quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

SP: Quintas (44)

O COMPANHEIRO DO JUVÊNCIO


ENTREVISTA

Adalberto Amaral, o Menino Juquinha, companheiro de "Juvêncio, O Justiceiro do Sertão", na Rádio Piratininga na década de 60, ainda trabalha em rádio, em Descalvado, interior de São Paulo. O encontro entre ele e o escritor Marciano Vasques resultou nesta entrevista.

MV – Conte-nos sobre aquela época.
AA - Estávamos nos anos 60. O mundo fervilhava em mudanças radicais de comportamento. No Brasil aproximava-se 1.964 e os jornais teciam as notícias de uma guinada para o comunismo através de simpatias do presidente Jânio Quadros, ao oferecer a mais alta comenda do Brasil - a medalha "Cruzeiro do Sul" - ao ministro de Cuba, Ernesto Che Guevara. O vice - presidente João Goulart também iniciava uma visita à China Comunista. Os grandes jornais de São Paulo estampavam as notícias – Diário da Noite, de Assis Chateaubriand, mais moderado, e o seu principal concorrente – o Jornal Última Hora. Os cafés no centro de São Paulo, perto da Panair do Brasil, estavam sempre repletos de gente ávida por noticias. A TFP – Tradição, Família e Propriedade - preparava a famosa passeata conhecida como  "A Marcha da Família pela Liberdade". A Televisão engatinhava e o grande sucesso à época era o rádio. Em São Paulo a Rádio Piratininga, na Rua 24 de Maio, comandava programas ao vivo, que eram retransmitidos por repetidoras e alcançavam quase todo o Brasil.
MV -  Fale um pouco da programação da Piratininga.
AA - Às 18 horas iniciava-se o programa sertanejo "Terra Sempre Terra", apresentado ao vivo.   Nele cantaram os caipiras que mais tarde viriam a ser conhecidos internacionalmente. Duplas como Alvarenga e Ranchinho, Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana, Pedro Bento e Zé da Estrada, Palmeira e Biá, encantavam com suas vozes os entardeceres e inundavam o interior do Brasil através das ondas da Piratininga. Meia hora após entrava no ar, em forma de seriado, "Juvêncio, O Justiceiro do Sertão".
MV – Como era feito o Juvêncio?
AA - A trama era composta basicamente por oito rádio-atores que formavam o "Cast", dois contra regras e o operador de som – Machado Filho, carinhosamente chamado de "O equalizador de som". O Produtor era Reinaldo Santos, o autor da música "Casinha Pequenina", que foi a trilha sonora do filme do Mazzaropi, que teve o mesmo nome. Era ele quem escrevia os episódios. E a letra (pouco conhecida) da música de abertura era assim:
Adeus Morena /Eu já vou indo pro sertão/
 Se não voltar/ Deixo contigo o coração/
Sou justiceiro/ Não tenho medo de ninguém/
Enfrento tudo sozinho/ Só tenho medo do meu bem.
Após a abertura, começava o seriado com o vozerio (feito pelos atores ao mesmo tempo).
MV – - Pode nos relatar como eram as cenas?
AA  - Uma das  cenas era de vários bandoleiros comandados pelo bandido Cicatriz (vivido por Geraldo Jacote), que esperavam no mato, para emboscar um viajante que tinha sido chamado pelo padre da cidadezinha para conter a onda criminosa dos assaltantes. Longe do microfone, o contra - regra amassava entre as mãos um pedaço de papel celofane que soava como passos no meio do mato. Irritado com o barulho feito pelos passos dos comparsas o bandido Cicatriz diz:
(Cicatriz) –Silêncio cabras! Vamo pegar o forasteiro.
Ainda longe do microfone, o contra - regra agora bate com duas bandas de coco dentro de uma bacia de água - o que dá o som de um cavalo andando pelo leito do rio. Para passar a cena ao ouvinte, o ator Vicente Lia, que fazia o papel do Juvêncio:
(Juvêncio) -  Oaa Corisco! – Devagar. Vamo pelo rio que é pra não deixar pista pros bandoleiros.
Um acorde grave e curto e o sonoplasta colocam o relincho de um cavalo.
(Juvêncio) – Que foi Corisco? (novo relincho do cavalo e o contra regra desta vez faz movimentos repetidos e rápidos dentro da bacia de água).
A voz do bandido Cicatriz soa bem longe do Microfone.
(Cicatriz) – Agora cabras!  Atirem!
O sonoplasta coloca o som de vários tiros com o barulho de ricocheteio de balas. O som de relincho do cavalo dando a impressão de que o animal estava a cair na água.
Entra a trilha sonora e o locutor diz com a voz forte.
- O que acontecerá? Ouçam amanhã neste mesmo horário... Juvêncio, o Justiceiro do Sertão!     
Esta seqüência durava meia hora, e sempre ficava no ar uma situação de perigo que seria resolvida no capítulo seguinte. Com essa técnica prendia-se o ouvinte e o obrigava a acompanhar no dia seguinte o desfecho da cena.
MV – Fale um pouco mais dos recursos disponíveis.
AA - Naquela época não se tinham os recursos de som de hoje. Havia um disco de vinil, importado, que reproduzia alguns sons utilizados na novela: barulhos de tiros, relincho de cavalo, mas, a maioria dos sons era produzida no estúdio mesmo! Por exemplo: Barulho de passos no mato eram feitos com papel celofane, também utilizado para reproduzir o som de uma fogueira. O som de um trovão era produzido por meio de uma folha de zinco agitada violentamente. O som do tropel de vários cavalos era feito com as mãos batendo em compasso nas pernas.
Quem entrasse em um estúdio de gravação naquele tempo acharia tudo aquilo cômico, com tanta parafernália que os contra-regras inventavam para reproduzir os mais diversos sons para ilustrar a cena da novela radiofônica. Mas tudo era levado muito a sério, e tinha que dar tudo certo, pois as novelas eram transmitidas ao vivo.
MV – O que acontecia quando o programa ao vivo terminava?
AA - Terminada a novela o grupo ia até um café que tinha na Avenida São João, bem em frente ao Largo Paissandu, o "Ponto Chic", conhecido como "O Bar dos Artistas" porque todas as terças feiras, reuniam-se ali muitos empresários de circo e de teatro do interior que vinham ajustar os shows. Era comum se ver ali duplas, como: Léo Canhoto e Robertinho (que realizavam um show de bang-bang), Cascatinha e Inhana, Lio e Léo, mágicos, palhaços, e outros artistas que faziam daquele estabelecimento um "escritório" para acertar os futuros shows. O Bar até possuía um reservado nos fundos para os mais famosos. Com o grupo do "Juvêncio" não era diferente. Era lá que se contratavam os shows que seriam apresentados nos fins de semana em circos e teatros   do interior Paulista.
MV - Por que acabou o Juvêncio?
AA - Veio o golpe militar e junto a censura severa à imprensa e aos meios de comunicação.
Os capítulos da novela passaram a ser escritos com muita antecipação e tinham que passar pelo crivo da censura, que muitas vezes cortava cenas inteiras. A novela passou a ser gravada para posterior apresentação.
Alguns anos mais tarde, em meio ao anos 70, a euforia tomava conta do País com a seleção canarinho indo para disputar a copa do mundo. Todo mundo cantava "Pra frente Brasil". A censura continuava e o programa foi julgado impróprio para o horário, passando a ser transmitido as 6h00 da manhã. Mesmo assim resistiu até ao fechamento da emissora em 1974.

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