quinta-feira, 8 de julho de 2010

SP: Quintas (19)

Marciano Vasques
  

A EXCLUSÃO DO PROFESSOR


O certificado de validade das idéias coletivas. Isso eu não tenho. Idéias próprias podem ser contestadas. A identificação é a do leitor. Eis uma idéia antiga, ainda em voga em muitas cabeças “pedagógicas”. O aluno é reflexo do professor. Sempre. Uma idéia antiga e incompatível, mas não ultrapassada. De qualquer forma pode ser considerada uma idéia coletiva. Muita gente acostumada a não pensar muito antes de falar afirma isso. O aluno é sempre reflexo do professor. O sempre não cabe aí. O aluno às vezes é reflexo do professor. Às vezes. Na filiação o mesmo pode ser dito. Filho de peixe às vezes peixinho é.

O professor, herói anônimo, acostumou-se a ser vítima de idéias preconceituosas ou descabidas.

É costume se dizer que o aluno bagunceiro é reflexo do professor. Essa afirmação está no inconsciente coletivo dos que medram em anseios ditatoriais. Defesa velada do tradicionalismo. Em bocas que em eventos da Educação costumam falar de construtivismo, citar Paulo Freire, Rubem Alves, e assim é.

O professor pode ser um ser poético, estar em estado de poesia, e os alunos continuam a bagunçar na aula. O professor “deixa tudo?”
Ele não consegue trabalhar, não consegue levar em frente o seu projeto de uma educação poética, por causa das circunstâncias. Seus sonhos tolhidos, arrancados, ele trucidado, como a cigarra da fábula, ou como Orfeu, e às vezes em plena sala de aula. E ainda leva a culpa. Até quanto suportará a postura de ser o culpado de tudo? Trucidado pelo desgoverno da sociedade atual, pela realidade brutal que estende seus tentáculos para dentro da sala de aula. Ele vive intensamente o desmonte da harmonia cultural...via televisão- e não apenas. As crianças vítimas do horário nobre são as que estão na sala de aula, diante de um professor, que por mais que possa ter um coração de giz poético, está indefeso e acuado, sem amparo, sem estrutura, e isso é assim em plena cidade educadora.
O que se chama de inclusão pode às vezes ser exclusão.

Manter alunos com problemas gravíssimos de aprendizado e até problemas mentais numa sala de aula de quarenta ou mais crianças ou adolescentes agitados e desorientados, impossibilitando o professor de agir educativamente, uma ação educativa verdadeira. Isso é inclusão?

Alunos na quarta serie que não sabem ler, que não conhecem as letras do alfabeto..., a incompreensão do ciclo, isso é inclusão? Esperar que o professor da quarta série reprove o aluno, pois na quarta ele será reprovado, isso é inclusão?

E o pobre professor nem sempre tem autonomia, por causa da necessidade de estatísticas, pois se ele não rende votos, estatísticas rendem. E elas contestam o direito do professor ser coerente e justo com o educando.
Se tudo isso é inclusão do aluno, com certeza é exclusão do professor, que certamente em algumas regiões do país já se sente excluído faz tempo.

Professor sempre é culpado pelo fracasso escolar. Já se ouviu muito isso. Não se deve tirar um milímetro sequer de culpa do profissional sem consciência educadora, mas ele é a minoria. Sendo assim, se o professor continuar com essa suposta humildade acabará virando minhoca.

A visibilidade eleitoral, a divulgação de feitos extraordinários, os gastos com construções, os tais gastos com educação, que, entre outras coisas, raramente passa pelo holerite do professor. Eis uma situação entristecedora.

Seria válido e interessante se ao educador fossem oferecidas as condições de trabalho (concretas, objetivas); mesmo que ele faça cursos, isso não é o suficiente. Ele é o profissional que não pode ficar apenas no plano da teoria.

Um vaso etrusco não modifica a natureza do excremento. Assim se diz. Uma ação enérgica e eficiente, verdadeiramente saudável, que produziria um resultado imediato e eficaz, tirando o professor de um sufoco extenuante, seria a redução da quantidade de alunos na sala de aula. As salas assim lotadas representam uma contradição com os discursos progressistas, que acabam reduzidos em poeira da retórica.

Se a lotação entretanto fosse uniforme, no mínimo o trabalho do professor seria gratificante, pois haveria uma situação decente do ponto de vista pedagógico, se me faço entender. Quero dizer que: se as classes fossem lotadas, mas todos os alunos pudessem acompanhar o desenvolvimento dos estudos, o professor conseguiria um resultado plenamente satisfatório. Mas...

Existem várias classes dentro de uma única, e a sala transforma-se numa espécie de depósito, sendo que o professor, equilibrista, precisa se desdobrar para conseguir dar um mínimo de sentido ao seu ideal. 

Se isso é inclusão do aluno, com certeza é exclusão do professor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário