quinta-feira, 18 de novembro de 2010

SP: Quintas (35)

Os últimos escritos 
“Há adeuses nos girassóis da minha mente” 


O cavalo foi domesticado. Uma perda para a natureza. Um ganho para a humanidade. A humanidade vive ganhando. Gosto, aliás, daquele pensamento indígena: “Só depois que a última árvore for derrubada, o último peixe for morto, o último rio for envenenado, todos irão perceber que dinheiro não se come.” 
A humanidade não existe, é um conceito abstrato. Faz tempo penso assim. O que há são seres bondosos, mas isso não importa agora, como não importa a saudade de Hume, por exemplo, ou a grandeza da minha alma. 
Hoje, quase final de novembro, cantei pneu na estrada. Um rei já fez isso antes de perder a velocidade. Cantei pneu porque tudo parece que faz tanto tempo. É preciso a postura de rei sempre. Mas ando machucado, a alma com esta infecção me atrapalha muito. Porém ainda não perdi a noção de que as estrelas estão no céu, independente da visibilidade. 
Quero voltar para o cavalo, melhor, para o aspecto da interferência da humanidade no rumo das coisas na natureza (hipocritamente chamada de mãe). A natureza do cachorro é a do lobo, mas hoje, domesticado, é chamado de melhor amigo do homem, talvez tenha algumas qualidades que o homem aprecia muito, como a obediência... 
Quero voltar para a poesia. Penso que a cidade na qual vivo, se não fosse tão concreta, talvez se transformasse em sampa, o que significaria a sua abertura total para a poesia. Mas há a impossibilidade de vertê-la em poesia (a cidade está sempre dentro do homem, se ele é um homem da cidade). 
Algo me distraiu e perdi um fragmento mental que sei que desembocaria na falta que sinto de Caetano Veloso, o que significa aqui a essência, aquilo que permanece, como a profundidade de um verso que representa a verdade que se derrama sobre séculos de filosofia, um verso que afirma “Que a coisa mais certa de todas as coisas não vale um caminho sob o Sol!” 
Mas a poesia, onde ela está? Vi uma criança comendo uma fatia de pão com margarina. Ali está a poesia. Se alguém presenciou mão estendendo fatia de pão com manteiga num dia chuvoso, tomou ciência da poesia. Eu já me senti poeta. Nada a ver com arranjos de palavras. É outra coisa a que me refiro. Quem viu um cavalo no verde-paz de um entardecer sabe o que é poesia. 
Bem, contos e crônicas, a vida segue em frente. O que eu sofri, as coisas pelas quais eu sofri, não alterou nada; o poeta, ou esse modo de ser do homem, não promoveu alterações nos destinos das coisas, no destino do cavalo, por exemplo, mas sempre há uma centelha de interferência no destino de alguém. 
Há adeuses nos girassóis da minha mente. Que pena! 

MARCIANO VASQUES
http://www.cianomar.blogspot.com/

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