As crianças e a cidadania
Crônica de Simone Pedersen
Na década de noventa, eu morei em Vila Opicina, próxima de Trieste, na Itália. Como eu havia antes morado na Dinamarca, imaginei que estaria no paraíso da cidadania: uma mistura da organização escandinava com o calor do povo italiano. Realmente, um lindo país e um idioma muito mais musical do que o dinamarquês. Eu havia somente me esquecido do famoso trânsito italiano... Quem já dirigiu em São Paulo, imagina que nada pode surpreendê-lo em termos de trânsito. Mas, na primeira vez que encontrei meu carro bloqueado por outro, cujo motorista desaparecido retornou após duas horas, eu me senti violentada. O meu direito de ir e vir – de carro – estava limitado pela decisão de um cidadão que julgou ser mais importante estacionar próximo do destino, do que as horas em que o aguardei na calçada, acompanhada de uma criança pequena, numa cidade onde o Mar Adriático traz o temido vento Bora, que quase nos tira do chão.
Atualmente, a mesma situação tem sido frequente quando vou à agência de correios. Não é raro esperar por intermináveis minutos. O sentimento é o mesmo: - Por que os meus minutos são menos valiosos do que os do motorista que estacionou atrás do meu carro, quando havia vagas na rua ao lado? Não é incomum também, pessoas apressadas estacionarem em vagas para deficientes físicos ou idosos . Outras entram em padarias para comprar um maço de cigarros e, em vez de colocarem-se ao final da fila, encostam-se à lateral do caixa dizendo o que precisam. Assim como em lojas ou papelarias, onde, enquanto você aguarda educadamente sua vez, alguém entra, faz perguntas ao atendente e, em seguida pede para ver algum produto mais de perto, monopolizando a atenção, enquanto você se belisca para certificar-se que não é um fantasma... Os proprietários dos estabelecimentos comerciais precisam ditar regras a seus funcionários, e nós, que procuramos comportarmo-nos dentro das regras do bom-senso, podemos nos posicionar quando testemunhamos uma situação dessas. Ninguém precisa ser grosseiro. Apenas firme. Quanto às respostas típicas: “estou com pressa” ou “estou atrasado”, não merecem comentários, afinal, quem não está com pressa hoje em dia? Se somos invisíveis aos seus olhos, as pessoas mal-educadas devem ser inaudíveis aos nossos ouvidos e, principalmente, aos dos atendentes.
Estamos no mês de outubro, o mês das crianças. Fico imaginando as crianças que são educadas por pessoas assim. Na escola, a professora ensina que a fila é necessária e ninguém deve atropelar o coleguinha. O aluno, habituado ao exemplo de pais que falam alto, não respeitam filas, gritam no trânsito, maltratam animais e irritam-se com todos e tudo, fica confuso. E na dúvida, repete o que conhece desde pequenino. Os amiguinhos que se aproximam são os que têm comportamento semelhante. Assim como violência gera violência, falta de educação gera falta de educação.
A Geração Y ou Geração da Internet - jovens nascidos entre as décadas de 70 e 90 - apesar de ser altamente individualista, tem uma profunda consciência social, preocupação com o meio ambiente e com os direitos sociais, como comprovou a recente pesquisa da FIA/USP – em que 97% dos jovens afirmaram incomodarem-se muito com atitudes antiéticas. As crianças de hoje – a Geração Z – serão ainda mais exigentes. As que crescerem acreditando em paradigmas ultrapassados, como o do “jeitinho brasileiro” entre muitos outros, terão imensas dificuldades de socialização. Todo ser humano aprende o bê-á-bá da vida em casa. É pura ilusão colocar os filhos em uma boa escola, delegando aos professores o papel dos pais. Professores ensinam, pais educam! Pelo menos deveria ser assim...
No Dia das Crianças, os pequenos esperam ansiosos pelos pacotes . Conviver com esses pequenos seres de luz é um presente novo que recebemos a cada dia! Crianças são anjos sem asas que, mesmo assim, voam alto. Brincam de esconde-esconde por entre nuvens e tocam nossos corações com a harpa da inocência. Como podemos nos comportar mal na frente de anjos? Adultos não podem definir o destino das crianças, mas podem influenciar o comportamento delas, através de bons exemplos. Não há presente mais valioso.
Simone Pedersen é escritora associada da regional paulista da AEILIJ
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