sábado, 10 de julho de 2010

SP: Vice-Versa de julho de 2010

Meus queridos amigos!

O Vice-Versa está completando dois anos promovendo a aproximação dos nossos associados. Durante esse tempo postamos 96 entrevistas reunindo vários autores ou seja: escritores e ilustradores da nossa associação e alguns convidados.

Neste mês, a ilustradora Thais Linhares (RJ)entrevista a escritora Flávia Côrtes(RJ) e vice-versa. 
Parabéns a todos aqueles que participaram deste projeto! Obrigada!

Um abraço,
Regina Sormani


Thais Linhares

Flávia Côrtes


Flávia Côrtes perguntou à Thais:

1- Quando foi que você soube que seria ilustradora? Como tudo isso começou? Seu talento é inato ou é fruto de muito estudo e dedicação?

Sempre desenhei pra me expressar, e estudar foi por puro gosto. Desenho em qualquer canto "livre", e se estiver sem um caderno e um lápis no bolso eu me sinto desamparada. Talvez o talento tenha mais a ver com a facilidade pra comunicação visual. E o gosto, e oportunidade, leva a refinar o traço sem que isso seja um esforço, mas sobretudo um prazer. 

O estudo nessa área envolve pesquisa visual (muito de história, culturas), treino com modelo vivo (e desenho ao ar livre), um tanto de psicologia das cores e símbolos, conhecimento de técnicas de representação, pintura e impressão – este sempre tendo de ser atualizado, em virtude das novas tecnologias.

A troca com outros colegas é outro grande aprendizado e incentivo. E hoje em dia é possível se sentir lado-a-lado com um artista de Dublin ou Tókio, como acontece no DeviantArt, ou Flickr... Essa possibilidade de conhecer os artistas do mundo todo (pelo menos os que têm acesso ao mundo digital) que a Internet nos presenteou, é fantástica. O ilustrador brasileiro tem crescido muito, tanto em qualidade quanto em consciência profissional, por conta desta troca de idéias.

2- Você também escreve. E muito bem. Quando sentiu essa necessidade? 

Obrigada. É que tanto o desenho, quanto o texto vem de meu gosto pelas histórias. "Somente a história salva", ela reconecta emoção e realidade. A expressão é essencial a todo ser humano, seja através de arte própria ou fruída. Sempre gostei de escrever, mas ainda não dominava a técnica (e ainda estou a caminho disto). Parecido como ocorre com o desenho, é a maturidade que vai lhe fornecendo o meio e estilo próprios. Então, comecei de forma híbrida, primeiro escrevendo quadrinhos (onde se tem recursos muito interessantes, inclusive de ritmo de leitura visual na decupagem página a página), e depois com texto puro. No momento quero retornar a narrativa mais visual - culpa de meu ingresso recente no mundo dos roteiros de cinema e TV.

Sinto saudades dos quadrinhos, mas confesso que é uma forma tão complexa, que exige tanto estudo de composição, pesquisa... que também acho a mais cansativa de trabalhar. Acaba ficando só no campo das ideias.

3- Você se considera uma escritora que também ilustra ou uma ilustradora que também escreve? Ou isso não existe, as duas coisas podem se integrar perfeitamente?

Eita... difícil de responder. Como a maior parte do que produzi editorialmente é ilustração, coloco ela em primeiro lugar. Foi com ela que comprei minha casa e hoje pago o colégio de meus filhos. Não tenho outras formas de sustento que se comparem. A exceção são os roteiros que tenho desenvolvido pra TV. Mas o que ganho com eles ainda é bem menos do que com a ilustração editorial. 

Porém, meus trabalhos mais queridos são os que escrevi e ilustrei - assim pude pensar de forma integrada. Neste ponto quero melhorar essa relação, usando texto a serviço da imagem e imagem a serviço do texto - sem redundâncias ou arestas. Se conseguir isso, então, as duas coisas irão de fato se integrar perfeitamente". 

O estudo com a narrativa visual do cinema tem me ajudado tremendamente neste objetivo. Hoje mesmo, sentada na beira da Lagoa, me surpreendi escrevendo uma história já promovendo essa integração, onde ela se apresentava de maneira composta: parte visual e parte textual, sem que uma refletisse a outra. Funcionando como um corpo só. Foi gostoso perceber que isso começa a fluir naturalmente. 
Quando vemos um livro bem ilustrado, é porque o texto e a imagem se complementam de forma harmônica.

4- Bons ventos me sopraram novidades vindo por aí. Conta pra gente...

Oras, tem o livro d"A Fada que acreditava em meninas", o seu livro, Flávia! Tem também um projeto com a escritora Gisele Endrigo, de contos de fadas, lindos e uma penca de textos só esperando a "massa crescer no forno", mas com esses vou com cuidado para não "solar". Nesses dois livros eu retorno com força total à artes com aquarelas, bem coloridas, num estilo próximo ao que usei a mais de uma década atrás, n"O Livro das Virtudes para Crianças" de Ana Maria Machado (ed. Nova Fronteira). Só que desta vez tenho comigo todo um estudo que irá dar maior densidade à arte: aquarela botânica, arte medieval... É, ilustrar é nunca para de investir em estudo. E por isso é que é tão gostoso.

Tenho feito coisas legais em cine-animação, entre roteiros, cenários e projetos. O curta que cenografei na Multirio , "O Saci" , da série "Juro que vi" acaba de ganhar um importante prêmio. Pintam convites diversos, mas pretendo não perder o foco em literatura, que é a minha maior paixão. 

Alguns projetos editoriais, para jovens, também se preparam pra pular de meu bolso. Ainda bem que tenho esse super poder de clonagem que me permite fazer muitas coisas ao mesmo tempo (e dois filhos muito compreensivos com sua mãe workaholic).


Thais perguntou à Flávia:


1- Flávia, conta pra nós o que faz você querer escrever, e contar histórias!

Escrevo por dois grandes motivos. Primeiro para me expressar, para dividir com outras pessoas minhas ideias, impressões e reflexões. E segundo por necessidade. Adoro imaginar histórias e situações e elas vão crescendo dentro de mim, sem que eu possa evitá-las e até, muitas vezes, controlá-las. Já houve vezes em que ignoro uma história e ela não me deixa em paz, até que eu a escreva. 

Mas claro que não é só isso. Uma história não cai do céu e é imprescindível todo um trabalho de elaboração do processo da escrita, das características de cada personagem, do ponto de vista narrativo e do desenvolvimento do texto. 

Há uma fala do Oscar Wilde que resume bem isso: “Hoje trabalhei exaustivamente no texto, fiquei a manhã inteira para colocar uma vírgula, e a tarde inteira para tirá-la”.

Escrever, portanto, não é fácil, embora seja um processo muito prazeroso. E uma história precisa de muito mais do que isso para ser considerada pronta. Preciso me afastar do texto e deixá-lo um pouco de lado, por tempo indeterminado, e só retornar a ele quando já me sinto capaz de me distanciar de uma outra forma, a emocional. E aí sim, trabalhar exaustivamente na construção daquela narrativa. Cada palavra, cada vírgula, me tomam às vezes um dia inteiro. E até mais.

2- Quais suas principais influências e fontes de inspiração?

Sempre li muito, e desde muito cedo. Aprendi a ler antes de completar 5 anos e não parei mais. Na minha casa nunca houve distinção entre livros infantis e adultos e ninguém nunca me disse que ‘tal livro não era para mim’. Então eu lia de tudo, mas é claro que alguns autores me marcaram mais do que outros, como Monteiro Lobato, Ruth Rocha, Machado de Assis... Falo dos primeiros livros que li, porque acredito ter certas características destas leituras em minha escrita até hoje, como a irreverência, o questionamento, a desconstrução... 

Minha maior inspiração são minhas filhas, de 9 e 13 anos, mas na verdade muitas coisas são capazes de me inspirar, uma paisagem que me chama atenção, pessoas (conhecidas ou não) que observo, uma conversa que ouço, um livro que leio, um filme que assisto, enfim, uma boa ideia pode surgir de qualquer lugar. E quando a história começa a crescer e a se definir dentro de mim, sinto que é chegada a hora de colocá-la no papel. Ou no computador.

3- Qual a história que você sonha um dia escrever, e porque ainda não fez?

Acho que a gente sempre traz uma grande história dentro de nós e tudo o que escrevemos é parte desse todo de alguma maneira. Sempre penso que meu melhor livro é o que estou escrevendo naquele momento, mas não é raro estar trabalhando em um texto e outro começar a surgir. 

Tento ao máximo deixá-lo para o momento mais oportuno, mas nem sempre isso é possível. Algumas histórias crescem tanto que é preciso parar com a que eu já estava fazendo para deixar aquela outra fluir. Geralmente escrevo mais de um livro ao mesmo tempo e muitos projetos ainda estão por terminar.

Então, não sei se eu realmente sonho em escrever uma única e determinada história. Porque são tantas... Mas se é pra dizer um sonho, seria bom conseguir criar uma história onde os leitores mergulhassem intensamente, onde pudessem viver cada aventura que meus personagens vivessem e que fosse algo único e intenso. Isso sim, seria incrível.

4- O que faz uma escritora ser uma boa escritora?

Olha, essa é difícil. Ainda tenho muito chão pela frente. Mas posso responder como pesquisadora.

Muito se discute nos bancos acadêmicos sobre o que é e o que não é literário. Na minha opinião, a Literatura convida o leitor à reflexão e o leva a um mundo inteiramente novo, nem que seja por um mero detalhe, um ponto de vista. Uma história fechada demais, com todos os caminhos já traçados, as reflexões já prontas, dando margem à apenas uma interpretação, uma única verdade, não é Literatura. É notícia. 

Sou formada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, em Português e Literaturas, e me especializei em Literatura Infantil e Juvenil. Leio muito, procuro estar sempre atualizada com o que se produz por aí e me esforço muito para melhorar. Escrevo desde criança e acho que tenho alguma facilidade para criar e desenvolver histórias, mas isso não basta. A teoria é imprescindível a todo escritor.

Escrever bem é, portanto, ser capaz de criar uma história onde os leitores possam morar, como já dizia Lobato: “Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. (...) como morei no Robinson [Crusoé]’. 

Bom, eu ainda não cheguei lá, mas o divertido mesmo é seguir tentando...

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