Marciano Vasques
VIDAS TERCEIRIZADAS
Ouço-me enquanto caminho, e caminho para que a ventania me leve. Doce ventania, onde estará? Falta nos faz coisas que somos em nós. Se pudesse ficar aqui, em mim, um tempo por menor que seja, mas que não se torne um fugitivo, por mais que insista numa brusca insistência, que é a voz do dia.
Leio jornais, quase não ouço a canção que vinha do vento, mas mantenho-me em comunhão com o que poderia nos salvar, que é justamente o que não podemos evitar: sermos, - mas que pode ser aviltado, estimulado à perdição das cores no dia-a-dia, nas terríveis competições, e nas mais agressivas descaracterizações do ser.
Vidas terceirizadas, assim me parece que a querem, mas resistir é a única saída, é para isso que a poesia está nas ladeiras, nos picadeiros da alma, a clamar: Não me abandone! Não me renegue! Não abrace a insensatez, não me despreze.
Tudo nos afeta: o cartazista que despreza o idioma, a incoerência presidencial, o abandono da consciência, o desperdício da vida na perplexidade do aceitar inativo.
Não falarei do meu país, meu jovem, por que o faria? Ele é gigante pela própria natureza, e lá está navegado pelos nossos homens públicos. Está tudo bem, como sempre esteve. Como diríamos, quem somos, se nada somos? Mas temos a permissão para fingirmos que somos, e isso é fácil. Basta o acúmulo de coisas materiais. Incoerências e discrepâncias. E daí?
Talvez o refúgio não seja afinal tão dolorido. Entretanto, olvidarmos-nos em nome de uma vida artificial, de uma alegria que não é autêntica? Como tal coisa nos chora! A nós, que teimamos, que nos queremos na autenticidade. O que é mais portador da felicidade que uma conversa sem relógio, uma caminhada? Que preço teria a leitura de um livro ou a apreciação artística que uma alma livre poderia realizar?
Exijo uma ciranda. Eu? Mas se além do CPF e outras concessões, além de poder entrar na loja e ser recebido pela sorridente largura do crediário, além da propaganda da cerveja e da imbecilidade, além da rasa música que nos ofertam, que me adia a necessidade de comprar um rádio. Digo assim, um rádio mesmo. Que ultrapassado vou me tornando!, diante da sofisticada aparelhagem que a tecnologia edifica a cada dia para o som (Pois viva então o som! ). E eu, falando de rádio, o que imagino afinal? Um objeto retangular postado sobre um móvel, a elevar-me a alma com doces canções que o espírito criou?
Eu? Mas o que sou? Posso me arvorar em declarações inaudíveis. Sou um escritor! Mais alto! Sou um escritor. Ora, que batam palmas..., isso, toda a arquibancada. Palmas! Ele é um escritor! - alguém disse isso. - É! -, - O que está com o nariz redondo e vermelho! Quem ouvirá o escritor? Quem ouvirá o poeta? Isso, ouvir! Assim: eu ouço, nós ouvimos...
Pobre tempo!
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