Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 2009
Matéria sobre SEBO
O escritor Manuel Filho entrevista Marcelo Catelan.
1- Como se caracterizam os usuários/clientes de um Sebo?
Os clientes de um sebo se caracterizam basicamente em três grupos, o primeiro é o que eu chamo de "clientes compulsórios", ou seja: É aquela pessoa que por motivos profissionais ou educacionais necessita ler alguma obra, ou precisa dela para consulta, como no caso dos livros técnicos. São estudantes de primeiro e segundo grau que tem que ler "o livro que o professor mandou" para a prova ou para passar no vestibular, e profissionais, como médicos e engenheiros, que tem certos livros como obras de referência, é um tipo de cliente que geralmente não tem o hábito de freqüentar livrarias e sebos e está à procura de preços mais atraentes que os praticados pelas livrarias, seu lema é a economia, por incrível que pareça nem sempre eles sabem o que quer, são os clientes mais numerosos. O segundo grupo é formado pelo consumidor de "modas", é um leitor bissexto que se interessa somente pelo o que está sendo "falado" no momento, consome auto-aj uda se este gênero estiver em primeiro lugar na lista dos dez mais vendidos, mas pode também ser um romance histórico, um mistério envolvendo alguma seita secreta ou mesmo a biografia escandalosa de uma celebridade instantânea, desse grupo também faz parte o leitor de um autor só, ele age como um fã devoto e só consome as obras de seu escolhido, ou seja: O último livro que leu foi o mais recente lançamento do Senhor X e o próximo livro que lerá será o próximo lançamento do Senhor X, ele não se arrisca com outros autores, geralmente esse tipo de leitor sai frustrado do sebo, pois o livro tem um certo ciclo no comércio e demora algum tempo para chegar nas prateleiras dos usados, e a moda, esta ingrata, é sempre algo imediatista, é um cliente mais sazonal. O último cliente é aquele que realmente gosta de leitura, ele já tem uma certa bagagem, sabe o que quer, mas aceita sugestões, conhece editoras e autores, busca livros raros e esgotados e você pode ve r um brilho estrelar em seus olhos quando os consegue, sabe o valor de uma obra e não se importa de pagar um pouco mais por ela, é um freqüentador assíduo e fiel, é raríssimo!
2 - De que maneira você percebe a "situação" do livro? É um bem cultural ou um produto como qualquer outro?
Infelizmente, no nosso país, para a grande maioria, o livro é visto como algo supérfluo, um gasto desnecessário, ou como algo que está ocupando um espaço imprescindível dentro das casas. É muito comum ouvir frases como: "a gente compra um livro só o lê uma vez e depois ele fica jogado", como se ele não tivesse cumprido sua função. Ou mesmo pessoas que fazem uma limpeza na casa e resolvem se desfazer daquele bando de livros velhos: quando você promove uma faxina na sua casa o que sobra dela é lixo, logo, para essas pessoas, livros é lixo! Geralmente eles estão amontoados em garagens, guardados embaixo de escadas, empilhados em porões, sofrendo ação do tempo, da umidade, do mofo, sem cuidado nenhum. Já cheguei a resgatar livros de arte de carrinhos de catadores.
3 - Quais são os questionamentos mais comuns que você recebe? O que lhe surpreende?
O que mais me surpreende é a falta de intimidade que o brasileiro tem com o livro. Mesmo pessoas de poder aquisitivo razoável e bem articuladas desconhecem totalmente algumas características básicas do livro, como as suas diferentes edições, a relação entre tamanho de fonte e número de páginas ("porque o mesmo título tem dois livros diferentes com diferentes números de folhas?"), o fato de que capas diferentes do mesmo título não indicarem obras diferentes e a total ignorância quanto a figura do "autor", este ilustre desconhecido do qual o leitor nunca se lembra do nome. A maioria das pessoas também desconhece completamente onde fica a livraria de sua cidade e não fazem a mínima idéia do preço final do livro. ?
4 - Como é o seu trabalho no Sebo?
O trabalho em um sebo é basicamente o mesmo que em uma livraria com a diferença de que o comprador pode ser seu fornecedor. Os sebos também trabalham com trocas o que, em alguns casos, pode ser mais interessante tanto para a loja quanto para o cliente. Em alguns casos o sebo acaba funcionando como local de encontro, ou um centro cultural, aonde as pessoas vão para conversar, trocar idéias, etc.
5 - O que você gostaria de mudar?
Gostaria que as pessoas tivessem mais respeito com o "objeto livro", que o tratassem com mais carinho, que tivessem consciência de que "preço" é diferente de "valor" e que o ato da leitura, além de ser de grande importância para o desenvolvimento intelectual, pode ser também prazeroso e divertido.
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