Caros amigos!
Em março, temos o prazer de receber as entrevistas de JP Veiga e Angela Leite de Souza, ambos escritores e ilustradores. Angela é associada da regional mineira da AEILIJ e JP associado da regional RJ
Obrigada pela participação e um beijo grande.
Regina Sormani
Angela Leite de Souza
JP Veiga
Respostas de Angela Leite de Souza
1 - Dizem que quase 100% dos escritores não sobrevivem da literatura e que quase 100% dos ilustradores (sobre)vivem dela, o que você, que joga nas duas, tem a dizer sobre isso?
R – Não há dúvida de que a ilustração rende a seus autores um retorno financeiro maior, senão mais imediato. Ou seja, o trabalho é invariavelmente pago e, quase sempre, contra sua entrega. Já o livro, de cujos direitos autorais sobre o texto deveriam viver os escritores, bem...esse tem uma trajetória imponderável. Na área de literatura infanto-juvenil, em que mais publiquei, raras são as editoras que propiciam um adiantamento ao autor, o que diminui os riscos ou, pelo menos, não o faz esperar por tempo indeterminado esse mesmo ganho. Enfim, jogar nas duas linhas é uma vantagem, sem dúvida, para quem busca viver de literatura.
2 - Sabemos que o primeiro haicai que vc fez, foi sobre o nariz da sua tia, conte-nos como vc dominou o haicai e porque vc gosta de escrever nessa técnica tão dificil?
R - Você simplificou demais: o nariz de minha tia foi somente uma rima desaforada que, com meus sete anos de idade, encontrei para a palavra Paris. Mas já era o embrião de algo que eu iria desenvolver mais tarde, como jornalista e como poeta – a capacidade de síntese. Se a poesia por si só é uma forma sintética, o haicai é o sumo da poesia. É uma espécie de instantâneo de um momento captado pela nossa sensibilidade e transmudado em três curtos versos. Só que eu não sabia que tinha o “dom de haicaísta” até que um outro poeta, Yacilton Almeida, leu alguns de meus poemas e detectou essa habilidade. Estava lançado o desafio. Então, pesquisando sobre a técnica e lendo haicais de vários mestres nessa arte, comecei a escrever os meus. Já consegui produzir o suficiente para editar quatro livros: Lição das horas, Três gotas de poesia, Palavras são pássaros e Tempos do tempo. Sem contar alguns esparsos, que estão no livro Estas muitas Minas, e um outro livro, ainda inédito, que se chamará “Ciclos”. Para mim, fazer haicais é um prazer e, ao mesmo tempo, um grande exercício. Porque não se trata somente de criar um terceto qualquer: haicai, como eu procuro fazê-lo, isto é, seguindo a métrica e respeitando o espírito do gênero, não sai de estalo, exige cuidado e lapidação. Difícil é, depois de ter desenvolvido essa prática, escrever poemas mais longos.
3 - Olha, gostei tanto da sua pergunta que mando ela de volta: E vc? ilustra com palavras ou escreve com imagens?
R - Perguntinha capciosa esta, não? Porém, no meu caso, eu posso dizer que já fiz isso, literalmente. É que fui convidada certa vez por um artista, Walid Malek, a criar textos para duas histórias que ele havia criado em imagens. Foi outro grande desafio. Tinha de escrever algo que tivesse íntima ligação com as ilustrações, mas que não fossem apenas legendas para elas. Textos, enfim, que se sustentassem sem as imagens e, ao mesmo tempo, as complementassem. O resultado foram os livros E depois? e De volta para a luz. Por outro lado, quando ilustro, procuro criar minha própria história paralela ou análoga ao texto escrito, seja ele meu ou de outro autor. Acredito, por exemplo, que os leitores de Um verso a cada passo, a poesia na Estrada Real, viajem comigo por esse caminho histórico somente “lendo” as ilustrações, pois, em certo sentido, elas “narram” uma história, a nossa HIstória. Falta agora eu empreender uma nova experiência – fazer um livro sem texto – para poder dizer que também escrevo com imagens. E ele já tem roteiro pronto, aguarde...
4 - Eu estava dentro de uma livraria, aqui no Rio e uma criança passou correndo com um livro na mão pedindo: Compra pra mim, mãe? Era um livro seu. O que eu senti vivendo isso, eu sei, queria era saber o que vc sente qdo isso acontece?
R – Bom, caro JP, só de saber que você presenciou essa cena já fico emocionada e, por que não? vaidosa à beça! Episódios como esse de vez em quando acontecem com a gente e são, como dizia o poeta Homero Homem, o “salário moral do autor”. Nada se compara, por exemplo, ao entusiasmo que senti na aluna de uma escola onde um livro meu tinha sido adotado. Declarou que tinha gostado tanto da história que, “se fosse cineasta”, faria um filme contando-a. Certa vez, fui bater papo com os alunos do 4º ano de uma outra escola, que também estavam trabalhando um livro meu. Antes, porém, a professora me pediu para esperar um pouco, pois sua filha, que estudava no mesmo colégio, no 2º ano do ensino médio, queria me conhecer. Daí a pouco, voltou acompanhada de uma moçla que me abraçou trêmula de emoção e foi dizendo: “Sou sua fã desde que li Um jeito de viver na 5ª série! E quando mamãe disse que você vinha aqui, eu viajei na maionese... Eu tinha de conhecer você pessoalmente!” Será que existe alegria maior que essa para um autor? Para mim, saber que alguma coisa que eu quis transmitir a um hipotético leitor atingiu tão fundo leitores de carne e osso, como diz aquele comercial, não tem preço.
Respostas de JP
1 - Não tem jeito, preciso fazer uma pergunta meio óbvia: como foi que você se descobriu escritor e ilustrador? Conte um pouquinho sobre essa dupla faceta.
R - Sempre quis ser alguma coisa ligada às artes, estudei Arquitetura e Desenho e Plástica - acabei sendo Publicitário, Diretor de Arte e de Criação. Dentro disso, a ilustração sempre esteve presente, quando comecei a escrever livros de pano, comecei a ilustrar meus próprios livros, assim, no começo, como uma forma de cortar custos. Daí para escrever e ilustrar, foi um pulo. Hoje escrevo e ilustro ou só escrevo ou só ilustro, como fizemos no seu livro (lindo!) de Haicais!
Mas preciso te dizer que alguns textos meus, não consigo ilustrar de jeito algum. Textos escritos assim sob alguma emoção, ou com um caráter diferenciado, que tenha algo meu dentro, sei lá - esses, não ilustro - não consigo - aí, os amigos me ajudam!
2) Sei que você, como Fernando Pessoa, tem vários heterônimos. É só uma brincadeira de fingir essa múltipla personalidade artística, ou os outros João Pedros têm mesmo existência autônoma e produtiva?
R - Como Publicitário, escrevo discursos, projetos, campanhas, roteiros e tudo o mais relativo à marketing e publicidade. Mas, escrever por escrever, a chamada literatura, eu sempre escrevi e escrevo para crianças, tive uma editora de livros de pano, que existe até hoje e nela escrevi 25 livros infantis. Escrevo há muito tempo e fora um ou outro poema, minha redação sempre foi para ser lida pelos pequenos.
Bem, sempre achei meio estranha essa coisa de heterônimos. Fernando Pessoa escreveu com 72 nomes (alguns apenas pseudônimos, outros heterônimos) no Dicionário Aulete, está assim:
(he.te.rô.ni.mo)
sm.
1 Liter. Nome imaginário sob o qual um escritor cria obras de estilo, tendência e características diversas das suas, como se fossem de fato de outro autor: Fernando Pessoa criou biografias para seus heterônimos.
Quando eu comecei a ler a fundo o Pessoa, passei a conseguir diferenciar e até mesmo reconhecer um ou outro dos principais heterônimos. E, sempre achei mesmo uma coisa muito esquisita!
Um dia, fui convidado a escrever (na pré-história da internet) para um site de literatura. A editora do site me conhecia e já usava meus textos em publicações didáticas. Algum tempo depois, por conta disso e daquilo, me empurraram uma das editorias do site - que estava fazendo o maior sucesso. Eu tinha que escrever!!! Aí, tal qual aconteceu com o Padre Antônio Vieira, tive um estalo! Por que não escrever como um heterônimo? Aí nasceu o “Too loose Lautrec” um pintor que “cometia” poesia e textos incrédulos, às vezes nonsenses e quase sempre sem pé nem cabeça. Fez sucesso, mas morreu cedo - cirrose - fruto de uma vida desregrada e doida.
Mas, logo em seguida nasceu Mariz Conzê - mentiroso, cara de pau que rouba minhas histórias e diz que aconteceram com ele, é cheio de coisa com as mulheres e vive escrevendo versos de amor e sofrimento, um chato de galocha em termos de relacionamento - ele é o próprio DR (discutindo o relacionamento). E enfim veio o Variz da Meiga, gente boa, friburguense, planta e colhe palmas numa encosta de morro - diz que todo artista precisa delas! Este sim, escreve bem está acabando seu segundo livro (o primeiro você acha aqui - http://tinyurl.com/83jdgl2) e é um cara de livros e escrita, mas, também tem lá suas manias, uma delas é achar que está vivo, mas, conta meus casos como dele melhor do que o Mariz Conzê, que vive preocupado em rimar e tercetar.
Assim, vamos nessa trinca escrevendo.
Eu para as crianças, o Mariz mentindo e rimando e o Variz cheio de bossa, encantando as moçoilas (que nem pensem em chegar perto, a dona dele é brabuda mesmo!).
Nós 3 estamos aqui - www.eramosum.blogspot.com
3) JP, você ilustra com palavras ou escreve com imagens?
R - Boa essa pergunta - ela é tão boa que eu repeti para você - acho, apenas acho, que como dizem que uma imagem vale mil palavras, estou endividado! Porque já criei bem mais imagens do que texto. então preciso escrever muito mais.
Digo, meio que respondendo, meio que divagando, que para se ter a mão em ordem para o desenho, é preciso desenhar todos os dias - com a escrita é igual, se você não escrever, danou-se!
Agora, nada disso - nem o desenho nem o texto seguirão em frente sem a leitura e nisso, sou um ás! Fiz o primeiro curso de leitura dinâmica do Brasil; entrei pelo cano, porque passei a ler com muita velocidade (não aquela de passar o dedo e pronto!) e às vezes (quase sempre) tenho que ler um livro 2 vezes.
Quanto à pergunta (já enrolei bastante) acho que as duas formas são verdadeiras, escrevemos visando explicar as imagens e desenhamos tentando passar uma história. Logo, a meu ver fazemos as duas coisas!
4) Sua familiaridade, por força da atividade como diretor de arte, com as mídias eletrônicas o tem levado a editar livros digitais. Tendo em vista o crescimento rápido dessa nova vertente de publicação, como vê o horizonte próximo e longínquo da literatura?
R - Eu tive a sorte de, ao ganhar um concurso de pintura patrocinado pela IBM, pedir meu prêmio em computador - não foi possível, mas eles me alugaram um (pré-histórico) XT, tela colorida! incríveis 20 megas de HD - uma loucura... meus amigos vinham ver e ficavam impressionados com meu programa de pintura (photoalgumacoisa - do sistema DOS) daí para eu seguir dentro da informática, foi uma coisa natural. Quando ganhei meu primeiro Palm, há mais de 15 anos, comecei a procurar livros para ler nele. Existem (já há cerca de 18/19 anos) bibliotecas estaduais e federais (sites), de “livros virtuais” gratuitos, de domínio público, com autores como Machado de Assis, Eça de Queirós e tantos outros. Comecei a ler nesse suporte e lancei meu primeiro ebook com a amiga Carla Aka em 2001/2002 - http://virtualbooks.terra.com.br/osmelhoresautores/onze.htm era um romance estranho sobre o numero onze! Como falei antes, eu não sabia, como não sei, escrever para outros que não as crianças, então, não conseguindo terminar o livro - pedi socorro à amiga escritora, que não só acabou, como deu uma boa mexida.
A coisa com os ebooks infantis começou com um pedido da AEILIJ para que eu escrevesse sobre os “livros virtuais”. Comecei a pesquisar e acabei me envolvendo. O ebook passa por cima de uma série de etapas do livro impresso, é o futuro hoje e ainda por cima é fácil de se transportar e ler.
Você sabia que alguns países europeus vão abolir o livro impresso para as escolas já agora, até 2016? Pois é... o ebook veio para ficar; não vai acabar com o livro impresso, da mesma maneira que o email não acabou com o correio nem a TV com o rádio. Mas, não se assuste se, em menos de 10 anos, comprar um livro de papel for coisa de gente do passado (eu entre eles!).
Fechando esse papo, gostaria de dizer que, sem ser “Pai” JPVeiga, posso afirmar que o futuro da literatura está nos independentes, está naquele que, sem nada a não ser sua vontade, vai escrever e colocar no ar um texto, que, se for bom será lido por milhares e se não for, ficará entre os zilhões de livros que flutuam sem pai nem mãe pela internet. A literatura como hoje a conhecemos, essa sim, está fadada a, darwinianamente se transformar em algo diferente, picotado, decupado, resumido e numa anacronia doida, ao mesmo tempo lotada, plena de informações e metadados.
Um comentário:
Simone Alves Pedersen15 de março de 2012 18:19
duas figuraças, cheias de talento e simpatia, adoro os dois !!!
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