Capítulo X
Heitor caminhou a noite inteira, guiado apenas por seu instinto e pelos sentidos, com a enorme necessidade de encontrar comida. Mas o solo, que mais parecia um carvão, não mais guardava os odores de quem o povoara, fosse vegetal ou animal. Algumas sementes ainda brotariam, se os campos não fossem invadidos, mas isso ainda ia demorar.
Ele seguia sem um rumo certo, num território que não lhe pertencia, numa terra estranha e meio morta. Mas o horror que lhe causara a cena dos lobos, naquela colina que levava à toca dos humanos, lhe dava forças para afastar-se cada vez mais daquela região.
Heitor ainda custava a acreditar no que vira; aqueles belíssimos animais perto dos homens, quase comendo em suas mãos, sem nenhuma distinção mais dos outros bichos que tinham aquela linguagem estranha que ele já ouvira – au, au, au... auuuuul! – Aquilo era triste demais.
Quando estava quase amanhecendo, ele encontrou um ninho abandonado, que caíra de uma árvore, com dois ovinhos. Foi tudo que comeu. Ali mesmo deitou-se na sombra, encolheu-se e dormiu um pouco.
Heitor encontrou uma bela mata, com uma nascente de água limpa e fresca no meio de uma clareira. Finalmente havia caça abundante, água e frutos. Aproximou-se, subiu numa pedra e ficou esperando o melhor momento, escolhendo qual seria a sua presa. Depois de comer e beber, deitou-se e dormiu de novo. Mas, quando menos esperava, ouviu aqueles estalidos e aquele cheiro dos humanos que o perseguiram. Ele quis correr, mas dessa vez suas pernas não obedeciam; não conseguiria escapar, era seu fim. Tudo ficou escuro como a noite fechada, ele deu alguns passos, perdeu o equilíbrio e começou a cair. Com o susto, abriu os olhos e viu que nada daquilo era real; estava delirando por causa da fraqueza ou talvez tivesse sido um sonho.
Ele não prosseguiu antes do fim da tarde, cada vez com menos forças. Continuou como no dia anterior, com suas últimas forças. Depois de algum tempo encontrou uma poça de água, retida num tronco oco e comeu alguns insetos, mas era pouco para suas necessidades.
Heitor já não conseguia sustentar a marcha por muito tempo. Percorria certa distância, na direção que seu instinto indicava, mas logo parava, acreditando que não iria mais em frente.
Estava cochilando, numa dessas pausas, quando sentiu que estava sendo cheirado. Era outro lobo, logo percebeu. Abriu os olhos e viu um lindo lobo vermelho, parecido com Mercúrio.
Heitor encolheu-se, mas o outro logo disse:
– Perdido por aqui? – e continuou – Sou Cacá e vivo em terras vizinhas.
– Estou vagando, sem água e sem alimento – Heitor respondeu. Estou muito fraco, sem forças para continuar.
– Depois você me conta o que aconteceu. Parece mesmo que está muito fraco para caçar, mas se conseguir reunir um pouco, só um pouquinho mais de forças, eu o levo até uma lobeira perto daqui, carregada de frutos.
Ele conseguiu! Não era à toa que ele era um habitante do cerrado, um animal resistente.
Nilza Azzi
Desenho de Dener (E.E. Coronel Adolfo de Aguiar - Araxá - MG)
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