terça-feira, 1 de março de 2011

SP: Vice-Versa de Março de 2011

Queridos amigos,

O Vice-Versa de Março apresenta as entrevistas dos escritores Sérsi Bardari e Sonia Salerno Forjaz, da regional SP da AEILIJ. Agradeço a participação dos queridos colegas. Um beijo a todos.

Regina Sormani

Sonia Salerno Forjaz

Sérsi Bardari


Respostas do Sérsi

1 – Tanto sua tese de doutorado quanto alguns de seus cursos associam a literatura para jovens a um rito de passagem, o que é uma colocação bastante instigante. Você pode nos dar uma pista de como entende este rito?

Sérsi – Na sociedades capitalistas contemporâneas inexistem ritos de passagem formalizados que demarquem para crianças e jovens os momentos finais e iniciais das diferentes fases do desenvolvimento psíquico e social. A reflexão corrente sobre o assunto entre educadores e psicanalistas apresenta aspectos favoráveis e desfavoráveis sobre a inexistência desses rituais. O abandono dos marcos institucionalizados representaria, de um lado, maior liberdade para o encontro de soluções particulares, por meio da busca de modelos comportamentais em diferentes fontes. De outro lado, entretanto, essa mesma liberdade poderia resultar em individualismo voraz, no exercício do qual questões relativas ao convívio comunitário ficariam sempre em segundo plano. Além disso, entre as fontes de referências buscadas, a mais frequente é a mídia, que veicula produtos de entretenimento criados, muitas vezes, a partir de interesses mais comerciais do que propriamente voltados para a formação ética do cidadão. Portanto, acredito que a literatura de qualidade para jovens tenha importante papel a cumprir nessa área. Mesmo sem incorrer no discurso didático-moralista, narrativas literárias, de qualquer gênero, podem auxiliar o leitor a encontrar referências para o crescimento individual e paradigmas de comportamento em sociedade.

2 – Em sua experiência acadêmica e profissional você transita entre vários tipos de texto: jornalístico, publicitário, literário. 
Em que medida você acredita estar a leitura relacionada a cada uma destas escritas? Escreve boa literatura o bom leitor de literatura ou é a capacidade de “ler” o mundo que produz bons escritores nas diferentes áreas?

Sérsi – A leitura está relacionada, em primeiro lugar, à nossa capacidade de reflexão crítica a respeito dos fatos. Somente o leitor crítico e reflexivo pode se situar e fincar o pé na realidade em que vive. Sem leitura não temos educação, não temos profissionais qualificados, não temos cidadãos cônscios de seus direitos e deveres, não temos respeito pelo próximo.
Se assim o é de maneira geral, imagine-se então a importância da leitura para aqueles que querem se expressarem por meio da escrita. Há dois planos a serem levados em consideração quando pensamos no desenvolvimento da competência discursiva em qualquer modalidade, seja oral, escrita ou multimídiatica: o plano do conteúdo e o plano da forma. Nesse sentido, a leitura é fundamental não só para sabermos o que dizer como também para sabermos como dizer. A leitura de textos do gênero que pretendemos escrever é fundamental para praticarmos a forma. A “leitura” de mundo nos dá o conteúdo. Mas isso não quer dizer que na leitura de texto não contenha a leitura de mundo ou que na leitura de mundo não possamos incorporar novas formas de expressão. As fronteiras entre uma coisa e outra não são muito nítidas.

3 – Em meio a uma produção tão rica de livros infantis e juvenis, quais são - na sua ótica de professor - os melhores critérios para a seleção e adoção de livros nas escolas? Em que ordem de prioridade você os colocaria?

Sérsi - A seleção e adoção de livros nas escolas deve ser realizada com muito carinho. É o perfil do leitor que deve orientar os professores nessa tarefa. Embora os meios tecnológicos venham globalizando o acesso à informação, analisar a realidade geográfica, econômica, social e cultural da região onde se localiza a escola é o caminho mais apropriado para se correr menos riscos. Os leitores de uma escola rural, por exemplo, terão interesses diferentes daqueles que residem nos grandes centros urbanos. Jovens que vivem próximo ao litoral apresentam características diversas daqueles que habitam regiões mais centrais do país. Embora lamentando, não há como negar o fato de que crianças de famílias mais ricas já cresçam com uma visão de mundo privilegiada, em comparação com aquelas oriundas de lares menos favorecidos. Outro fator a ser levando em conta é o sexo. Meninos e meninas até uma certa fase do desenvolvimento têm focos de interesses opostos. Enfim, creio que o melhor critério seja aquele norteado pela sensibilidade dos professores. Imagino como seria bom se tivéssemos nas escolas a presença de um mediador de literatura, um educador especialista no assunto, com amplo repertório, que se dispusesse a conhecer os alunos mais individualmente e indicasse leituras personalizadas.

4 – Agora fale sobre você e nos conte: 
Em que momento na vida do acadêmico nasceu o escritor de literatura? Foi o inverso? Eles já moravam juntos desde sempre e você nem sabia? Ou sabia?

Sérsi – O acadêmico e o escritor sempre conviveram e eu os reconheci desde cedo. Sou filho de pai professor e tenho irmã professora. Cresci em uma casa repleta de livros. Aprendi a ler e a escrever antes mesmo de ir à escola. Sempre me senti atraído pelo potencial expressivo da linguagem verbal, por aquilo que ela pode criar na imaginação das pessoas. Como fui um menino um pouco tímido e retraído, era mais fácil para mim dizer o que queria, o que pensava, por meio da escrita. Iniciei carreira profissional escrevendo textos institucionais, publicitários e jornalísticos. Mas, sempre houve um projeto de literatura em gestação. Muitos foram abortados, evidentemente, até que conjunturas internas e externas se conciliaram para que o primeiro texto fosse publicado. Daí por diante, resolvi compreender de maneira mais técnica e científica meu processo criativo. Nesse caminho, tornei-me professor de fato. É muito gratificante quando alunos e ex-alunos nos dão retorno positivo de nosso trabalho, quando crescem física, psíquica e intelectualmente diante de nossos olhos.


Respostas da Sonia

1. No Brasil, temos muita necessidade de despertar nas pessoas o gosto pela leitura. Além de escrever, você tem ministrado cursos para educadores, pais e alunos. Que tipo de dificuldade tem encontrado para que o hábito de leitura se torne cada vez mais difundido no País?

Assunto vasto e importante, Sérsi. Mas, tentando resumir e na minha modesta opinião, muitas vezes o que falta é encontrar a semente deste “gosto” que tanto se quer despertar. Não dá para generalizar e quase tudo nos surpreende, para o bem e para o mal. Às vezes, me deparo com uma falta de preparo desanimadora. Outras, com trabalhos simples que produzem resultados emocionantes. São ações pontuais e isoladas que nascem e morrem sem deixar rastros, a não ser para poucos privilegiados. Bons projetos devem ter continuidade. Uma biblioteca sem uso é apenas uma biblioteca. Precisamos da figura humana, empolgada, empolgante, amante dos livros. Pais e educadores interessados. Eles existem, mas são ainda poucos para atender nossas carências.

2. Você tem larga experiência na área de produção de textos para revistas. Como vê o potencial desse segmento atualmente no Brasil? Acredita que as revistas possam auxiliar na divulgação dos livros? Não estaria faltando no mercado editorial algum título voltado especificamente para discutir literatura infanto-juvenil com pais e educadores?

Sim, estaria. Porém, acho difícil este título surgir. Não um encarte ou coluna, mas uma revista inteira, por uma questão de mercado. Se livro vende pouco, menos ainda venderia uma revista específica sobre ele. Há que se buscar um mecanismo mais rápido e direto, pois editoras de revistas, via de regra, apostam em temas mais lucrativos. A divulgação de livros é direcionada para quem, já seduzido pela leitura, faz buscas na internet, lê artigos especializados, frequenta livrarias, compra livro por prazer. Ou, então, para o professor que precisa adotar acertadamente um livro (o melhor!) dentre uma infinidade de catálogos e títulos. Este, sim, por dever de ofício, consultaria as resenhas desta revista que falta. Mas quem a compraria?

3. Em seu site, você enfatiza a importância da pesquisa para o desenvolvimento da escrita. Você segue alguma metodologia específica de coleta de informações para a produção de seus livros?

Eu diria que, para desenvolver um tema, costumo estudar. Por gosto e por necessidade. Assim, quando escrevo ficção sobre tema baseado no cotidiano, sugerindo ao jovem uma reflexão (drogas, gravidez precoce, preconceito etc.), como Socióloga, faço uma pesquisa para obter dados reais, atuais, concretos. Preciso de personagens e diálogos verossímeis que não iludam meu leitor. Já, quando escrevo contos mágicos, quero, além do tema, manter a estrutura destes contos, e aí a pesquisa é outra: passo a me debruçar nos textos literários e teóricos sobre o assunto. Estudo mesmo. Vou beber na fonte para reter um pouco dessa bebida rara no que escrevo. 

4. O mercado dos games eletrônicos cresce vertiginosamente em todo o mundo. Sob o ponto de vista do conteúdo, acredita que esses jogos podem contribuir de maneira positiva para a formação da subjetividade de nossas crianças e jovens? Seriam os games um novo tipo de suporte para a literatura infanto-juvenil?

Infelizmente, para as duas questões, não. Não há subjetividade em jogos cujos passos são preestabelecidos, ainda que com alguma variação. O caminho está lá, já percorrido inteiro e o mérito é descobrir, encurtar, perseguir, somar pontos, gastar horas. Muitas horas. Pode ser que, remotamente, um jogador – raríssimo – se sinta motivado a saber mais da história, seguir adiante vendo um filme, um desenho, depois, talvez, lendo um livro – objeto que, na comparação, parecerá sem atrativos e trabalhoso. Mas este é um caminho tão sinuoso e improvável que não dá suporte à literatura. Por enquanto, os games -, por seu imediatismo, perfeição e impacto -, mais nos afastam dos livros.

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