domingo, 7 de fevereiro de 2010

SP: Vice-Versa de Fevereiro de 2010

Participam deste Vice-Versa:

A escritora Luana von Linsingen e a ilustradora Márcia Cardeal, da regional SC

Obrigada, um forte abraço,
Regina Sormani

Márcia Cardeal

Luana von Linsingen


Perguntas de Luana von Linsingen

1. Costumavas pintar muito as paredes da casa? Como teus pais e familiares reagiam a essas demonstrações de talento?

R: As paredes nem tanto. Mas lembro que gostava muito de desenhar no chão, na areia, com um graveto. Eram desenhos imensos, eu podia “entrar” nas casas que desenhava (aliás, ainda adoro fazer isso!). Depois, quando aprendi a ler, desenhava nas margens dos livros. Eram livros com poucas imagens e muito texto. Minha mãe, professora, não gostava que lêssemos gibis, pois achava que eram pobres em conteúdo e eu não poupava nem os da biblioteca da escola. 

2. O computador é uma ferramenta corrente em teu trabalho como ilustradora? Se sim, ele te deixa satisfeita ou sentes falta do “cheirinho de tinta”?

R: O uso do computador, para mim, ainda está mais relacionado ao trabalho de diagramação, ao projeto gráfico, à arte final do livro. Gosto muito da ilustração feita à mão, da textura do material, o desenho ali respirando na pele, nos poros do papel. Gosto da identidade do desenho à mão, aquela coisa quase caligráfica que no computador ainda me parece “imitação”. Mas, por outro lado, o computador é uma ferramenta indispensável e acho que preciso explorar mais o que os programas gráficos oferecem hoje. 

3. O que pensas da crescente valorização do ilustrador de literatura infantil e juvenil – demonstrada pela exibição do nome nas capas dos livros, em mesmo tamanho que o do escritor?

R: É um espaço conquistado, mas ainda há muito que se percorrer, até mesmo nas questões de direito autoral. Além disso, considero poucos os estudos sobre a ilustração para a infância, por exemplo. São assuntos que poderiam estar sendo mais (e seriamente) discutidos dentro das universidades, inclusive. Sinto falta disso. 

4. Realizaste recentemente um trabalho de mestrado que abrangia ilustração infantil e crianças cegas. O que te levou a esse campo de pesquisa, quais eram tuas expectativas e qual foi – se é que houve – o impacto disto na tua produção enquanto ilustradora?

R: Há alguns anos eu ilustrei um livro de poesia para crianças que acabou sendo traduzido para o sueco, inglês, e transcrito para o Braille. Este livro fazia parte de meu portfólio, um dos requisitos (além do projeto de pesquisa e das provas) para a seleção do mestrado ao qual me candidatei. Foi o que chamou a atenção de minha orientadora, fazendo com que ela me lançasse o desafio de incluir no projeto a questão tátil, pois se aproximava de sua pesquisa sobre o ensino de desenho para crianças cegas. O início foi literalmente um “tatear no escuro”, muito desconfortável principalmente pela escassez de bibliografia. Você entra em um mundo completamente desconhecido e do qual não consegue se aproximar, pois os conceitos da visualidade impregnam todos os outros sentidos e, de alguma maneira isso parece atrapalhar. Mas é muito instigante também. Acabei me apaixonando pelo assunto e a pesquisa se desdobrou em uma proposta de ilustração tátil que virou uma mostra itinerante promovida pelo SESC-SC, intitulada “Mãos para Ver”. Eu ilustrei três estórias escritas por Maria Lúcia Batezat Duarte (minha orientadora na pesquisa) durante suas experiências com o ensino de desenho para crianças cegas: a estória da linha curva (Família Enroladinha), do círculo (O Sonho Redondo de Manu) e do quadrado (A Casa Quadrada). Para cada ilustração visual, em tinta, corresponde uma versão tátil, em relevo. Esta forma tátil é ainda uma proposta experimental e se situa nos primeiros resultados da pesquisa teórica, mas tem provocado algumas discussões interessantes, já (a mostra iniciou em setembro de 2009 e deve ir até 2015). E é esse o principal objetivo, a reflexão sobre o que se tem produzido para este tipo de público. Como uma criança cega alcança (se alcança) o que se está produzindo? O que é inclusão, além dos números estatísticos, por exemplo? É preciso ter ouvidos para este escutamento, eu acho.


Perguntas de Márcia Cardeal

1. Luana, você começou a escrever muito cedo. Como foi este processo todo, até ter o primeiro livro publicado? 

R: Costumo dizer que comecei a escrever porque fiquei míope. Uma miopia danada – eu entrava no banho de óculos, para me localizar, e só tirava depois que embaçava muito. Sem a visão perfeita, passei a ficar muito inibida, temerosa mesmo, em “fazer arte”: trepar em árvores, escalar muros, ir no fundão do mar, essas coisas. Então fui me deslocando para outra coisa que gostava muito: ler, escrever e desenhar. Crianças gostam disso, só que algumas são mais estimuladas do que outras para que sigam em frente com a coisa. O desenho, por exemplo, me foi bastante desestimulado. Hoje não desenho nem palitinho. Mas ler, em uma casa de leitores assíduos, não foi um problema, e escrever, em uma família de poetas e contistas, foi uma atividade recebida com entusiasmo. Como todo mundo gostava, peguei o costume de guardar meus escritos – tenho um “original”, cheio de erros gramaticais e grampos enferrujados, que desovei aos 9 anos. Por isso brinco que comecei nesta idade, de forma não oficial. Disto até meu primeiro livro publicado, que escrevi aos 13, diversas histórias foram iniciadas e abandonadas. Este primeiro livro também entraria nessa lista, não fosse a Rosana Rios. Ela foi passar férias na casa dos meus pais e minha mãe comentou que eu estava escrevendo um livro. Ela se interessou, leu e me mandou terminar a história. Quando terminei, me mandou datilografar tudo. Foi assim que entrei em contato com o computador, aquele de letras verdes, fundo escuro, tela curva, trambolhão bege. Lutei com o bicho, domei-o, digitei meu livro e o mandei para a Rosana. Depois, recebi uma carta contando que ela enviara, por conta própria, à Editora Saraiva; eles entraram em contato depois, e precisei revisar quilômetros de páginas, brigar por algumas ideias e ter um bocado de disciplina. Consegui, e assim saiu “A Casa de Hans Kunst”, hoje na 4ª edição. 

2. Você, além de escritora, é professora de Ciências no ensino fundamental. A experiência de sala de aula de alguma maneira já influenciou, inspirou, provocou em você aquela “coceira” para escrever um texto literário? 

R: Na verdade, acontece o contrário. É tanta coisa para estudar, preparar, enfrentar e pensar, que meu lado criativo é emperrado durante o ano letivo inteiro. Só volta nas férias. 

3. Como você vê o mercado editorial direcionado à literatura para a infância e juventude em Santa Catarina? 

R: Não tenho livros publicados por editoras catarinenses, então me sinto à margem deste mercado. Por outro lado, vejo poucas livrarias na cidade (Florianópolis, capital de SC), todas pequenas, e quando alguma apresenta autores catarinenses, estão em uma prateleira miúda, quase como desencargo de consciência. A impressão que passa é que temos poucos escritores, e os poucos que temos ainda estão mais voltados a livros turísticos. O que acontece? Falta apoio, falta credibilidade, falta visibilidade, e falta tudo isso porque falta adesão entre os escritores catarinenses. Estão todos soltos, como linhas de um cobertor esfiapado. Um cobertor assim não agrada ninguém, não chama atenção. 

4. O que você gostaria de nos contar sobre seu trabalho, que não foi perguntado?

R: Algo que sempre me intrigou foi o espanto daqueles que me conheciam como escritora, e eu revelava ser bióloga de formação; e o espanto daqueles que me conheciam como bióloga, quando eu afirmava ser escritora de literatura infantojuvenil (não só de artigos). Por que tanto espanto? Não vejo uma relação obrigatória entre o trabalho com a escrita e a formação em alguma área diretamente relacionada à escrita. Sou escritora há mais tempo do que sou bióloga, e nunca desejei ir para o Jornalismo ou para Letras; sempre gostei de saber como a vida funciona, intrinsecamente. Ao longo deste convívio vamos dizer dúbio fui notando que as Literaturas e as Ciências não são tão distantes como se costuma pensar, e não estou me referindo apenas à Ficção Científica. Foi por esse caminho que segui quando fiz mestrado: busquei aproximar a literatura infantil com o ensino de ciências. Foi e continua sendo algo muito estimulante!

Postado por Regina Sormani às 05:58  


Um comentário:

Valéria C.15 de fevereiro de 2010 04:54
inicialmente fui lendo com um sentimento de admiração por uma amiga que sabe do que fala... mas aí, fui arrepiando... arrepiando... rs
beijo Márcia e beijo também, Luana

Nenhum comentário:

Postar um comentário