quinta-feira, 18 de agosto de 2011

SP: Quintas (60)

CERZINDO


Você sorri e no seu rosto segue espelhado o sorriso que todos estão vendo.
Talvez se pudessem tentar penetrar nos sulcos de sua história, nas nódoas do seu rosto, se alguém pudesse ter a audácia, se pudessem ver que além do sorriso se descortina um querer abortado, uma procela inquietante, uma angústia sem ancoradouro, sem o impossível seguro cais...
Seria bom se pudessem ver que você é mesmo essa mescla de temores, coragem, aventuras, risos, ais, chorares, e sonhantes.
Estar no bailado da vida, como a perpetuar o suave deslize do sol nas folhas verdes...
E ser uma flor de outono, e ao mesmo tempo os persistentes anterozóides após a chuva...Você tem tanto, mas se cala. Talvez seja mais fácil se sufocar. O mundo parece tão áspero. Mas o que é o mundo?
O que são os outros? Você está só, porém não está à deriva. Quer seguir em frente, e segue. Rasga os horizontes, rompe cadeados, correntes. A sua força está no querer e no sentir.
A multidão se arrasta feito um réptil longo e sem sentido, e você está onde sempre esteve. Na solidão,
Mas a vida floresce, renasce, se faz, maiêutica do sorriso da criança, e da simplicidade das coisas que são.
Um rock, um blue, uma canção tímida, um acanhado dizer, qualquer palavra lavrando a sua alma com sinceridade, a você bastaria.
Cerzir. Você aprendeu a cerzir. Talvez esse seja o grande aprendizado de uma vida, talvez tenha sido assim com outras mulheres, com a própria que acalentou os medos que medravam em sua infância, suas febres e suas fibras aos poucos se constituindo na pessoa que viria a ser.
Cerzir. Aprender a costurar por dentro, aprender a invisível costura das dores.
Cerzir as mágoas, a má água de uma vida de incertezas, de traições, traições em olhares sorrateiros, subterrâneos, de pessoas com quem conviveu.
E onde poderia haver pisoteares, você edificou sonhos, velejando ao vendaval dos quereres que não morrem.
Cerzir. Costurar, não deixar uma só marca para fora. Não permitir que as dores dilacerantes, as incicatrizáveis dores, viessem a estar expostas em seu rosto, no mínimo sinal que fosse.
Por que um rosto cerzido, uma alma assim, só pode ser visto a sorrir.
Quantas vezes sua alma de tecelã da vida de outras vidas que se cruzam nos fiares, quantas vezes estava sua alma ocupada cerzindo.
E talvez buscando um fiapo, um fiapo que fosse, de compreensão, a tão necessitada compreensão que vem do outro, seja lá quem for, mas que se fez outro numa trecho de nossa trajetória, quantas vezes no clamor invisível por um olhar sereno.
E você segue íntegra, cerzindo, pois esse é o fazer da cerzideira.

Marciano Vasques

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