sábado, 1 de maio de 2010

SP: Quintas (5)




QUINTAS








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NO DIA EM QUE O CHICO PASSEOU EM SAMPA


No dia em que o Chico Buarque passeou pela minha cidade eu estava dando uma espiada no Brasil que se ia. Ele andou pelos jardins, O Brasil não, ele, o Chico. Almoçou num restaurante badalado e fiquei sabendo que qualquer um podia abraçá-lo. Perdi a chance. Culpa minha, que vivo na periferia. Alguém numa galeria da Augusta disse que ele está meio caidinho, essas coisas que se falam. Muitos declararam adoração.

Não, não era ele em carne e osso, era um boneco, um display. Em tamanho natural. De qualquer forma valeu, afinal São Paulo merece. E alguma coisa acontece.

Vi o Brasil que ia, numa ladeira. É a política. Perdi o interesse, é uma forma de se continuar vivo. Cada um deveria ter os seus mecanismos de defesa interior, para se salvar, para não morrer. Verdade, você morre se perder os seus referenciais éticos, por exemplo, a poesia. Há várias formas de morrer, se me entende. Claro que tenho os meus mecanismos de defesa interior. Repetir aquele trava-língua de vez em quando me garante a saúde mental, olhar para a cor que eu gosto, esteja ela onde estiver estará sempre me acenando. Ouvir uma canção do Chico Buarque me abastece o coração e também me suspende do cotidiano contemporâneo. O Chico nos salva, nos protege, nos garante a lucidez. Ouvi-lo cantar representa uma forma de aproximação com a lucidez, com a bonança da sensatez, da retidão, e nos auxilia no reencontro com a imensa Poesia do Brasil.

Nosso país é extraordinariamente rico de poesia, algumas são como doces caseiros, brilham em corais, argumentam - se em Drummond, outras se erguem na vertigem dos sonhos adolescentes, algumas se fecham em círculos intelectuais, há as que descem ao abismo dos bêbados que vagam ao lume da cidade, e tem as que falam ao coração do povo. Esse país verdejante é uma infindável oficina de poesia. E o Chico nos preserva e nos avisa que nem tudo é loucura.

O Brasil que se ia é o da Política contemporânea, que não é um bem para a alma do cidadão. Vi esfarelar-se o sentido ético e humanístico que no passado já a norteou. Hoje a luta do Poder pelo Poder sobrepôs–se aos interesses genuínos da cidadania. A esperteza de uns, o discurso falso da maioria dos candidatos a cargo público, tudo é nevoento, nublado; a consciência entregou-se aos ditames do paternalismo, a luta outrora força motriz da cidadania foi catalisada, foi, senão amputada, controlada por um aparelho eficientemente esperto.

Então o Brasil precisa se reencontrar, voltar para si. É preciso a suspensão do cotidiano que nos subtrai a vida autêntica. A consciência necessita com urgência de uma administração ética, de um novo olhar, de um remédio eficaz, a alma carece de se reordenar. O emaranhado e a fuligem da realidade política não pode mais destruir. Talvez a "gota d´ água" esteja se aproximando.

Chega um momento em que o ser não quer mais enganos. Rejeita a parceria. No fundo é assim, há uma cumplicidade, um consentimento. Então ocorre o momento em que o laço se desfaz e o ser não concorda mais com o seu enganador e então acontece a reação. Chega um momento que o monstro criado pelo sofrimento perde o controle, chega a hora em que o sofrimento é recusado, a função de ovelha se dissolve, e um novo ciclo é visto na cidade: a morada do ser - como um arco-íris num céu profundo.

E o "Chico" passeou na minha cidade, mas não cantou, nada, nem um verso, nem um Tom, nada, pois era um boneco. 

  
MARCIANO VASQUES

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