terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

NE: Entrevistamos Gerusa Leal - vencedora do Prêmio APL na Literatura Infantil



É com prazer que trago ao público entrevista (por e-mail) com a escritora Gerusa Leal, ganhadora do Prêmio Elita Ferreira de Literatura Infantil de 2012, promovido pela Academia Pernambucana de Letras (APL), com o livro “Carolina”. Além de um maravilhoso conteúdo, o "papo" foi recheado de bom humor. Vale a pena conferir!

Querida amiga,

Antes de qualquer coisa, devo confessar a surpresa que foi sabê-la vencedora na categoria literatura infantil, pois não tinha ideia de que também produzia neste segmento, bem como da gostosa sensação de saber que o livro vencedor leva o nome de “Carolina”, que me é tão querido, pois é o nome de minha esposa.

A surpresa foi para mim também, Antonio. Não tenho a falsidade de dizer que não esperava algum retorno, se não esperasse, para quê teria me inscrito? Mas não tinha muita expectativa não, uma menção honrosa e/ou até nenhuma menção já seria um retorno interessante, me diria o quanto ainda me falta trilhar nessa trilha. E muito falta. Mas ser meu texto “o” premiado do ano, alegremente me surpreendeu.

  1. Este é o seu primeiro livro infantil? De que trata ou quem é “Carolina”?
Eu nunca escrevi literatura infantil. Minto: fiz algumas tentativas de esboçar um texto infanto-juvenil, mas que larguei pelo caminho, sempre achei muito difícil escrever para crianças. As crianças são um público muito exigente, e os paradigmas delas não são os do mercado (se bem que o mercado influencie, vez que influencia o público-alvo), os da academia. A criança gosta do que gosta. E a gente, ao longo da vida, vai se distanciando tanto da infância que fica difícil dialogar com ela (até com a própria infância). Carolina, por exemplo, não foi um texto escrito, em princípio, para crianças. Para ser um texto “infantil”. Mas como eu criei um filho sem nunca estimular nele a linguagem tatibitate, sempre conversando com ele como uma pessoa completa no seu estágio de vida, nunca como um débil mental ou no máximo um ser humano incompleto – como muita gente considera e com base nesse ponto de vista assim lida com as crianças – acabei descobrindo que as crianças entendiam Carolina como muito poucos adultos.

Carolina, resumidamente - já que nenhum ser humano (mesmo personagem de ficção) cabe numa caixinha de fósforo - é uma menina dos seus 5, 6 anos no máximo, curiosa, com uma vida interior muito rica, e persistente como uma mula nos seus propósitos...rs

  1. Se não, poderia nos falar um pouco desta sua produção?
Reafirmando, salvo uma tentativa frustrada, que ficou pelo caminho, nunca escrevi intencionalmente, conscientemente, para o público infantil. Carolina foi, inicialmente, fruto de um exercício em uma oficina no SESC Santa Rita, em Recife, ministrada por Maria José Duarte onde, dentre outras atividades, foi lido o texto Leitura, do livro Infância, de Graciliano Ramos. O texto de Graciliano, autobiográfico, tinha como tema o desinteresse do menino Graciliano e as dificuldades e estratagemas do seu pai para que aprendesse a ler. A proposta foi, no dia seguinte, levar um texto escrito onde a infância, própria ou de outrem, fosse mote para a narrativa. E assim fizemos, todos os participantes da dita oficina.

  1. Você utilizou memórias afetivas para compor este texto, das coisas de sua infância ou de outras meninas ou crianças próximas a você?
 Não há como escrever, para qualquer público, sem acessar a memória afetiva. Quando se trata de literatura infanto-juvenil, acredito, isso deve ser mais importante ainda. E, sim, um personagem é sempre uma montagem. Tem sempre algo da gente, tem sempre algo dos outros, tem sempre algo inventado.

  1. Como era a Gerusa criança, pensava em ser escritora? Nesta época, quais os seus livros prediletos?
 A Gerusa criança queria saber era de ser criança. Uma menina moleca, que jogava chumbada com os amigos, bola de gude, furão, e que fazia os melhores papagaios da rua, os que voavam melhor e mais alto, tudo na época de cada brinquedo, como era naquele tempo. Como uma criança muito introversiva, embora sociável, sempre adorou ler, vício que adquiriu com um pai também leitor inveterado e escritor tão autocrítico que acabou pouco publicando. Até hoje a Gerusa criança prefere ler. Escrever foi uma brincadeira descoberta outro dia, há uns dez anos quando, aposentada precocemente, se valendo da legislação previdenciária da época e abrindo mão de um quarto do salário, começou a procurar algo interessante para fazer. Em criança, lia muito Monteiro Lobato, amava uma coleção ilustrada de mitologia de um tio que até hoje tem pena de não saber onde foi parar depois da morte dele, e como viciada em leitura não pode te dizer muito mais sobre quais os livros prediletos, pois lia por vício mesmo. Quando não tinha o que ler, lia até bula de remédio, lista telefônica, dicionário...rs Mas estão vivos na memória ainda, ali pelos 10/11 anos, livros como Dom Quixote, Moby Dick, Os três mosqueteiros, que o pai lhe colocava nas mãos para que a menina Gerusa tivesse companhia em períodos em que um problema antigo na articulação dos joelhos a deixava de cama, impedindo-a de brincar de esconde-esconde na rua, subindo em árvores, com os amigos.

  1. Como percebe a literatura infantil brasileira atual, notadamente a pernambucana?
 Meu amigo, como se dizia, agora você me apertou sem me abraçar...rs Eu hoje tenho pouquíssimo contato com a literatura infantil brasileira, local ou estrangeira contemporânea. Eu ainda lia muita literatura infantil, mas sem discriminar a nacionalidade ou naturalidade do autor, quando meu filho era criança. Desde bebê sempre li para ele, praticamente todos os dias, até quando ele aprendeu a ler e não precisava mais da mãe decifrando as letrinhas pra ele. Geralmente eram paradidáticos ou livros que me descobriam nas prateleiras, onde a menina Gerusa captava que ali havia uma vivência importante para ser partilhada com a criança filho dela. Quem sabe, a partir de agora, Carolina me leve pela mão e eu comece a ter mais contato com a literatura infantil?

Comentário do editor deste blog: - Tomara!

  1. Qual a importância do ato de ler para as crianças? Como o(s) seu(s) livro(s) se insere(m) neste contexto?
Bom, eu acho que meio que já respondi essas perguntas acima. E sou suspeita para falar, pois os livros sempre foram (e acho que continuarão a ser, a seu modo), meus melhores amigos. A primeira frase de sua pergunta, pontuada como está, permite pelo menos duas respostas. É imensa a importância do ato de ler para as crianças, acho que é um dos melhores presentes que um pai, uma mãe pode dar para um filho, uma das maiores heranças, é ler para eles. As histórias enriquecem o universo infantil, instrumentalizam as crianças para lidarem com as questões que são próprias à fase de desenvolvimento psico-sócio-sexual, além de serem bons companheiros, entretenimento de primeira qualidade. A importância do ato de ler, (agora com vírgula) para as crianças, é tamanha quanto a de descobrir um universo novo, maravilhoso, inesgotável. É mais ou menos disso que trata Carolina.

  1. O que você acha da afirmativa de alguns que dizem que a leitura de livros vem perdendo espaço para as novas formas eletrônicas de literatura? E de que, em um futuro não muito longínquo, embora não se saiba bem ao certo quando, já não haverá mais livros na forma como os conhecemos em nossa infância?
Olha, você deu azar, minha bola de cristal foi pro concerto e até hoje a assistência técnica não vem encontrando peça pra reposição...rs O futuro, só a Deus pertence. O que acho é que o livro impresso tem um encantamento, mesmo para as novas gerações, que o e-book não tem. Por outro lado, o e-book é muito prático. Se você tem um tablet, aqueles livrões imensos, que você não levaria daqui pra lá para ler no ônibus, por exemplo, você pode levar. Acho que, em se tratando de livro, “qualquer maneira de amor vale a pena”.

  1. Neste sentido, qual a contribuição de eventos como a Bienal do Livro e da Fliporto que acontecem no segundo semestre deste ano?
 Veja, eu sou muito auto-crítica. Então, não poderia deixar também de ser “hetero”-crítica...rs Acho que as bienais de livros estão se transformando, cada vez mais, em meras feiras de livros. Tudo é feito em função de vender o produto livro. Enquanto isso, a literatura, propriamente dita, à de boa qualidade, às vezes passa longe. A Fliporto já é um evento mais diversificado, prioriza as conversas, os debates, as exposições literárias – embora, como todo mega-evento literário hoje em dia, para o meu gosto, abra espaço demais para “celebridades”, muitas delas autoras de obras literárias às vezes mais pobres do que alguns dos esquecidos bons escritores locais.

  1. E de iniciativas como o concurso “Brincar de Escrever” e a “Casa do Livro Infantil e da Leitura de Olinda (CLILO)”?
 Confesso a você, como já disse antes, que não costumo circular no universo da literatura infanto-juvenil – até agora. Carolina é um caso à parte. Depois de nascer de um exercício em uma oficina no SESC Santa Rita, em Recife, como todo texto meu, passou por inúmeras releituras, reescrituras, reformulações, inclusive com a troca com amigos escritores. Tudo que escrevo, negar seria a maior das ingratidões, mesmo que ele não tenha lido uma linha, tem o dedo de Raimundo Carrero, com quem fiz oficina durante oito anos. De uns dois anos para cá, por conta do AVC de Carrero, foi preciso lidar com a “orfandade” literária, enquanto ele se recuperava. Então alguns de nós nos reunimos em grupos onde trocamos sobre literatura e sobre nossos textos mais ou menos em pé de igualdade pois não é oficina propriamente dita, são grupos de discussão, onde há a abertura para colocar o texto na roda e - aprendizado de oficina - ouvir como ele chega a cada um dos escritores/leitores do grupo. Estou, há uns dois anos, me encontrando regularmente com um grupo que começou despretensiosamente e assim se mantém, de amigos que escrevem, onde a gente se reúne, come, bebe e trata de literatura. A coisa tem dado tão certo em termos de trabalharmos nossos textos que batizamos o grupo de Autoajuda Literária...rs Devemos lançar, em breve, um livrinho/coletânea de micros e mínimos, fruto de nossa produção no ano passado.

Mas eu fugi do assunto...rs Como eu te falei, a época do ano é de curtir família, estou com pouco tempo para literatura então, como alguém já disse, me desculpe a prolixidade, faltou-me tempo para ser sintética...rs

Enfim, Carolina só foi inscrita no infanto-juvenil da APL porque a Academia todo ano nos envia a divulgação dos concursos do ano, e na ocasião do de 2012 eu meio que acabava de ter uma experiência que foi determinante para que eu quisesse “testar” o texto inscrevendo ele num concurso.

O escritor Fernando Farias me indicou para uma participação no V Concerto de Leitura promovido pela Escola Municipal Osvaldo Lima Filho, no Pina. Eu não queria ir, disse a ele, e à coordenadora, que depois me ligou confirmando o convite, que eu não escrevia para crianças. Foi-me dito que a escola tinha alunos no primeiro e segundo graus então, para colaborar, arrebanhei um monte de textos e para lá me fui com a sacola cheia.

Lá chegando, me foi destinada uma turminha acho que de terceira série, entre os seus 10/11 anos de idade. Sem saber direito como me virar, comecei a ler textos meus em que tanto o protagonista quanto o tema eram crianças. Tive que selecionar, porque tenho vários nessa linha que não são, absolutamente, infantis. Para minha surpresa, as crianças adoraram, e quando li Carolina, “li”, nos rostinhos delas, que estavam acompanhando tudo, “sacando” tudo, rindo nas “horas certas”, compreendendo uma narrativa que tem lá suas elipses, lendo nas entrelinhas comigo.

Saí de lá com um sentimento maravilhoso, mais por perceber que há escolas como a Osvaldo Lima Filho onde as crianças são preparadas não para apenas decodificar palavras, mas para compreender ou atribuir de fato sentidos a um texto.

Mas logo em seguida a coisa ficou caraminholando em minha cabeça. Será? Será que foi uma experiência isolada, ou esse é um texto infantil apesar da sofisticação técnica que às vezes me faz “ler” nos rostos de plateias adultas ares de burro olhando pro presépio?...rs Então, como teste, inscrevi Carolina no infantil da APL. Logo em seguida recebi a divulgação de um outro de infanto-juvenil, este demandava mais textos, consegui selecionar entre os que escrevo a meu bel-prazer, e que talvez sejam infanto-juvenis, o suficiente para o número mínimo de páginas exigido. Sabe Deus no que dará – ou não dará – mas em geral não acompanho os concursos de infanto-juvenil. Aliás, depois da premiação do de poemas pela APL em 2005, raríssimamente tenho inscrito textos em concursos. Tenho preferido ler, escrever, reescrever.

  1. Que recado você deixaria para as crianças pernambucanas, em especial para aquelas que desejam, um dia, vir a ser escritoras como você?
 Nossa, cara, é muita responsa dar um recado para crianças, pernambucanas ou não...rs Como se trata de literatura, meu recado para as crianças que gostam de ler é: leiam. Não há maior prazer. Leiam o que gostarem. Leiam de tudo. Se ler for mesmo sua praia, ao longo da vida você vai começar a aprender a selecionar os melhores livros para ler. A prática é que leva à perfeição. Para aquelas que desejam, um dia, vir a ser escritoras (sei lá se sou, há quem me acuse de não querer ser escritora profissional e me confesso culpada...rs), meu recado seria: não faltem às aulas. Prestem muita atenção às aulas de português – ainda é assim que se chama?...rs Façam todos os exercícios que forem solicitados. Tenham um bom dicionário e uma boa gramática e consultem os dois sempre que precisarem ou até por pura diversão. Procurem dominar a ortografia, a pontuação e a análise sintática. E, acima de tudo, leiam, e leiam, e leiam.

  1. Bom, a palavra é sua, este espaço é livre para as considerações que desejar apresentar...
Só agradecer seu convite para a entrevista e parabenizá-lo e a todos os que vêm criando e mantendo espaços de resistência, de cultivo, de estímulo à criação, como são, por exemplo, as iniciativas “Brincar de Escrever” e a “Casa do Livro Infantil e da Leitura de Olinda (CLILO)”. Nós, crianças, agradecemos J Abraço fraterno.


Nós que agradecemos, Gerusa. E que muitos outros bons livros infantis ganhem vida em seus escritos.

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