domingo, 2 de maio de 2010

SP: Vice-Versa de Maio de 2010

Caros amigos,
May Shuravel, escritora e ilustradora e Fabiana Salomão, ilustradora, são associadas da AEI-LIJ SP. 
Agradeço a participação de ambas no Vice-Versa de maio.
Um grande abraço,
Regina Sormani


Fabiana Salomão

May Shuravel


Perguntas de May para Fabiana

1) Fabiana, quando você ingressou na faculdade de Belas Artes já tinha algum interesse especial por ilustração de livros? Quando e como sua atenção se voltou para a literatura infantil?

May, nem sequer pensava nesse assunto, a não ser durante minha infância, quando os livros que chegavam às minhas mãos me tomavam de grande fascinação e inspiração. Lembro-me que desenhava em todo e qualquer lugar, jornal, pedaço de papel, envelope e até nos espaços brancos dos livros de direito da minha mãe. Continuei desenhando de brincadeira na minha adolescência, mas, quando entrei na faculdade em 1994, não tinha a mínima idéia do que ia fazer. Na verdade, tinha apenas uma vaga pretensão de me tornar artista plástica. Não pensava em ilustração como profissão, e já estava muito distante dos livros infantis. Meus interesses eram outros, mas foi justamente nessa época que comecei a ter uma noção real desse universo. Existia um trailer na frente da faculdade que vendia todo tipo de livros sobre ilustração, como não podia comprar passava horas folheando dezenas deles. Foi o que me fez descobrir a imensidão de possibilidades profissionais através do desenho. Teve também a influência de uma amiga de adolescência que fazia a mesma faculdade e trabalhava no estúdio do Airton Sena. Eu ficava encantada com as ilustrações que ela fazia. Foi aí que o universo da ilustração infantil começou a entrar na minha vida novamente.

2) Quais dificuldades você enfrentou (se é que houve alguma) para se iniciar na profissão? De lá para cá, percebe alguma mudança em relação às condições de trabalho, para melhor ou para pior?

Enfrentei muitas dificuldades, porém, mais pelas circunstancias que vivia do que pelo mercado em si. Nesta época trabalhava no shopping como vendedora para pagar minhas contas, aluguel, faculdade, etc., pois não tinha nenhuma ajuda financeira. Foi depois de um ano, ralando muito que essa mesma amiga me convidou para trabalhar em uma editora de livros infantis em São Caetano do Sul, mas não era trabalho fixo, e tudo dependeria de como e quando rolasse trabalho. Deveria ir todos os dias à Editora, onde havia uma sala com uma prancheta e todo material necessário para o trabalho. Foi um risco que decidi assumir, mas, graças a Deus as coisas deram certo. Apesar de não ter um traço infantil bom o suficiente para começar ilustrar, em pouco tempo entrou um grande projeto de 12 livros didáticos para educação infantil. Eles tinham um ilustrador incrível, mas, que não tinha tempo de colorir e finalizar as artes, tamanha a demanda em relação aos prazos de entrega. Então entrei, passei meses trabalhando quase 14 hs por dia em livros de mais de 100 pgs ilustradas, na maior felicidade do mundo, finalizava os desenhos em ecoline, caneta nanquim e bolometro...não sabia usar o pincel para fazer a arte final, mas, mesmo assim o trabalho ficou impecável!
De tão bom que o trabalho ficou passei a finalizar todas as ilustrações que esse ilustrador pegava pela Editora, que não eram poucos. Essa foi minha primeira escola.
Acho que as condições de trabalho só têm melhorado desde então, hoje temos acesso à tecnologia, cursos incríveis, livros, feiras, salões, palestras, associações. O mercado de literauta infantil e juvenil só tem crescido no Brasil. O fato das editoras estarem começando a entender o valor do ilustrador também tem ajudado muito. É claro que ainda pode melhorar, principalmente no que diz respeito a royalties. Ilustração e nota fiscal para CCDA, são dois assuntos que me incomodam muito, principalmente depois de ver como as editoras trabalham fora do país.

3) Na opinião de quem, como você, tem experiência em trabalhar nas duas áreas, qual é a diferença entre ilustrar um texto literário e uma peça de publicidade?

Ilustrar literatura é um trabalho muito mais difícil e profundo, exige um envolvimento muito maior da parte do ilustrador, publicidade é totalmente comercial, pratico e direto. Em minha opinião o trabalho exige muito mais da dupla de criação da peça do que do ilustrador, o briefing do que será ilustrado já chega pronto, além disso, ilustrar publicidade paga absurdamente mais!

4) Depois de 12 anos ilustrando textos alheios (lindamente, por sinal) não deu vontade de escrever, de se aventurar pelas palavras? Já inventou alguma história para seu filho?

Obrigada! Mas sabe May, a coisa que mais admiro em grandes ilustradores e escritores como você é essa capacidade de traduzir em letras o universo das ideias e imagens, adoro ouvir um escritor falar sobre o processo de criação de uma história, é um trabalho árduo! Leio muito para meu filho, mas na hora de inventar as histórias, fica complicado, não flui muito. Vontade de escrever tenho, e muita, tanto é que há 10 anos tomei coragem e comecei. Fiz um livro, mas ficou parado pela metade, desde então outros 7 foram começados, alguns são idéias iniciais de histórias que aparecem na cabeça, outros, títulos que invento, anoto e guardo. Acho que sou boa para títulos, mas na hora de desenvolver... travo uma briga com as palavras. Estou no meio de um projeto meu, decidi que esse eu termino, vamos ver o que acontece. Conselhos são bem vindos!


Perguntas de Fabiana para May

1) May, entre se formar em arquitetura pela FAU-USP e iniciar sua carreira como ilustradora você foi professora de artes durante dez anos, pode contar um pouco sobre esse contato direto com o ensino, alguns casos marcantes e como essa fase influenciou sua carreira de ilustradora? 

Na verdade, minha atividade como professora não influenciou em nada o trabalho de ilustração. Comecei a dar aulas de desenho na mesma época em que comecei a ilustrar livros, por volta de 1977. Depois de muito tempo ilustrando é que eu criei coragem para escrever minhas próprias histórias. A literatura sempre foi, para mim, uma enorme e infinita fonte de prazer, mas apenas como leitora. Minha formação profissional foi basicamente voltada para o mundo das artes visuais, e demorei bastante para acreditar que, mesmo não sendo nenhuma “doutora em letras”, eu tinha também o direito de escrever, de usar e abusar das palavras para o fim que eu bem entendesse, do jeito que conseguisse. 

2) Como surgiu o convite do seu primeiro trabalho como ilustradora, você já tinha conhecimento do universo editorial e do trabalho do ilustrador como profissão? 

Não fui bem-educada, nem esperei convite, rs rs. Eu não sabia nada a respeito do universo editorial e, na época, não acompanhava o que se fazia em literatura para crianças, não tinha interesse. Sempre desenhei e, em um ano qualquer, comecei a fazer gravura em metal. O processo de produção de uma gravura, como você deve bem saber, é lento, passam-se muitos dias entre começar a polir a chapa até finalmente imprimir uma primeira prova. Tempo para que as palavras, que eu percebia estarem escondidas em qualquer desenho que eu fizesse, começassem a se organizar, tentando virar uma história completa. Talvez a primeira “cisma” com ilustração tenha surgido, mesmo que de forma invertida, desse costume involuntário de ficar imaginando uma narrativa para cada desenho. Por acaso, conheci o editor Massao Ohno, que tinha seu estúdio pertinho de casa. Lá fui eu, sem nem marcar hora, gravuras debaixo do braço. No dia seguinte já tinha em mãos uma porção de belos poemas para ilustrar. Livros ilustrados para adultos eram e são coisa raríssima, e nem passava pela minha cabeça a idéia de ilustrar textos para crianças. Tive muita sorte em iniciar na profissão sendo orientada pelo Massao. Inteligente, sensível, generoso, sabia tudo, ensinava, dividia. Aprendi muito. Foi um prazer trabalhar e conviver com pessoa tão especial. Por onde será que ele anda?
Ah, para o primeiro livro infantil, recebi convite: foi do Jean Michel Gauvin, que fazia, na época, projetos gráficos para a FTD. Eu prontamente recusei, com receio de não dar conta do recado (criança? Que bicho é esse?). Ele insistiu, acabei aceitando, ressabiada. Demorei séculos para executar as ilustrações, mas deu tudo certo, o esforço rendeu até uma indicação para o Jabuti. Vieram mais convites, perdi o medo, nunca mais parei... 

3) Depois de quanto tempo ilustrando resolveu escrever seus próprios livros? Pode nos contar como foi o processo de criação desse primeiro livro, desde como surgiu a idéia da história até a conclusão do projeto? 

Por volta de uns quinze anos. Período de vacas magras, pouco trabalho, em função de sei lá que plano econômico, prefiro nem tentar lembrar. Enfim, faltava dinheiro mas sobrava tempo, eu já andava com vontade de escrever. A história foi inspirada em um livro muito antigo, de aproximadamente 1915, que era da minha mãe. Eu reconto uma das histórias contidas nele, onde o próprio livro e mais algumas lembranças participam da narrativa. Pode tudo parecer meio confuso, mas confusa sou só eu, a história é bem simples. Escrevi, fiz o projeto gráfico, as ilustrações, e levei tudo para a Lenice Bueno da Silva (na época editora da Ática), que aceitou publicar o livro, chamado “As Fadas da Areia”. Depois vieram outros, o último é o “Bruno sem sono”, cuidadosamente editado pelo Sérgio Alves, na Larousse. 

4) Como sua família influenciou seu gosto pelas artes? O fato de não assistir TV quando criança contribuiu para um maior desenvolvimento do seu lado criativo? Olhando a história de sua infância, sua vasta experiência no ensino e seu trabalho como escritora e ilustradora, qual seu ponto de vista sobre como a avalanche de entretenimento tecnológico tem influenciado na capacidade criativa e no despertar da leitura e da arte na vida das crianças e adolescentes de hoje?

Essa história de não assistir TV quando criança (que eu mesma andei mencionando por aí, muito à toa), na verdade não tem nada de extraordinário. Naquele tempo, quando os bichos falavam, não era tão incomum que uma família de classe média não tivesse TV. E nem as crianças que tinham o ambicionado aparelho em casa passavam horas na frente da tela, mesmo porque não veriam quase nada: os programas eram poucos, o horário restrito, no final da tarde alguns desenhos (sempre repetidos), depois uma novelinha, o Repórter Esso, alguma outra coisa e fim. Durante a adolescência, a coisa ficou meio esquisita, todo mundo que eu conhecia já tinha TV e minha mãe não admitia que o “aparelho pernicioso” entrasse em casa. Felizmente, eu era amiga da vizinha. A programação já era mais extensa, mas nada que se compare com a de agora, tantos canais funcionando 24 horas do dia. Diante disso, minha mãe tremeria de medo. Um pouquinho de razão, talvez ela tivesse: É tanta gente que se abestalha diante da tela, zumbis sendo consumidos passivamente pelas ofertas de consumo, vendo sem ver, apenas para espantar o tédio e se livrar do silêncio. Acho essa passividade um tanto assustadora. Hoje, eu também tenho TV(aleluia!) assisto ao que me interessa ou diverte, mas sem a menor intenção de fugir do tédio, sempre me entendi bem com ele. Fico arrepiada quando alguém diz, a respeito de algum programinha qualquer – Ah, é bom porque distrai...- Cruzes, deus que me livre!, Eu quero é estar atenta, quero ser instigada, provocada, sacudida, quero emoção, não distração. O tédio nos obriga a pensar, a imaginar, a reparar nas pequenas coisas, nas coisas silenciosas, a vislumbrar os segredos escondidos nos acontecimentos mais triviais. O tédio ensina a inventar asas. As minhas, inventei com papel, lápis e uns poucos livros que ainda nem podia ler, naquelas tardes longas e quietas da minha infância. Mas não acredito que as inovações tecnológicas dos últimos tempos possam ser prejudiciais ao desenvolvimento da capacidade criativa de quem quer que seja, muito pelo contrário. É bom apenas ter um olhar atento e crítico para tudo que nos é oferecido, para essa quantidade incrível de informação que está tão facilmente ao nosso alcance. Quando se trata de informação, quantidade é também qualidade, desde que se saiba analisar seu conteúdo, que se aprenda a identificar a relevância e a veracidade de cada fato apresentado. Enfim, mudanças acontecem, o mundo gira, a Luzitana não roda mais e as pessoas continuam a criar, inventar,imaginar, a produzir arte, a cada tempo de uma maneira, com velhas ou novas ferramentas. 
Para falar de “despertar da leitura”, volto aos velhos e não melhores tempos: se eu não tive TV, tive o privilégio de ter pais leitores, de ter livros infantis em casa. No início poucos, talvez não mais que uns oito, mas, conforme eu crescia, aumentava também a coleção. Ganhava livros nos aniversários, no Natal, ou como premio por boas notas na escola. Literatura, na escola? Só no Livro de Leitura, gramática entremeada de pequenos trechos literários, um poema de Olavo Bilac, ou outro. Havia uma pequena biblioteca, tão escondida que só fiquei sabendo da sua existência quando estava no 5º ano. Desde sempre não somos um país de leitores, e muitos de meus colegas jamais, quando crianças, tiveram nas mãos um mísero livro infantil, unzinho que fosse. Hoje, bem ou mal, todas as crianças de escolas públicas ou particulares têm algum contato com livros de literatura, em grande parte por conta de programas de governo. Já é alguma coisa, mas ainda é muito pouco. É preciso investir na capacitação de professores para que eles possam formar leitores. Quem recebe a missão de incentivar a leitura precisa, entre outras coisa, aprender a gostar de ler. E um professor-leitor precisa de livros, de bibliotecas de qualidade, acessíveis e atualizadas, precisa ganhar o suficiente para dispor de tempo para ler e para estudar. Isso tudo ainda parece estar longe de acontecer, infelizmente. Eu tive a sorte de ter pais leitores, a literatura passou a fazer parte de mim tão cedo, tão naturalmente, que não saberia mais viver sem ela.Gostaria que todas as crianças tivessem o privilégio dessa experiência, ou seja, que essa experiência deixasse de ser privilégio de alguns.Acredito que o espaço onde isso ainda pode vir a acontecer é a escola.

Bem, Fabiana,espero ter respondido, ao menos em parte, suas interessantes perguntas.


2 comentários:

Fabiola14 de maio de 2010 14:24
Bia, querida, tenho muito orgulho de voce, do seu percurso e, principalmente, de seu trabalho. Parabéns por tudo... lhe deixo um beijo e um desejo enorme de que o sucesso sempre bata em sua porta.
Com carinho
Boo

Sandra Ronca1 de junho de 2010 07:04
Adorei essa do tédio... Eu também gosto dos meus momentos sozinha! é quando a gente mais cria!

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