sábado, 1 de novembro de 2008

RS: Vice-versa de novembro de 2008

Neste Vice-versa de novembro, a escritora Helô Bacichette e o escritor e ilustrador Celso Sisto jogam as palavras dentro, porque não jogam palavras fora.

Celso pergunta. Helô responde.

Celso - Qual é a sua necessidade de ser escritora?

Helô - Escrevo porque sou apaixonada pelas palavras e me sinto feliz quando consigo dar beleza à elas. Escrevo para melhorar meu olhar para o mundo. Escrever faz parte de mim. Escrevo, porque escrever é uma forma de estar sempre em movimento, me desafiando e me surpreendendo. Escrever me estimula a ler e a duvidar sempre. É isso: preciso do escrever, porque preciso do seu reverso que é a magia do ler. Amo os livros! Tem vezes que escrevo para me encontrar e para poder encontrar o outro; outras, porque me transbordo de entusiasmo pela vida e preciso palavrear minhas emoções em verso ou em prosa. 

C- Escrever é uma decorrência do contar histórias (oralmente), na sua vida? Como essas coisas se influenciam? 


H - Minhas experiências como contadora de histórias me ajudam a inventar em mim algo novo como escritora.Quando era criança escrevia na minha cabeça, inventava personagens que brincavam com outros personagens das histórias que lia ou das histórias que me contavam. Criava diálogos com animais, seres imaginários e extra-terrestres que faziam parte do enredo de minhas histórias de cabeça: Sei uma história. Só que é de cabeça. Querem escutar?- perguntava para as outras crianças. Outras vezes estava metida em alguma apresentação de teatro, participando da bandinha da escola ou cantando no clube.Era uma inventadora de moda, como dizia minha mãe. Demorou um pouco, mas um dia entendi que meu jeito de fazer arte tinha a ver com a palavra.Contando histórias consigo resgatar elos com minha natureza poética e com minha contadora ancestral. Preciso contar para continuar escrevendo, porque eu sou uma história e se sou uma história consigo narrar a mim mesma e as outras histórias. 

C - Eu percebo que o seu texto tem uma grande carga lírica. Você busca mesmo isso em todos os seus textos? Por quê?

H - Quando escrevo tento recriar o mundo que está dentro de mim a partir do mundo que está aí fora. Busco re(in)ventar motivada por uma espécie de transbordamento de sentimentos, emoções e reflexões. Acho que minhas emoções são tão intensas que para me integrar preciso me desintegrar dentro de mim. É é mais ou menos desse jeito que, muitas vezes, vejo ,meu texto: um lugar onde posso encontrar-me com esse outro (re) integrado. Na verdade, a vida me espanta, me inquieta e, em muitos momentos, me angustio diante da precariedade da existência... por isso, quando escrevo, ponho vida e poesia no texto, porque para mim não existe separação entre a poesia e a vida. 

C - Você tem escritores modelos? Quem são eles? Diga-nos o quê deles influencia ou aparece em sua obra.

H - Leio muita poesia, desde sempre! Li muito Casimiro de Abreu e Olavo Bilac. A obra de Cecília aparece em primeiro lugar na relação dos preferidos. Gosto muito dos poemas do Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira e Mario Quintana. Aprendi muito lendo Elias José, Roseana Murray e Bartolomeu Campos de Queirós. Abro um parênteses, para falar da obra de Elias José,porque foi ela que ( ou ele) quem mais influenciou meu trabalho com literatura infanto-juvenil.O primeiro poema deste maravilhoso ( e inesquecível) poeta que conheci foi “O segredo”. Na verdade “ouvi” o poema na voz de um conhecido locutor de rádio aqui de Caxias. Minha emoção foi tão grande que nunca mais parei de ler seus poemas. “O segredo” que ouvi foi a revelação de que a boa poesia não tem idade e fala para todos: pequenos, médios ou grandes. O segredo fala da magia da invenção. Elias era um poeta que gostava do som das palavras, do seu gosto, cheiro ou cor. Ele conversava sorrindo. E, muito mais do que só falar, Elias fazia e vivia.Era um menino-poeta. Um criador de sonhos e fantasia: “Eu sei fazer poesia escrevendo, jogando e brincando com as palavras.”- dizia.Aprendi com ele que o simples é o belo. A obra de Elias revela os sentimentos humanos. E, através de arranjos de sons, ritmos e imagens, a poesia de Elias nos leva a percorrer caminhos mágicos e (como requer algo que tem vida) repleto de energia. Um dos seus compromissos com a literatura sempre foi o de garantir o espaço para a boa poesia na escola. Certamente ele conseguiu manter-se fiel a sua causa quando deixa um legado para a Literatura Brasileira com obras que garantem a emoção que o texto poético pode suscitar, textos que encantaram e continuarão encantando leitores de todas as idades. 

C - Como você lida com o público leitor e com a crítica? Afinal, o que você considera sucesso nesta relação com público e crítica? O que você tem aprendido com isso, para o seu ofício de escrever?

H - Eu gosto muito de estar com as pessoas, mas também preciso cuidar da minha solidão. Houve um tempo, porém, quando não conseguia encontrar minha criança no espelho ou me encontrar na minha solidão. Na verdade, me pre (ocupava) demais com o que vinha de fora ( e, muitas vezes, por fora) do meu trabalho. Assim, permitia que muitas coisas interferissem no meu processo criativo. Mas, com o passar dos anos, aprendi que o importante é acreditar no que faço, porque o que faço tem a força de minha paixão pelo que escolhi fazer. Quando escrevo entrego o que melhor tenho de mim e, por isso, sei do valor do meu trabalho. Gosto de lembrar das palavras de Paulo Freire: “ A leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Quando escrevo tento ler o que está ao meu redor e o que está dentro de mim para (re) inventar depois. Escrevo pensando nos meus leitores, tentando ficar ao lado deles. Respeito a opinião das pessoas e, hoje, não encontro dificuldades em ouvir o que elas tem dizer sobre meu trabalho. Penso que a crítica é um exercício intelectual e o que quase sempre acontece é um diálogo de duas histórias: a do autor e a do crítico. Portanto, duas subjetividades. Por isso, é necessário levar em conta que, muitas vezes, existe uma “disputa” que sofre interferências, porque nela estão envolvidos seres humanos, com emoções diferentes e cada qual com sua visão de mundo. Tenho um compromisso com a arte da palavra e procuro descobrir validade do meu trabalho para meus leitores. E é com eles com quem quero aprender a escrever mais e melhor.


Helô pergunta. Celso responde.

Helô - Como funciona teu processo de invenção de histórias? De onde vem o material de teus textos? De experiências vividas, da realidade ou da imaginação?

Celso - Eu gostaria de escrever todos dos dias. Acho que um escritor profissional tem que ter uma rotina, uma dinâmica de trabalho que o “obrigue” (entre aspas mesmo!) a produzir todos os dias. Mas como eu faço mil coisas ao mesmo tempo, uma coisa acaba alimentando a outra. Por exemplo, se eu estou lendo um texto teórico para uma disciplina do Doutorado, aí lá pelas tantas o sujeito fala: “ a narrativa contemporânea multiplicou a existência do narrador" e aquilo acende uma luzinha lá no meu escondido, eu paro tudo que estou fazendo, anoto, rascunho, faço uma sinopse, para a idéia não se perder. Adoro essa coisa que começa de forma artesanal. Eu vivo cercado de cadernos! Adoro! Tento não deixar escapar nenhuma idéia. Até um nome curioso que eu ouço, quando vou conversar com alunos numa escola, até nome engraçado de cidade que vejo numa placa, quando estou viajando. Anoto tudo que vá me servir de material. Mas o que mais me dá “gancho” para escrever os meus textos são exatamente os textos bons, de outros escritores, de gente que eu admiro. Quando acabo de ler um livro maravilhoso, sempre me sinto preparado para escrever uma história igualmente maravilhosa! A poesia me inspira muito! Quer dizer, fornece lenha para a minha fogueira e para a minha lareira (a que me queima e a que me aquece e alimenta!). Gosto, sobretudo, do jogo das imagens que a palavra pode expressar e provocar. É claro que as experiências vividas também entram nas minhas histórias, mas quase sempre como detalhes, como pano de fundo, num nome de personagem (que pode ser o nome de um primo, que possui aquelas características do personagem em questão), pode ser um fato acontecido comigo ou ao meu redor, mas claro, tudo vem acrescido ou modificado pelo exercício da fantasia. É o fato transfigurado, é o sentimento transfigurado, e ali, ele não é mais da minha realidade, é da história! A imaginação é o grande caminho! É onde somos mais livres! Quem pode cercear nossa imaginação? Acho que a grande chave do mundo é a criatividade. Fazer as coisas de uma forma única, especial. Eu busco isso. Não sei se sempre encontro, mas tento ardorosamente! 

H - És considerado um dos mais importantes contadores de história do Brasil, com uma trajetória de muitos anos dedicados a pesquisa e a arte de contar histórias. Conta para nós como tudo começou, qual a vinculação e qual a importância que tem a contação de histórias para tua produção literária?

C - Puxa, esse seu comentário me dá um medo danado! Eu quero fazer coisas de qualidade, eu me preocupo com isso. Sou extremamente exigente com o meu trabalho. Mas a qualidade está ligada ao estudo, à prática, ao exercício, ao fazer, refazer, fazer muitas vezes. Nada cai do céu, pelo menos pra mim. Eu tenho que me dedicar muito, ler muito, ler sempre! Cada vez mais e melhor! Acredito que quanto mais a gente lê e estuda, melhor a gente consegue penetrar nas lacunas, nas dobras, nas camadas de um texto! Também acredito que o grande segredo é não ter pressa... Mas tudo começou com o teatro. Eu sou oriundo do teatro, me formei primeiro em Artes Cênicas, trabalhei alguns anos como ator profissional e só então, quando fui fazer uma Especialização em Literatura Infantil e Juvenil é que descobri a arte de contar histórias, assim, do jeito que a gente entende ela hoje! Então, fui trabalhar na FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) e lá criamos o grupo Morandubetá (muitas histórias em tupi-guarani) e estamos juntos até hoje, eu, a Lúcia Fidalgo e a Eliana Yunes, um pouquinho depois a Benita Prieto entrou no grupo. Bom, então, esses anos todos (estamos juntos há quase 20 anos!) contando histórias oralmente e lendo enlouquecidamente, fui me alimentando de tudo isso! Acho até que meus primeiros textos são muito “fundados” nas histórias que eu contava lá no começo deste trabalho de contador de histórias. Essa oralidade está presente no meu texto escrito, o ritmo das minhas histórias nascem da oralidade. Eu leio tudo em voz alta, quando estou escrevendo. Pra mim é a melhor maneira pra perceber o que está “empolado”, o que está sobrando, o que está faltando... Sou um escritor de ouvido! 

H - Que lugar dirias que a literatura infantil ocupa dentro da literatura brasileira? Na tua opinião, existe preconceito em relação ao conto infantil? 

C - O melhor de tudo é que não houvesse essa divisão imposta pelo adjetivo “infantil”. Deveríamos estar falando simplesmente de literatura, e pronto! Ou o texto é literatura ou não é! Esses qualificativos muitas vezes me parecem redundantes! Eu prefiro dizer sempre que existe literatura e livros para crianças! E que nem todo livro para criança é literatura! Essa afirmação parece tão clara! Mas não é! Tem gente que lida todo dia com esses textos e esse público tão específico e continua chamando de literatura os livros que não estão nem um pouco preocupados com o trabalho com a linguagem, com o público leitor, com a “beleza” do escrito... Literatura para crianças não pode estar preocupada em passar ensinamentos, em transmitir mensagens, em contar uma história bonitinha! Tudo isso é alheio à literatura e é pouco. Literatura é muito mais! A literatura não está dissociada da forma, do elemento estético que vai atribuir-lhe um diferencial... Não basta ter boas idéias, não basta “achar” que enchendo a história de uma aura de fantasia e poesia é suficiente para ser obra destinada a esse público. É preciso encontrar o tom certo de dizer “aquilo”; é preciso encontrar a forma certa; abordar o tema de um jeito diferente, especial; é preciso fazer todo o “material” virar arte. É nesse território estético que reside toda a diferença. Temos uma literatura infantil no Brasil de alto nível. O segmento literário que mais vende é o da literatura infantil, embora isso não apareça nas listas dos mais vendidos... Mas uma coisa é fundamental para quem escreve para essa área: é preciso conhecer os clássicos, estar atento à produção contemporânea, ler os seus pares, conhecer as listas de prêmios, e, inclusive, buscar as pesquisas acadêmicas sobre literatura infantil – tudo o que puder contribuir para a melhor qualificação profissional. Preconceito existe sim, em vários níveis! O pior deles é o que vem da própria classe literária, que muitas vezes perde de vista a especificidade desta literatura infantil e deste leitor criança! Inclusive, a pouca ou quase nenhum espaço para a crítica de literatura infantil, na mídia, revela isso. Precisamos de crítica séria, especializada, profunda, e não “crítica-propaganda”, dessas que são puro release das editoras para promover os livros!

H - Tua obra conta com mais de trinta livros publicados, muitos deles premiados.Te sentes reconhecido pelos teus pares (pelos grandes) e pela crítica?

C - O maior reconhecimento é sempre o do leitor, das crianças e dos jovens, afinal, eles são o meu público, é com eles que quero me comunicar preferencialmente. Não escrevo pensando em prêmios, em reconhecimentos extra-literários”, etc., escrevo para ser lido pelas crianças e pelos jovens. Mas é sempre bom trocar com as pessoas que estão na mesma área, ter o carinho dos nossos amigos escritores ou dos escritores que a gente admira, etc., não para alimentar vaidades, mas para servir de estímulo, de “força”, de incentivo! Quando um livro nosso é premiado, claro que a gente fica feliz! Mas isso tudo é importante na medida que sela o nosso compromisso com o fazer e com a qualidade! Um prêmio, um “sucesso”, sempre obrigam a gente a fazer igual ou melhor! E isso é muito bom! O compromisso com a qualidade leva a buscas mais profundas, mais comprometidas com o alargamento dos estudos, das leituras, das pesquisas! Quanto à crítica, continuo sempre defendendo maior espaço para a crítica especializada, seja em que veículo for! O espaço dedicado à crítica de literatura infantil é ínfimo na mídia!!!! Quase inexistente! 

H - Como tem sido a experiência de ser escritor e ilustrador de livros infanto-juvenis?

C - Eu sempre me vi mais como escritor! Ilustrar é muito bom! Poder brincar com as imagens, experimentar guiar a leitura e dialogar com o texto! Nossa, isso é um prazer enorme! Mas eu sou antes de tudo, um escritor! Ilustro pouco, e tenho ilustrado só alguns dos meus livros . Nunca tive coragem de ilustrar livros de outras pessoas, acho uma responsabilidade muito grande! Pra mim, o que nasceu de um desafio, acabou gerando uma busca de qualificação sempre maior. Explico: o primeiro livro que ilustrei nasceu de uma provocação... Um editor me disse: “hoje em dia um monte de ilustradores viram escritores, mas o contrário é muito difícil, quase impossível! Por que você não tenta quebrar a lógica disso?”. Fiquei com esse desafio na cabeça. Eu tinha estudado pintura uma boa parte da minha vida (não profissionalmente, que dizer, não como uma busca profissional ou acadêmica!), gostava muito, tinha esse desejo de querer experimentar no papel. Quando as ilustrações do meu livro “Francisco Gabiroba Tabajara Tupã” (que estavam sendo feitas por outra pessoa) não foram aprovadas nem por mim, nem pelo editor, senti que era hora de tentar. Pedi ao editor que me deixasse fazer umas “pranchas” para ver se ele aprovava! Fiz, ele aprovou, o livro ficou entre os 10 finalistas do prêmio Jabuti, na categoria de ilustração de livro infantil de 1999, e eu ganhei o prêmio de ilustrador revelação naquele ano, pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Isso foi um incentivo e tanto! Adoro desenhar! Adoro ilustrar, mas gosto mesmo é de inventar, fugir da imagem real, fotográfica, experimentar texturas, materiais, cores. O colorido me atrai muito!

H - Percebe-se na tua obra uma forte presença do folclore. Isso vem de tuas viagens, de pesquisas como “Cavaleiro andante”?

C - Eu sou um irrequieto! Não paro! Sou mesmo um “cavaleiro andante”. E a cultura popular é fonte inesgotável para o meu trabalho. Tenho uma admiração exorbitante por tudo o que está relacionado com a cultura popular: as cantigas, os folguedos, as trovas, as poesias populares, brincadeiras, costumes, contos populares, personagens populares, ditados populares, lendas, mitos, fábulas, parlendas, etc. Isso alimenta o meu trabalho! Adoro os escritores que trabalham nesta vertente, que pesquisam seriamente essas questões. Isso vem de várias fontes sim: das viagens, do convívio com pessoas, das leituras, das pesquisas, do prazer que o imaginário popular provoca em mim! Ainda pretendo estudar essas questões cada vez mais a fundo! Já fiz isso, como Mestrado, estudando os contos populares que a escritora Ângela Lago recontou, e agora estou fazendo uma grande pesquisa, no Doutorado, sobre os contos populares africanos na literatura infantil brasileira. Tem tanta coisa que ainda quero estudar nesta área! Por isso que digo sempre que preciso viver uns 5oo anos! Tenho muito que aprender, para poder chegar cada vez mais perto do coração das pessoas!

Postado por H 

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