quinta-feira, 2 de outubro de 2014

NE: Literatura é liberdade, principalmente para as crianças

Por Ivani Cardoso 




A literatura infantil e juvenil brasileira está em expansão. Do ponto de vista do mercado, há um amadurecimento proporcionado pelos programas do governo de incentivo à leitura e pela compra de livros infantis e juvenis, que acabou se refletindo no aumento da produção de LIJ, na sua visibilidade nas feiras internacionais, em traduções para outros idiomas (ainda que tímidas), e na vinda de agentes literários para os eventos de literatura no Brasil. Essa a é a opinião de Cláudia Ribeiro Mesquita, gerente editorial de literatura infantil e juvenil das Edições SM. Para ela, a literatura para crianças e jovens deve ser tratada sem preconceitos, com a liberdade que a arte demanda: “na literatura cabem todos os tipos de personagens e enredo, todos os temas, todos os registros de linguagem que sirvam à realização do projeto narrativo do autor. Isso vale para todas as idades”, analisa.

Você acha que há temas proibidos no universo infantil?

Não. As crianças não são ingênuas e estão constantemente expostas a toda sorte de acontecimento. Mas exposição não implica necessariamente assimilação, então acho que há formas de abordar os assuntos, sejam eles delicados, polêmicos ou rotineiros. A literatura, como as outras artes, tende a expressar sua época, as questões sociais, econômicas, de costumes. Com a literatura infantil não é diferente. O que importa não é o tema, mas como ele é desenvolvido literariamente. Também é preciso levar em conta o contexto de discussão. A literatura de qualidade, além oferecer ao leitor fruição estética, propicia o desenvolvimento de seu senso crítico e o contato com universos subjetivos e culturais diversos, passando longe de soluções didáticas, pedagógicas. Ela também dá ao adolescente e à criança a possibilidade de sairem deles mesmos, de se conhecerem pela identificação ou oposição à trama e/ou personagens, sem juízo de valor, maniqueísmo, estereótipo.

Temas mais delicados para o universo infantil devem ser tratados com mais cuidado?

Sim. Justamente porque a sociedade e seus valores sempre, ainda que de modo indireto, ou mesmo pela negação, penetram no âmbito da literatura e afetam o modo de perceber, sentir, pensar e dizer as coisas. Então me parece normal que questões que estejam afloradas na esfera sociocultural ressurjam em forma de literatura. Na literatura cabem todos os tipos de personagens e enredo, todos os temas, todos os registros de linguagem que sirvam à realização do projeto narrativo do autor. O preconceito na literatura infantil deve ser tratado sem viés pedagógico, sem panfletagem. De preferência com a liberdade que a arte demanda. Isso vale para todas as idades.

Quais são os temas mais comuns ao universo infantil?

Assuntos polêmicos têm se revelado uma tendência de mercado, especialmente os ligados à sexualidade. Ainda há pouca literatura no Brasil para crianças e jovens que contemplem relações de gênero, homoafetividade e novos padrões de identidade, por exemplo. Essas questões ainda permanecem como tabu, não estão suficientemente amadurecidas pela sociedade, mas houve um avanço, a diversidade está em discussão e existe concretamente para quem quiser ver. Ainda que timidamente, esses temas têm sido incorporados à literatura infantil e juvenil.

Como encara a questão da moral na literatura infantil e juvenil?

Cabe à criança construir seu padrão moral a partir do próprio repertório, do seu entorno, dos valores familiares, de seus contextos social, econômico e cultural, do que constitui sua identidade. Literatura é liberdade, apesar da literatura infantil e juvenil ter nascido comprometida com um projeto moralizante, educador, do qual ela vem se desvencilhando pouco a pouco.

Como os pais podem incentivar o hábito da leitura?

Oferecer contato com o livro, com narrativas variadas de modo geral (não só textual, mas orais, imagéticas). Desmistificar a literatura e tirá-la do pedestal. O gosto pela leitura é uma construção diária de intimidade, prazer, conhecimento, que acontece no longo prazo e sem obrigações.

As crianças atualmente convivem muito com as novas tecnologias. Como despertar o interesse pelo livro impresso?

Computadores, celulares e redes sociais são apenas outros suportes (o papel é um) que devem ser integrados ao dia-a-dia das crianças e dos adolescentes, como possibilidade de enriquecimento. Hoje é muito fácil encontrar o título e o resumo de um livro na Internet, por exemplo. Isso é ótimo. A questão é suscitar no leitor em formação o desejo de aprofundar-se nesta leitura. O principal desafio é descobrir como usar as novas tecnologias a favor da leitura. Um dos caminhos pode ser o de explorar os variados perfis de leitor e de leitura, tendo em vista as plataformas disponíveis (e-book, smartphone, tablet, computador, audiobook e o papel).

Como a senhora avalia a aceitação da literatura infantil e juvenil brasileira no exterior?

A literatura infantil e juvenil no Brasil tem qualidade reconhecida internacionalmente, temos autores premiados e publicados em outros países como Lygia Bojunga, Ana Maria Machado, Tatiana Belinky, Marina Colasanti, Ricardo Azevedo, Ziraldo e, mais recentemente, Nelson Cruz, Roger Mello, nomes totalmente ligados à literatura infantil e juvenil desde os anos 1980, só para citar alguns. Hoje a literatura infantil e juvenil brasileira está em alta. Acho que há dois fatores no âmbito da criatividade que contribuem para este movimento: o engajamento de escritores da chamada literatura adulta que passaram a valorizar a LIJ e, portanto, a se dedicar a ela; e o envolvimento de quadrinistas, desenhistas e artistas plásticos que se somaram aos ilustradores clássicos de LIJ. Isso, entre outros fatores, enriqueceu muito a qualidade da LIJ no Brasil.

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