quinta-feira, 7 de outubro de 2010

SP: Quintas (29)


O SOL DA LAURINHA


Quando entrei, a classe parecia uma mistura de parque de diversão com aeroporto. Um deles ao reparar a minha chegada espalhou a notícia, que feito rastilho de pólvora se rastejou numa estonteante velocidade, como só podia ser.
- A professora chegou! A professora!...
Em poucos segundos o silêncio foi restabelecido. Crianças são ágeis.
- Hoje a aula será sobre o nosso Sistema Solar. Aproveitando que lá fora está um dia ensolarado, vamos falar sobre o Sol.
Iniciei falando da importância do Sol para nós, dizendo o quanto ele é benéfico para a nossa saúde e o quanto a vida no planeta depende dele para sobreviver.
- Já imaginou se o Sol se apaga?
Uma das menininhas pôs a ponta dos quatro dedos na boca e ficou em pasmo.
Laurinha, como sempre, com os ouvidos colados em minha fala.
Depois de falar do benefício do astro-rei e ter distribuído um desenho com um Sol divertido, narigudo e com óculos escuros para que eles colorissem, retomei a fala afirmando que Ele é o centro do Sistema Solar, - como sempre, ilustrando com minhas garatujas artísticas o Sol e os nove planetas.
E fui em frente.
- O Sol é uma estrela!
- Não é, professora!
- Não?
- Não!
- Quem disse isso?
Só podia ser ela, mas fiz o meu teatro, fingi que não havia distinguido a voz no meio dos burburinhos.
- Fui eu, professora!
Sim, a Laurinha, lá estava ela me desafiando novamente.
- Querida, o Sol é uma estrela, de quinta grandeza, quer dizer que ele é uma estrela grande. É a mais próxima do nosso planeta, por isso o vemos tão grande, mas não é diferente das outras estrelas, que estão distantes de nós. Se as víssemos tão perto também iriam parecer grandes.
- Mas o Sol não é uma estrela, professora!
A teimosia insistia. Um autêntico duelo entre o mestre e o aprendiz. A coisa mais saudável que podia me acontecer. Uma pequena criatura de cinco anos tentando me desautorizar, insistindo que eu estava errada. O Sol não é uma estrela! Mas não me daria por vencida e buscaria todos os meus recursos, abriria como sempre a minha caixa de tesouros dos argumentos.
- O Sol tem luz e calor, Laurinha, como todas as estrelas.
- Pode ter luz e calor, mas não é uma estrela.
- Por que não?
- Porque eu sei que ele não é uma estrela.
- Longe de eu encerrar a discussão com aquela menininha. Afinal era sempre o momento mais interessante e atraente das minhas aulas. E como ela costumava fazer, despertava a minha curiosidade. Por que afinal insistia que o Sol não é uma estrela?
- Agora quero que venha aqui à frente e nos diga o que sabe. Quero ser convencida de que o Sol não é uma estrela.
- É pra já.
E lá foi toda cheia de si, como se guardasse em si um intocável e insondável tesouro.
Parou diante da classe tão confiante que logo compreendi que fossem quais fossem os seus argumentos, ela estava prestes a ganhar a batalha intelectual com a professora. Como eu já aprendera que a lógica da criança não é lógica, é mágica, tentava antecipar uma resposta para algo que viria e sobre o qual não tinha a mais vaga noção do que poderia ser.
- E então? Agora quero, meu bem, que me diga o motivo pelo qual afirma que o Sol não é uma estrela.
- A senhora por acaso já viu o Sol de noite?
A classe inteira a me olhar, pasmada, esperando que eu dissesse algo.
Ela com o mais largo sorriso no rosto, olhando para mim com aquela cara de vencedora, e eu ali, entre gargalhar e chorar de raiva pela minha imprudência pedagógica.
Quem mandou ensinar uma coisa tão abstrata para uma criança tão esperta, que ia do quintal direto para a escola?

Marciano Vasques

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