quinta-feira, 27 de agosto de 2015

SP: Pé de meia literário - Quem lê escolhe

QUEM LÊ ESCOLHE 

Dia desses, na edição de 15 de agosto do Caderno 2, do jornal O Estado de São Paulo abordou um tema espinhoso, raramente tratado pela grande mídia e quase nunca discutido entre nós: a escolha e compra centralizadas de livros para acervos de instituições culturais ou educacionais. Nessa matéria citada, a jornalista Maria Fernanda Rodrigues abordou a escolha e a compra de livros feitas pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e questionou o então secretário da cultura do município da capital paulista sobre o fato de apenas quatro editoras terem sido favorecidas pela compra. Lá não houve, como aqui não haverá, questionamentos quanto à qualidade dos livros comprados.São todos produtos de qualidade, como são os milhares que ficaram fora da escolha e compraJá tratei desse tema outras vezes, em palestras ou em textos escritos para minha coluna bissexta PÉ DE MEIA LITERÁRIO e uma vez para o boletim informativo da AEILIJ. É assunto escamoso, espinhento, delicado e OCULTO. Insisto nos mesmos argumentos de sempre. Vamos a alguns deles. A escolha e compra centralizada, feitas por “escolhidos e superdotados seres mais qualificados do que os outros”, ignoram os interesses e dos futuros possíveis leitores. Puxam para si, a responsabilidade de fazer uma escolha melhor do que aquela que por ventura fariam os leitores. São especialistas, entendem do assunto e sabem o que estão fazendo. Os leitores aprenderão com o tempo, imaginam. Engano: aprendemos a nadar, no diálogo com a água, nos lembra a filosofa Marilena Chauí. Aprendemos a escrever, escrevendo, nos recorda qualquer pedagogo. Certamente, aprenderemos a escolher, escolhendo; da mesma forma que aprendemos a ler, lendo. Elementar.Este tipo de atitude vem acontecendo há tempos. São posturas paternalistas, em um primeiro momento, repetidas em todas as compras governamentais. Os governantes escolhem um grupo de “especialistas” e dão a esse grupo o poder de escolher o que outras pessoas vão ler. E, claro, são bem pagos para praticar esse trabalho. Nossas escolas públicas, todas, quase sem exceção, recebem acervos escolhidos e comprados de modo centralizado, sem nunca terem podido indicar um livro sequer para o acervo com o qual deverão trabalhar e formar leitores. Tiram desses mediadores de leitura e futuros leitores o direito de aprenderem a formar o seu gosto, o direito de errarem por conta própria e de acertarem do seu jeito. A eles é negada a formação autônoma. Além disso, essas escolhas centralizadas direcionam o gosto e apontam o caminho a seguir. Se não for seguindo a lição apontada nas escolhas, o caminho não deve ser seguido. É uma crítica embutida, camuflada, que nega a diversidade. A natureza nos dá uma sábia lição, recusada nesses casos: a “biodiversidade”. Desculpem-me a metáfora perguntativa: por que será que entre milhares de tipos de feijão a oferta que nos é feita pelo comércio se restringe a poucas espécies? Por que será que entre as cerca de dois mil tipos de batata ficamos restritos a três ou quatro tipos? A natureza nos proporciona centenas e milhares de espécie, mas quem decide por nós nos oferece pouco, muito pouco, quase nada diante da biodiversidade.Também não podemos esquecer em que país vivemos e o contexto político que envolve decisões e compras centralizadas: favorecimento particular e a corrupção. Não posso afirmar que toda compra centralizada cheira à corrupção, mas esta é uma prática que sabemos grassar em abundância nas compras feitas centralizadamente. Compras feitas em alta escala e em grandes volumes assedia esse comportamento. O mercado editorial, composto por grandes editoras, algumas de capital estrangeiro, de olho gordo nessas compras centralizadas, composto por editoras de forte natureza nacionalista, por pequenas editoras e por românticos aventureiros que ousam publicar coisas fora do eixo centralizador, tem que lutar por essa “biodiversidade” de escolhas e compras. Tem que apostar que quem lê vai gostar – e muito – de aprender a escolher o que quer ler. Quem lê escolhe.Os criadores, autores, ilustradores e demais artistas da produção gráfica, terão muito mais prazer e alegria e liberdade em exercitar sua criatividade apostando na diversidade, sem ficar amarrado aos critérios claros – e  ocultos – do grupo sábio de especialistas que dizem o que deve ser lido, por imposição de sua escolha e da compra centralizada. Centros culturais, bibliotecas e escolas certamente sentir-se-ão sujeitos do seu processo de formação de leitores, pois que deste faz parte aprender a escolher. A leitura de um livro,a paixão pela leitura, começa antes da leitura propriamente dita. Começa lá atrás, no manuseio dos livros, na observação, no desejo de bisbilhotar, de procurar coisas oferecidas e no fortalecimento dos olhos, das mãos, do tato, do paladar e do cheiro do quese quer ler. Prazer que hoje fica restrito aos especialistas contratados para escolher o que os demais mortais comuns poderão – ou deverão – ler. Seria interessante se nós, interessados na democratização da leitura e do acesso à diversidade dos livros, colocássemos em nossa pauta de reflexão esta questão: quem lê escolhe.

EDSON GABRIEL GARCIA
Escritor e educador

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

RJ: Reunião no MINC para discutir os "Direitos Autorais no Ambiente Digital"


No dia 10/08/2015, a AEILIJ esteve, a convite do MinC, em uma reunião no ministério para discutir os “Direitos Autorais no Ambiente Digital”. Essa foi a primeira de 5 reuniões em Brasília para debatermos o assunto.

Além da equipe do MinC, presidida pelo Sr. Marcos Alves dos Santos, estavam presentes os representantes da AEILIJ, CBL, SNEL, ANER, ANJ e ABRALE. 

Logo de início foi anunciado que discutiríamos somente o ambiente digital e a criação de um ante-projeto de gestão coletiva. O MinC quer saber se há o interesse da classe em ter um gestor que recolha nossos rendimentos na internet. Segundo eles, isso será feito para a música. O representante dos periódicos (ANJ) adiantou que sua associação não estava interessada em ter um gestor coletivo e o Sr. Marcos respondeu que o ante-projeto poderia não se aplicar aos periódicos. A mesa deu vários exemplos da indústria da música e ressaltou a importância de cuidar disso agora. Comentou que poderíamos ficar para trás. Ao ser perguntado se a mudança de regras poderia afetar as outras artes, foi nos dito que é possível.

Expliquei que a música passa por um momento diferente. Que, ao contrário da literatura infantojuvenil, seu acervo já é em grande parte digital. E que era um caminho natural que se comercializasse faixas separadas. No caso do livro, compra-se o todo e não os capítulos. O Sr. Marcos lembrou que algumas universidades cobram apenas capítulos de livros. Respondi que o universo dos livros englobava técnicos, didáticos, infantis e muitos outros. As vezes o que se aplica a uns, não se aplica aos outros. O Sr. Marcos concordou e disse ainda que era por isso que tinha chamado todos nós. Ao falar dos downloads, mencionou a ambiguidade dos diferentes tipos de obras na internet. Por isso ele via a necessidade de adaptar a lei e adequá-la ao momento atual, dando um tratamento diferenciado.

O Sr. Marcos discorreu sobre a necessário de editar uma instrução normativa para regular a gestão coletiva no ambiente digital. Em seguida seria o momento de se discutir uma reforma legislativa. Comentei que minha preocupação estava nesse segundo momento e fui apoiado pelos colegas presentes. A representante do SNEL comunicou estar preparada para discutir a lei a qualquer hora.

A mesa mencionou o caso Google vs ECAD – 

Perguntou o que deveriam ser os critérios para a habilitação de entidades que queiram fazer a gestão coletiva. 

Perguntou se a cobrança tem que ser proporcional ao uso. Perguntou qual seria o papel dos agregadores. Qual sua participação nos direitos autorais? (Sampleadores, mixadores, etc.) Seria como existe no campo da música?

Quais os critérios de cobrança são adequados ao sistema digital? Quais os critérios de distribuição? Quantos usos estão envolvidos? Upload, armazenagem, download... Quem são os titulares? Como garantir o direito moral dos criadores no ambiente digital? 

Perguntou se os contratos de autores com as editoras cobrem o digital.

Ao longo da reunião, nos foi mostrado em um telão alguns artigos da lei de direitos autorais e foi explicitado a necessidade de modificação. Passamos muito tempo no artigo 29, que diz respeito às autorizações prévias do autor. Nesse momento eu comentei que aquela era a única arma do autor. Qualquer modificação ali não poderia nos prejudicar. A mesa apontou defeitos e irregularidades que, segundo eles, existem. Como exemplo mostrou o inciso que proíbe traduções. Então a pessoa que traduz o texto em casa está violando a lei? Eu respondi que se fosse necessário mudar por uma questão de interpretação da lei, que mantivessem a intenção original que é de proibir a distribuição e comercialização de textos traduzidos. 

Alguns questionamentos no telão:
• Qual a habilitação que deve ser utilizada para o ambiente digital? Específica, independente do uso ser praticado também em meios analógicos ou físicos?
• Dentre as possibilidades existentes em enquadramento legal, quais direitos estão envolvidos no download e quais estão envolvidos no streaming? E no caso do armazenamento em nuvem?
• Quais direitos devem ser regidos por gestão coletiva e por gestão individual em cada uma dessas modalidades de negócio do ambiente digital?
• Quem são os seus titulares?
• Como lidar com autorizações dadas por titulares que não representam a totalidade dos direitos sobre os repertórios?
• Como tratar dos direitos sobre as músicas, interpretações, execuções e fonogramas inseridos em obras audiovisuais, games ou outras produções audiovisuais que não possam ser enquadradas como obras? E no caso de obras dramáticas e sua utilização na internet? Quais os titulares dos direitos de todas essas utilizações?
• E no caso da utilização de textos, notícias, artigos de periódicos e revistas? São utilizações que devem ser geridas por meio de gestão coletiva?
• É possível haver gestão coletiva para obras literárias no ambiente digital? Sobre quais tipos de uso?
• Quais as particularidades do digital a serem observadas nas cobranças feitas por entidades de gestão coletiva?
• Como aplicar os critérios de proporcionalidade?
• Como tratar os usos digitais simultâneos ao analógico?
• Qual a relação entre agregadores, criadores, gestão coletiva e usuários?

Foram dados exemplos também do Decreto 8469/15.

Disse que entrou para a história a questão da ABDR.

O representante da ANJ reclamou do clipping e das empresas que prestam serviços de clipping.

O representante da ABRALE ressaltou que seria ótimo se houvesse uma tabela online para valores de matérias, imagens e textos. Isso facilitaria muito o trabalho dos autores de didáticos que volta e meia enfrentam problemas com herdeiros e editoras.

Após questionado por uma convidada, o Sr. Marcos revelou que o MEC vai participar da discussão sobre a mudança da lei, que se dará em um segundo momento.

Perguntei quando seria esse segundo momento e responderam que seria na segunda fase das reuniões, entre setembro e outubro (reuniões posteriormente canceladas). O Sr. Marcos garantiu que o ante-projeto de lei estaria disponível para consulta pública durante a discussão do texto do mesmo. Perguntei novamente se o ante-projeto seria discutido em dois meses e finalizado em outubro e responderam que era quase isso. Na verdade teríamos menos de 2 meses. Perguntei se já existe um texto pronto e nos foi dito que há um copião. Perguntei se poderíamos receber cópia desse documento e nos foi dito que ainda não. Que ainda querem discutir o texto em questão. 

A reunião foi encerrada pouco depois.

Alexandre de Castro Gomes