sexta-feira, 6 de agosto de 2010

SP: Quintas (22)

PAI QUE CAMINHA NA CALÇADA E NA VENTANIA


A água não escapava dos olhos quando ele ouvia as crônicas de vida de jogadores no rádio enquanto se barbeava. Eis imagem que não arreda pé da minha memória de filho. Outra imagem é a dele trazendo um gibi do Fantasma, personagem de Lee Falk plenamente emblemático cuja mitologia tem como mote o filho que substitui o pai e isso acontece de geração para geração, tornando dessa forma o pai imortal na crença dos povos que o amam. Todas as noites já beirando a virada do dia ele chegava. Eu era criança para observar o suor e o cansaço, apenas me agarrava ao rumo que o gibi oferecia para a minha vida, no presente que eu ganhava mensalmente.

O tempo passava eu eu não me dava conta, essa falta de atenção era natural para quem crescia na velocidade de uma carrinho de rolimã ou erguia os olhos para o azul dando linha e mais linha para a pipa. Porém ele começou a caminhar mais lento, já não era o "peixe" das espumas das águas de Santos, quando encantava as moças de Cashemere Bouquet, não era mais o homem das docas, quando todos os respeitavam nas mesas de bilhar.

Foi explorado durante décadas até se aposentar e permanecer em frente da "televisão" em vez de viajar e viajar como deveria ser o destino e o prêmio para quem deu-se conduzindo milhões de vidas na cidade, desde o bonde, quando era motorneiro nas ruas santistas de paralelepípedos e sonhos, ao ônibus quando encerrou a sua carreira nos labirintos da cidade de concreto, que viu crescer assustadoramente até chegar o tempo de caminhar lentamente na calçada com receio de ser assaltado na próxima esquina.

Voltar os olhos para a memória do pai talvez seja uma forma compensadora de dialogar com o tempo e compreender que na brevidade da vida podemos plantar coisas que nos resgatem do efêmero.

Dia dos Pais, que bom que seja em Agosto!, que bom que possamos compreender que é mais do que uma data apenas comercial. Dar um presente, para quem tem o privilégio de ter o seu pai, pode ser mais do que apenas um ritual, mas uma vontade de dizer que quer abraços e abraçar forte.

Estar presente, eis o primeiro dos presentes: o maior. Poder dizer alguma coisa difícil, algumas palavras que a propaganda não consegue. Abraçar... Saber transmitir a felicidade que não quer ir embora. O pai é mesmo o último elo, o cordão que se perde quando ele parte para se tornar um residente na memória, um inquilino para sempre nos recantos da mente onde as coisas essenciais jamais se desvanecem.

Desde os tempos imemoriais a humanidade precisou do pai, e o pai hoje tem o rosto do novo tempo, pois a vida não tem jeito, renova-se a cada dia, a cada instante. Pai dialoga com filho, corre e brinca, não é mais o senhor patriarca, como foi transformado por ditames que não correspondem exatamente ao coração. Pai que mandava, pai coronel, pai que proibia a filha de estudar, jamais corresponderam ao símbolo de amor que o pai sempre representou.

Pobres moços que enganam as meninas, que abandonam covardemente a oportunidade mais rica que um homem pode receber. Quem engravida e foge constrói para si a mais triste das histórias.

Não tenho mais o meu pai por aqui, e nem adianta vasculhar nos refúgios do coração as oportunidades que deixei escapar feito areia entre os dedos, oportunidades de abraçar, de sorrir, de trocar um olhar, uma palavra, passar as mãos em seus cabelos. Nada pode ser resgatado, mas estou por aí feito o tal cuitelo, procurando as flores que a vida oferece, e abraçando alguns amigos que são pais. Para todos eles um Feliz Dia dos pais.

Que cada filho transmita a semente para a próxima geração, a semente do amor, da amizade, do carinho e do respeito, e que cada filho jamais se esqueça do espírito que anda, aquele que mostra os pedais da bicicleta e segura as mãos frágeis na força da ventania dos dias que passam, girando o menino ou a menina no elegante carrossel chamado vida.

MARCIANO VASQUES

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