papel da narrativa oral para a formação do leitor?

Leila – Sou educadora, e minha visão parte primeiramente de meus estudos e experiências nesta área. O primeiro contato da criança com "a palavra" se dá através da linguagem oral, já a partir de sua vida intra-uterina. A criança ouve a voz da mãe e reage a este estímulo. Desta época até o início do processo de alfabetização decorrem alguns anos. Neste período a criança vai tendo contato intenso com a oralidade. Nas escolas infantis, as educadoras costumam trabalhar bastante a narrativa oral, através das contações de histórias e leituras de livros para as crianças. Alguns pais têm o hábito de fazer leituras para seus filhos também (e a escola procura estimular esta prática). Isto é um fator importantíssimo para a formação do leitor. A criança que ouve histórias desenvolve rapidamente a oralidade e apresenta maior interesse no aprendizado da escrita, bem como maior capacidade de concentração. Para o desenvolvimento do hábito de leitura são necessários estes dois ingredientes: interesse e concentração. 

Entretanto, há casos de crianças que não receberam estes estímulos na infância. E a narrativa oral, aqui também, pode ser uma ótima ferramenta para o processo de formação do leitor. Ouvir histórias é sempre bom, em qualquer idade. Vejo, pela minha prática como contadora de histórias, principalmente com adolescentes, que se mostram "resistentes" num primeiro momento, mas posteriormente envolvem-se e acabam gostando. E a contação de histórias deve ser exatamente isto, um estímulo para a leitura.

Patrícia – Quais os recursos que você usa em suas contações de histórias?

Leila – Meu público alvo é normalmente de crianças pequenas - educação infantil até 4º, 5º ano. Percebo que eles ficam mais atentos quando faço uso de recursos concretos. Portanto, normalmente utilizo objetos, fantoches, palitoches, imagens ou adereços em minhas contações. Outro recurso que sempre utilizei, e acredito que enriquece muito uma contação de histórias para crianças, é a música. A música alegra, agrega, tornando o momento ainda mais lúdico. Gosto ainda de proporcionar a interação das crianças na atividade. Sempre que possível, utilizo este recurso.

Patrícia – O que é necessário para um texto  infantojuvenil ser de qualidade?
  
Leila – Acredito que o texto de qualidade é aquele que possibilita um crescimento intelectual ao leitor. Em se tratando de crianças de educação infantil, acho que os paradidáticos têm o seu valor, contribuindo para o ensino e para estimular a criança a se tornar um futuro leitor. 

Patrícia – Quais são seus próximos projetos literários?

Leila – Tenho diversos projetos em andamento e alguns em estudo. Pretendo ampliar meu foco de atuação, oferecendo textos também para adolescentes. Como editora, estou também abrindo possibilidades de lançamento de novos autores. 

Patrícia – Como surgiu a Vitrola de Histórias?

Leila – A Vitrola de Histórias surgiu quando conheci a cantora e instrumentista Karine da Cunha, em 2011, no Palco das Artes, que ficava no Praia de Belas Shopping, onde atuei durante um ano e meio. Karine gostou dos meus livros e eu do seu trabalho como musicista. Criamos a Vitrola, que está aí, fazendo sucesso nas escolas, feiras, bibliotecas, etc... Em outubro deste ano, estaremos lançando nosso primeiro CD. Este é da Coleção Cantigas Contadas, primeiro espetáculo que criamos. 


Leila pergunta. Patrícia responde.

Leila – Patrícia, como surgiu na tua vida o desejo de ilustrar livros infantojuvenis?

Patrícia – O desejo surgiu com o nascimento do meu filho. Não demorou muito a surgir a primeira oportunidade e desde então tenho me dedicado à ilustração e participado de oficinas literárias e faço parte do grupo Corrupio – Núcleo de Criação, juntamente com as ilustradoras Gisele Federizzi Barcellos e Catherine De Leon, onde desenvolvemos estudos sobre literatura e ilustração. 

Leila – Quando tens contato com o texto a ser ilustrado qual a sequência - se é que ela existe - do processo criativo?

Patrícia – Leio o texto várias vezes em busca de imagens no meu imaginário. Para cada parte do texto, dividido, procuro representar a cena de forma que não entregue a história antes do término da leitura da página. Faço vários esboços para criar os personagens e as cenas. A técnica geralmente é escolhida pelo editor. Quando parte de mim a escolha, procuro que seja de acordo com o tema do texto, como no livro Assombros Juvenis, livro de contos de terror organizado pela Confraria Reinações, no qual trabalhei com Linóleogravura, que me possibilitou um resultado mais forte e visceral. Já no livro – Um Presente Especial – de autoria de Leila Pereira, livro infantil, trabalhei com feltragem e bordado, resultando em um trabalho muito delicado. Para cada história procuro soluções plásticas que possam agregar algo a mais no livro. O texto e a imagem possuem linguagens diferentes, que em um bom livro, dialogam em completa harmonia.

Leila – Ao ler livros ilustrados por colegas, tu imaginas outra maneira de ilustrá-los? Sentimentos do tipo "eu faria esta personagem de outro modo", vêm à tua mente?

Patrícia – Quando leio um livro ilustrado procuro sempre observar as técnicas   e os recursos visuais usados pelo   ilustrador, sempre procuro ver as soluções plásticas   mais no sentido de apreciar  e de ver as sacadas  dele em relação ao texto  e nunca procurando aspectos negativos no trabalho do outro. Algumas vezes, as ilustrações não me agradam, seja pelo estilo escolhido ou por serem muito literais, mas não fico pensando como eu faria. Penso que o ilustrador tem outros trabalhos publicados e que em outros ele pode ter se  destacado mais  e que pode  ainda ser só  uma questão de gosto pessoal. 
   
Leila – Todos temos nossos "gurus". Quais os teus, dentro da ilustração de livros infantojuvenis?

Patrícia – Aprecio muito as ilustrações de Beatrix Potter do livro A história do Coelho Pedro, as do Stephan Michael King, autor de Pedro e Tina, assim como Suzy Lee, autora de A Onda. 

Leila – Sei que teu filho de 7 anos, é um apreciador (e leitor em potencial!) da literatura. Qual a influência dele em tuas produções literárias?

Patrícia – Meu filho é a minha paixão, minha inspiração. Converso muito com ele sobre literatura e ilustração. Ele me vê trabalhando e aprecia meus trabalhos, me dá ideias ótimas, além de conselhos muito valiosos. Outro dia eu perguntei para ele, que lê muito: – O que um livro precisa para ser bom? – O livro tem que ser engraçado mas não pode ser uma piada e o personagem principal tem que passar por uma enrascada. – Respondeu ele, revelando sua percepção.


Postado por Jacira Fagundes

3 comentários:

H disse...
Parabéns às autoras! Parabéns à coordenadora regional AEILIJ/RS, por ter reativado o vice-versa aqui no Sul. Muito bom conhecer as profissionais através deste projeto. Abraços
11 de setembro de 2012 03:18

Jacira Fagundes disse...
Obrigada, Hermes, pelo apoio a todas as iniciativas. Abraços.
11 de setembro de 2012 05:38

martina disse...
Muito legal esse vice-versa. É tão bom ler o que pensam sobre lij os colegas, e muito interessante conhecer seu processo de criação. Parabéns!
11 de setembro de 2012 13:45

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

SP: Vice-Versa de agosto de 2012

Meus caros!
O Vice-Versa completa 4 anos neste mês de agosto. Apresentamos as entrevistas da escritora Maria Amalia Camargo e da ilustradora e escritora May Shuravel, ambas associadas da regional paulista da AEILIJ.
Obrigada, meninas. Parabéns!
Um beijo, pessoal!!!

Regina Sormani


Maria Amalia Camargo

May Shuravel (ilustração de Maria Eugênia)


Respostas de Maria Amalia

1 - O que você lia, quando criança? Tinha livros em casa? Frequentava alguma biblioteca?

Lia muito gibi, em especial da Turma da Mônica. Ah! E muitas histórias sobre animais, de um livrão chamado Maravilhas e Mistérios do Mundo Animal. E lia a relia os livros da Fernanda Lopes de Almeida e da Ruth Rocha. Mas apesar de adorar o “Sítio do Pica-pau Amarelo” na televisão tinha muita preguiça de ler Monteiro Lobato. Aliás, só comecei a lê-lo pra valer depois de adulta, quando decidi escrever para crianças. Sempre tivemos muitos livros em casa. De faltar lugar para guardá-los. Acho que por conta disso nunca fui uma frequentadora assídua de bibliotecas porque era possível achar de tudo naquelas estantes: culinária, botânica, história, religião, enciclopédias de todas as épocas... 
Bem, na verdade eu frequentava a biblioteca da escola às sextas-feiras e um dos empréstimos que mais me marcou foi uma adaptação da Ana Maria Machado para o Sonho de uma Noite de Verão.

2 - Quando foi que você se deu conta de que poderia escrever livros para as crianças? Antes disso, pensou em escolher outra atividade profissional?

Quando eu estagiava no serviço educativo do Museu de Arte Contemporânea da USP escrevia para crianças e professores sobre as obras e os artistas do acervo. E ali também eu convivia com alunos de 5 a 12 anos que chegavam para as visitas escolares. Desde então, fiquei com essa vontade: fazer ficção para crianças. Mas faltava coragem de dar o primeiro passo: escrever. Só depois de seis anos e muitas indefinições profissionais é que resolvi colocar as ideias no papel e descobri, finalmente, com o que eu queria trabalhar.
Antes de prestar vestibular para Letras minha grande vontade era ser artista plástica. Depois cenógrafa, fotógrafa, pesquisadora de arte... Aí, entrei em Letras e pensei em virar publicitária. Fiquei desanimada durante a faculdade porque não conseguia me decidir e resolvi que eu precisaria de menos sonhos e de um diploma. Um ano depois de ter me formado em Letras, pensei seriamente em usar meu diploma como jogo americano na mesa de jantar e fazer faculdade de Biologia. 

3 -Qual o primeiro texto seu que foi aprovado e publicado por uma editora? Você ainda lembra qual foi a sensação de pegar o livro prontinho, pela primeira vez? Agora, com tantos belos livros já publicados, mudou alguma coisa?

Foi o Laranja-pera, couve manteiga, publicado em 2006 pela editora Girafinha. Fiquei encantada quando vi as ilustrações originais do André Neves. Cada PDF que a editora mandava para eu acompanhar era uma surpresa. Então, o que mais me marcou quando peguei o livro pela primeira vez em mãos, não foi tanto o visual, mas o cheiro!

4 - Tuas histórias, sempre muito engraçadas, são cheias de brincadeiras com palavras e com expressões populares, como no teu último livro, "salada de letrinhas". Você parte de algum tipo de pesquisa para escrever, ou apenas solta a franga e manda bala? Escrever é fácil? E ser escritora é fácil?

O que eu mais gosto, além de escrever, é pesquisar. Sempre abro o dicionário tentando descobrir uma palavra ou uma expressão nova. Gosto também de prestar atenção no que as pessoas falam. Tenho vários cadernos de anotações cheios dessas pesquisas. É quase impossível começar a escrever do zero, soltando a franga. Bem que eu gostaria...
Uma das grandes dificuldades que eu encontrei quando comecei a escrever para crianças foi abandonar a linguagem acadêmica que demorei anos para aprender na faculdade e adaptar o discurso escrito para o público infantojuvenil. Escrever não é nada fácil porque existem mil jeitos de se contar uma história. E não dá pra ser de uma maneira pomposa nem simplória. A dificuldade está em achar o equilíbrio.
Ser escritora neste país não é nada fácil. Pior ainda ser escritora de literatura infantojuvenil. Além de ganharmos mal, nossa literatura ainda é vista como um gênero menor – ou como um não-gênero. E, fala a verdade, May: ganhamos mal – quando temos a sorte de receber alguma coisa – e “ser escritor” ainda é uma profissão vista como hobby. A única coisa que consola é trabalhar com aquilo que a gente gosta!


Respostas de May

1 - E você, May, o que lia quando era criança? E o que lia para seus filhos quando eram pequenos? 

Quando ainda era minha mãe quem lia pra mim, lembro de poucos: “Juca e Chico”, de W. Busch, tradução de Olavo Bilac, o meu preferido! “The adventures of Mr. Toad”, uma adaptação de “The wind in the willows”, de Kenneth Grahame, feita pelos Studio Disney(estão aqui do meu lado, por isso “lembro” bem,rs.) Um outro que eu adorava era “os pimpolhos”, uma história sobre um casal de irmãos, que eu acreditava seriamente ser algum tipo de profecia sobre o que aconteceria em breve com meu irmão e comigo, e não sei se a profecia se cumpriu porque não lembro nadinha da história. E Andersen, e Irmãos Grimm, e Mother Goose, e Histórias da Carochinha, livros muito antigos, que tinham sido de minha mãe. E depois veio Monteiro Lobato, claro. E aí eu já sabia ler, não precisava mais esperar a hora de dormir pra ouvir histórias, maravilha! 
Naquele tempo, nada de literatura infantil na sala de aula. Nenhuma adoção, nenhum incentivo pra se visitar a pequena biblioteca, muitos nem sabiam onde era. Felizmente, meus pais se encarregaram de abrir as portas desse mundo pra mim... 

2 - Como se deu a passagem da Arquitetura para a Literatura infanto-juvenil? 

Bem, a Arquitetura eu nem vi, rs. Escolhi estudar na FAUUSP, já sabendo que jamais me tornaria arquiteta. Era uma ótima escola pra quem queria estudar mas, ainda não sabia o queria ser quando crescesse, e de lá saíram muitos fotógrafos, escritores, bailarinos, ilustradores, músicos, sociólogos, cozinheiros, etc. O mais conhecido crítico gastronômico de Sampa estudou lá,rs. Até mesmo alguns arquitetos e urbanistas se formaram pela FAU... Meu trabalho de graduação foi sobre ilustração. Bem ruinzinho, aliás. Ninguém teorizava sobre o assunto, na época. Nada de bibliografia, além de alguns livros sobre estética comparada, e ninguém para orientar. Acho que só fui aprovada por falta de professor com conhecimento do assunto. Depois de formada, passei a dar aulas de desenho e comunicação visual, e desenhava, e pintava, e lia muito. E sonhava em ilustrar, mas textos adultos, aquilo que eu lia. Dei sorte, conheci o editor Massao Ohno, que publicava heroicamente livros de poesia, e ilustrados. Trabalhei com ele por um bom tempo. Quando surgiu o primeiro convite pra ilustrar livro para crianças, quase recusei, de medo. Não conhecia crianças, nem livros para crianças, além dos lidos na infância. Mas acabei aceitando, e deu certo, e gostei da brincadeira. 

3 - Se você pudesse escolher algum autor ou alguma obra – de qualquer época - para ilustrar, qual seria? E se você pudesse escolher um artista para ilustrar um texto seu, quem seria?Quando você começou ilustrar a escrever suas próprias histórias? E o que é mais divertido - e menos difícil: escrever ou ilustrar?

Vou escolher entre os mortos, que não podem reclamar: gostaria de ilustrar algum poema do Federico Garcia Lorca. Ou da Elizabeth Bishop. Ou do Alphonsus de Guimarães. Ou um conto do Dalton Trevisan. Para ilustrar texto meu, quero Edward Gorey. Ou Edmond Dulac. Ou...difícil, ein? Tanta gente maravilhosa... Quem sabe um ilustre ilustrador de primeira viagem, pra ter uma surpresa!
Comecei a escrever depois que tive meus filhos. Inventava histórias pra eles todas as noites, todos os dias ilustrava histórias dos outros, para as editoras. Daí...
Eu não acho nada muito divertido, tenho grande dificuldade pra fazer as duas coisas, sofro, me descabelo, fico com medo de não conseguir um resultado decente. Mas é bom, é muito bom. Com toda a angústia que acompanha o processo, é bom. 

4 - Existe alguma fórmula mágica para aproximar a criança da leitura?
 Algum encontro em escola ou alguma oficina com o público infantil te marcou de forma especial?

Acho que a maneira mais simples é fazer o que meus pais fizeram comigo: contar histórias, colocar livros nas mãos das crianças. O que, na verdade, não é nada simples num país como o nosso. Em quantas casas brasileiras existem pais alfabetizados, mais que isso, leitores, mais que isso, com tempo disponível e condições de ter um livro nas mãos para apresentar para as crianças? O acesso ao livro ainda é muito limitado, mesmo com as compras de governo. As bibliotecas são poucas, e os professores, em sua grande maioria, também não tiveram a oportunidade de se aproximar da literatura. Não são leitores. Como é que alguém que não lê, que não teve o privilégio de ser contagiado pela literatura, vai conseguir formar leitores? E a tarefa está nas mãos deles... Quando é que vai se começar a investir seriamente na formação desses professores? Quando é que essa profissão vai ser valorizada, em todos os aspectos?
Quanto aos encontros com o público infantil, já fiz muitos, e todos foram especiais, cada um à sua maneira. Até mesmo quando são mal planejados (o que, felizmente, é raro), quando as crianças nem ao menos conhecem algum livro que a gente escreveu, nem sabem o nome do autor e o que ele foi fazer ali, é só começar a ler uma história, e tudo dá certo, e tudo vira mágica...mesmo que só por um instante.


Postado por Regina Sormani às 18:28  
2 comentários:

José María Souza Costa16 de agosto de 2012 13:12
Vimlhe deixar este convitePassei por aqui, para lê o seu blogue.
Admirável. Harmonioso. Eu também estou montando um. Não tem as Cores e as Nuances do Vosso. Mas, confesso que é uma página, assim, meia que eclética. Hum... bem simples, quase Simplória. E outra vez lhe afirmo. Uma página autentica e independente. Estou lhe convidando a Visitar-me, e se possível Seguirmos juntos por Eles. Certamente estarei lá esperando por você, com o meu chapeuzinho em mãos ou na cabeça.
Insisto que vá Visitar-me, afinal, o que vale são os elos dos sorrisos.
www.josemariacosta.com

José Edward Guedes16 de setembro de 2012 03:32
Nilza é sempre aquele show, tanto em verso como prosa!