segunda-feira, 5 de agosto de 2013

NE: A voz dos autores

Reproduzimos abaixo, a entrevista de Sandra Pina, presidente da AEILIJ, ao Blog da Editora DCL.


Para acessarem o texto original, cliquem aqui.


Por Paula Thomaz

A premissa é perfeita para aquela que um dia seria escritora: ela nasceu em uma família que adorava histórias após as refeições, os mais velhos contavam causos da infância, das crianças e de tudo o que se podia imaginar. Sua mãe lia livros e revistas em quadrinhos todas as tardes para ela e suas irmãs. Ela cresceu, virou jornalista, publicitária e há pouco mais de 10 anos, aventurou-se na escrita de suas próprias histórias. Essa é Sandra Pina que, passada uma década de carreira como escritora, eis que ela se torna representante maior dos escritores e ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil. Na última eleição da Associação dos Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil, ocorrida no mês de junho, ela foi escolhida a presidente da AEILIJ.


Nesta entrevista a autora de mais de 25 livros, entre eles, “Um barco, um avião, uma bolha de sabão”, “E assim surgiu o Maracanã”, publicados pela DCL, fala sobre sua visão do mercado editorial, das questões que envolvem a produção de LIJ, os desafios de sua gestão e que pretende ser “porta-voz de um grande grupo na defesa da profissionalização do nosso ofício. Daqui a dois anos, quando a gestão acabar, os associados da AEILIJ poderão dizer se cumprimos ou não o papel que nos foi designado”. Leia a íntegra:

Editora DCL – Sandra, qual o panorama do mercado editorial especificamente falando deLIJ?
Sandra Pina (SP– Acho que sempre vale lembrar que o mercado editorial de LIJ no Brasil é bastante peculiar. Ao contrário de outros países, onde a livraria é um foco importante, por aqui a produção editorial está mais voltada para a escola. Os grandes compradores dos livros de LIJ são as escolas e o governo (federal, estadual e municipal). O que nos leva a uma situação meio “antagônica”, quero dizer, se, por um lado temos compradores “fieis” e “constantes” (as escolas continuam a usar nossos livros nos currículos, e o governo, em suas diversas instâncias, continua a lançar editais para abastecer bibliotecas e programas de leitura, por outro, não há um investimento em pontos de venda. Qualquer um que chegue numa livraria hoje, encontrará livros coloridos (os chamados livros brinquedo) expostos e, com um pouco de sorte, livros de autores brasileiros espalhados pelas prateleiras, mas não verá nenhum tipo de estratégia de marketing que “convide” o público a conhecer esse ou aquele livro, por exemplo (é claro, salvo no caso dos best sellers que já chegam em terras brasileiras na esteira da fama internacional). Em suma, alguns autores de LIJ podem até ser bem conhecidos dentro do âmbito escolar, mas não conseguem fazer o “crossover” para um público maior, ou mesmo para o público que frequenta livraria.
Sei que existem diversas “questões” envolvendo a exposição de um produto no ponto de venda e, mais que isso, sei que se questiona o hábito do brasileiro de frequentar a livraria. Mas isso também me leva a pensar: se o público não vai até o livro, por que o livro não pode ir até o público? Por que os marketeiros de plantão não constroem uma estratégia que leve o livro infantil a outros pontos de vendas, por exemplo? Por que o mercado editorial de LIJ não pode se expandir até a loja de brinquedos? ou até a banca de jornais? ou ao supermercado? ou à lojinha de conveniência? Acho que sempre vale a pena lembrar o “case” daquele chinelinho tão famoso, né?


DCL – O que representa para você estar à frente da AEILIJ atualmente?
SP – A AEILIJ é uma instituição que vem crescendo lenta e consistentemente ao longo dos seus 14 anos de existência. Pessoalmente, acredito na força na união e, a meu ver, esse é um dos pontos fortes da AEILIJ. Autores da palavra e da imagem trabalham de forma muito isolada e a associação é um espaço onde podem trocar experiências, discutir angústias profissionais, buscar soluções para questões delicadas de mercado, etc. Por outro lado, é também um lugar onde os autores podem ir além, participando de ações solidárias, por exemplo, como as coleções de livros acessíveis que fizemos em parceria com a Fundação Dorina Nowill ou os encontros com leitores na ong Meninos de Luz, aqui no Rio de Janeiro. Enfim, para mim, estar à frente da AEILIJ é uma oportunidade de dar continuidade a esse trabalho, esse sonho, iniciado por um pequeno grupo de meia dúzia há 14 anos, e que hoje congrega mais de 400 autores espalhados pelo Brasil todo.





DCL – O que representará para os autores e ilustradores associados a sua gestão?
SP – Essa é uma boa questão. Acho que só poderá ser completamente respondida depois que a gestão acabar. Mas eu e a Anielizabeth, nossa vice-presidente, não temos a pretensão de descobrir a pólvora ou operar algum milagre. O que queremos é ser representates dos nossos associados nas questões que forem levantadas; porta-voz de um grande grupo na defesa da profissionalização do nosso ofício. Daqui a dois anos, quando a gestão acabar, os associados da AEILIJ poderão dizer se cumprimos ou não o papel que nos foi designado.



DCL – Dá para incluir anseios seus, de escritora, na sua gestão?
SP – Procuro deixar bem separados esses meus dois lados, o de escritora (da minha carreira pessoal) e o de presidente da AEILIJ, embora, eu só esteja ocupando o cargo porque sou uma escritora, e porque tenho uma carreira pessoal, né? Mas existem os anseios profissionais que não estão ligados diretamente ao lado criativo e à carreira (edição de livros, vendas, etc.). Falo de reconhecimento profissional, de sermos (nós, criadores de livros para crianças de jovens) repeitados com relação às nossas criações de texto e de imagens, nas questões contratuais, nas prestações de contas de DAs,  nos convites (muitas vezes absurdos) que recebemos, etc. Creio que esses “anseios” têm sido prioridade em todas as gestões que passaram pela AEILIJ, e seguramente, continuarão sendo prioridade em nossa gestão.


DCL – Qual a receita do sucesso de um livro de LIJ? Ele precisa ter finalidade moral e pedagógica necessariamente?
SP – Ops! Acho que todos os autores de LIJ tentam, de alguma forma, descobrir essa receita! (risos) Mas não acredito na “finalidade moral e pedagógica”, acredito no encantamento. Um leitor percebe quando uma história é escrita para “ensinar” alguma coisa, independente da idade que tenha. Nós adultos achamos que as melhores histórias são aquelas que nos fazem pensar, que nos levam a questionar, a querer mais, não é mesmo? Acho que isso vale também para o leitor criança/adolescente. Se existir uma “moral” ou “pedagogia” na história, que ela seja percebida naturalmente pelo leitor e não esteja “descaradamente” explícita no texto ou na ilustração. Para ensinar existem os livros didáticos. A literatura é para provocar sentidos, questionamentos, ideias, para mexer com o leitor, tirá-lo de sua zona de conforto, independente de ser através do drama, do riso, da fantasia, da poesia, etc.


DCL – Há algum tempo a LIJ era relegada à um papel menor no mercado editorial. Qual o lugar da LIJ no mercado hoje? Ela já alcançou sua maturidade literária e ganhou seu devido lugar na cultura do brasileiro?
SP – Infelizmente ainda há pessoas (inclusive na academia) que ainda pensam a LIJ como uma “literatura menor”, mas essa visão está mudando, mesmo que lentamente. Todos esses programas de incentivo à leitura espalhados pelo país estão mostrando que, se queremos adultos mais conscientes e esclarecidos, essa formação passa pela LIJ, uma vez que é com ela que a criança tem seu primeiro contato com a literatura.
Por outro lado, os números mostram que a LIJ representa atualmente uma importante fatia do mercado editorial brasileiro hoje. Diversas editoras começaram a investir mais seriamente no segmento, por exemplo.
A LIJ brasileira é (e falo isso sem a menor sombra de dúvida) de altíssima qualidade literária. É claro que existem livros com mais qualidade que outros, como em qualquer lugar do mundo ou em qualquer segmento literário, mas, no geral, nossa LIJ não fica devendo a ninguém. Nossos autores de texto estão cada vez mais maduros e criando histórias cada vez melhores, e nossos autores de imagem, em sua maioria, vem alcançando padrão internacional, buscando qualificação técnica, desenvolvendo pesquisas, etc. Acho que ainda temos uma boa estrada a trilhar para alcançar nosso devido lugar e respeito na cultura brasileira, mas creio que estamos no caminho certo.

DCL – Contudo, ainda há desafios para Literatura Infantil e Juvenil? Quais?
SP – Desafios sempre há, e sempre haverá. Além dos desafios individuais de criação, da angústia da folha em branco (risos), há um desafio em especial que vem se colocando à frente dos criadores de LIJ nos dias atuais, que é o tão falado “politicamente correto”. Temos visto nossos textos e imagens sendo “alterados” em nome do politicamente correto; expressões idiomáticas, palavras, imagens são questionadas. Então o desafio que se coloca é o de contornar essa questão. É como se, por escrevermos para crianças e jovens, nossas histórias tivessem que acontecer em “mundos, cenários e com personagens ideais”, sem “defeitos”. Porém, se a literatura tem um papel questionador na sociedade, qual o objetivo de mostrar um mundo perfeito? O que nos faz pensar, o que mexe com os sentidos do ser humano são as imperfeições, não é mesmo? São aquelas situações que nos incomodam, né? Creio que mostrar um “mundo perfeito” na LIJ, seria como criar um bebê numa redoma de vidro, sem deixá-lo criar anti-corpos naturais para combater as bactérias que irão atacá-lo ao longo de sua vida.

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