segunda-feira, 5 de maio de 2014

SP: Pé de meia literário (27)



O Lugar do Livro na Escola


Muito se tem falado (e escrito) sobre a importância da leitura na vida e na escola. Por extensão, sobre a presença dos diversos suportes que sustentam a palavra escrita no espaço social de aprendizagem por excelência, a escola. 
Entre os suportes, o livro, como o carro chefe desse leque de opções. Não me refiro, nesse caso, aos milhares de livros que chegam via programas centralizados de governos, artificiais na sua essência e de quase nenhuma importância para a formação de leitores. E qual é a importância do livro no universo escolar? Tenho pensado, nos últimos tempos, a respeito desse tema: há um lugar de efetiva importância para o livro na escola? Se há, qual é esse lugar? Tenho pensado a esse respeito, principalmente, pelo avanço das novas tecnologias no espaço de aprendizagem da escola. As novas gerações, cada vez mais, são introduzidas na tela, antes e em detrimento do papel. Mas, apesar disso, penso que pode haver um espaço para o livro na escola como ela está constituída hoje.
No entanto, algumas reflexões e mudanças são necessárias nesse contexto. Começo a refletir sobre dois aspectos, ambos reportando-se a valores simbólicos. O primeiro aspecto é uma suposta escala de valores que há dentro da escola, formada pelos que nela trabalham. Em que lugar, nessa escala, estaria o livro? Viria antes dos itens de sobrevivência (salário e jornada, por exemplo)? Ou antes dos itens que compõem as condições de trabalho. (prédio, equipamentos, etc) Ou antes das questões mínimas de segurança? Penso que não. Estes itens têm feito parte, reiteradamente, da pauta de reivindicações dos educadores que conseguem ter voz e se manifestar, de norte a sul do país. Podemos até considerar, em tese, que uma coisa não implica anular a outra.
 Em tese. Na prática, quem conhece o universo escolar sabe muito bem que as coisas não são assim. Na prática,tendo a pensar que o livro não está, nessa suposta escala de valores, à frente dos itens apontados. O outro aspecto diz respeito ao valor, assim no singular, que o livro merece fora da escola, por parte da comunidade escolar que procura a escola como espaço de aprendizagem. Não por culpa sua, mas por obra e responsabilidade exclusiva de programas de governos que se alastrou feito praga para a maioria dos governos, de qualquer espectro político, da esquerda à direita, do vermelho ao amarelo pálido, que fizeram da escola um imenso balcão de negócios.
Nas duas últimas décadas, vem crescendo, assustadoramente, o investimento em programas assistencialistas de doação de toda sorte de penduricalhos de baixa qualidade, os chamados kits, principalmente os de uniforme e de material didático. Esses kits são marcados por duas características principais: a) são, em sua maioria, de baixa qualidade e nem sempre adequados à faixa etária e à necessidade pedagógica real de quem se destina; e b) são, descaradamente, super faturados. Acostumados a isso, a essa peregrinação assistencialista, principalmente no início do ano letivo, a comunidade escolar se irrita, não com a falta de professores e com a falta de bons programas de formação dos professores, não com a falta de prédios bem estruturados e nem com a falta de bons materiais didáticos coletivos, mas com a falta do material  assistencialista que, imagina, seja fundamental e decisivo na lida com a aprendizagem. Vem sendo acostumada a receber essas esmolas de baixa qualidade e de necessidade duvidosa em vez de receber o essencial: uma escola bem preparada e organizada com qualidade para o exercício, não do assistencialismo, mas da educação, da construção do conhecimento. Assim acostumada vai à mídia e reclama disso, sem perceber que isto é uma máscara que esconde a baixa qualidade do ensino oferecido. Nesse panorama, a preocupação com o livro está longe, distante, e vai formando um valor, inconsciente, no seu imaginário, que o importante é começar o ano escolar com os kits de uniforme, de material escolar insuficiente e de baixa qualidade, com as latas de leite, etc. Acrescente-se a isso, a frágil política pública de distribuição de livros selecionados e comprados de modo centralizado, interessante apenas para quem se enriquece com ela, e pouco interessante para quem poderia se beneficiar com os livros na escola. As escolas e os educadores não são consultados, como se isso não fosse necessário, e os livros chegam às escolas, que não se prepararam e não foram preparadas para receber esse material escolhido de modo frio e distante do seu cotidiano. Apenas alimentam estatísticas. Quem conhece bem a ciranda dos números, sabe que a estatística serve a qualquer senhor. Nesse sentido, respondendo à minha indagação aflitiva no início do texto, é quase impossível pensar um lugar de destaque para o livro na escola pública brasileira nas condições atuais. Corremos o risco de pularmos uma etapa: sair da escola em que o livro deveria ocupar lugar de destaque pedagógico no universo escolar e passarmos para outra etapa em que telas luminosas tomarão o lugar do papel impresso. No entanto, se ainda queremos ver o livro como valor simbólico de cultura de aprendizagem no universo escolar ainda há tempo para inverter algumas condições: acabar com o vicioso balcão de negócios assistencialistas que a escola virou e transformá-la em um espaço público de construção social do conhecimento e de produção do seu projeto pedagógico.
Neste espaço, haverá um lugar de destaque para o livro no universo escolar.

EDSON GABRIEL GARCIA
Educador e Escritor

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