Meus caros, o Vice-Versa está completando três anos em agosto. Nesta data, o escritor Luis Eduardo Matta ( AEILIJ RJ) entrevista o assistente editorial da Melhoramentos Renato Coelho e vice-versa.
Agradeço a participação de ambos.
Um beijo,
Regina Sormani
Luis Eduardo Matta
Renato Coelho
Perguntas de Luis Eduardo Matta para Renato Coelho:
1) Renato, como escritor, tenho notado que os jovens estão mais próximos do que nunca dos livros e que, sobretudo na última década, a leitura cresceu vertiginosamente entre eles. Como editor de uma casa tradicional com um catálogo fortemente direcionado aos públicos infantil e juvenil, você também tem essa percepção?
Luis Eduardo, eu como assistente editorial há cinco anos na Melhoramentos tenho notado, sim, os jovens mais próximos dos livros. Creio que essa proximidade seja reflexo de acontecimentos bons que têm ocorrido ultimamente nas editoras, nas escolas, nas famílias, no Brasil como um todo.
Os livros brasileiros têm ganho prêmios internacionais mundo afora, e isso nada mais é que o extremo cuidado que os escritores e editores têm no momento de conceber um livro. O Dia Seguinte, seu brilhante e mais novo thriller pela editora Escrita Fina comprova isso.
2) Como é a rotina de trabalho numa editora como a Melhoramentos? Acho interessante perguntar isso, pois as grandes editoras têm perfis distintos. Generalizando um pouco, pode-se dizer que uma parte é mais focada em livrarias e outra, em vendas escolares. A Melhoramentos me parece mais inclinada para segunda opção. Além da preparação e edição dos livros, você participa, por exemplo, da elaboração de conteúdos pedagógicos para uso em salas de aula? Fale-nos um pouco desse trabalho.
A minha rotina na Melhoramentos é muito prazerosa, pois tenho o privilégio de trabalhar numa editora com mais de cento e vinte anos e sua história se confunde com a história de muita gente. Pessoas que cresceram lendo grandes livros editados por ela e outras que trabalham lá há vinte, trinta anos.
A Melhoramentos tem um carinho muito especial pela sala de aula e mantém uma boa equipe de divulgadores escolares, mas percebo uma preocupação de todos para que os livros cheguem às livrarias e principalmente ao leitor onde quer que ele esteja.
É verdade, além dos livros, tenho a oportunidade de trabalhar com os projetos pedagógicos. Esses projetos, direcionados ao professor e entregues com os catálogos escolares, são desenvolvidos por grandes profissionais da área de educação e contam com um belíssimo projeto gráfico.
3) Recentemente, a Melhoramentos lançou a coletânea de contos Internautas: os chips reinventando o nosso dia a dia, organizada pelo nosso querido Luiz Antonio Aguiar e com a presença de ilustres e talentosos colegas de escrita. Como foi para você participar da edição dessa antologia? E, na sua opinião, qual a importância dela para se discutir a sociedade contemporânea, a cada dia mais absorvida pela tecnologia e pela consolidação de uma espécie de realidade paralela virtual?
Tenho um carinho especial por Internautas por vários motivos. A proposta dos contos é excelente, pois possibilita aos leitores uma reflexão sobre a imersão da tecnologia na nossa sociedade. O livro permitiu a chegada de vários autores que admiro à Melhoramentos e por último destaco o encantamento de todos os envolvidos no projeto. Mais uma vez não posso deixar de falar sobre o profissionalismo e a sensibilidade que a Ana Célia Goda, editora do projeto, cujo desenvolvimento se deu em aproximadamente dois anos, empresta aos livros que edita, aprendo muito com ela.
O desafio que a Ana lançou ao organizador foi termos autores de ambos os sexos e de diversos estados do país, a fim de mostrar a diversidade cultural e lingüística de um país grande como o nosso, além dos desafios da escrita e leitura no mundo contemporâneo.
Então Luiz Antonio Aguiar sugeriu o tema Internet e as mudanças que ela gera no cotidiano das pessoas. Aprovado pela editora e retomando a viagem clássica dos argonautas, foi iniciado o contato com os autores e cada um deles desenvolveu seu texto sem ter conhecimento dos demais. Dessa forma, surgiram os mais diferentes estilos de contos e também explorando os vários suportes e / ou plataformas disponíveis na rede: Twitter, blog, MSN, e-mail etc.
Enfim, participar da edição foi um aprendizado, vi de perto as implicações que um livro de vinte autores proporciona, mas também vivenciei a alegria do dia em que vimos pela primeira vez o livro pronto.
Internautas tem uma grande importância, pois esses contos, além de serem literatura de fato, ajudam o professor a conscientizar os alunos sobre os benefícios e malefícios da tecnologia na sociedade.
4) O que o levou a optar por trabalhar na edição de livros? Você sempre teve esse desejo ou ele surgiu inadvertidamente?
Luis, a Literatura sempre me motivou e desde muito cedo eu já sabia que iria trabalhar com as palavras. Eu, na quinta série – hoje sexto ano – empolguei a sala toda com as minhas redações, as minhas histórias tinham como personagens os meus colegas e no decorrer da trama, todos eles morriam, mas eram finais surreais, todos riam muito.
Foi ali que decidi cursar Letras e abraçar a sala de aula. Depois do ensino fundamental cursei quatro anos de Magistério e nesse momento percebi que eu necessitava de mais paixão para o ofício.
No entanto, isso não me atrapalhou a cursar Letras, pois senti que a faculdade me possibilitaria também outros caminhos. Nesse interim comecei a estagiar na Melhoramentos e posso dizer que ainda estou sob o encantamento da profissão.
Não há um dia que eu não aprenda no editorial e já se vão cinco anos. Tenho o privilégio de trabalhar com a Ana Célia Goda e a Leila Bortolazzi, editoras de infantojuvenil da Melhoramentos e profissionais com uma bagagem incrível, e de trabalhar com livros preciosos.
Luis, um grande abraço e desejo a você muito sucesso na jornada literária!
Perguntas de Renato Coelho para Luis Eduardo Matta:
1) Luis, quero levantar duas questões nesse primeiro momento:
A sua carreira literária se inicia em 1993 com o livro Conexão Beirute-Teeran e o segundo Ira Implacável nasce apenas em 2002.
Você, publicando livro com 17 anos e depois se permitindo quase uma década para publicar o próximo, me leva a crer que você foi muito maduro nas duas situações. Conte-nos um pouco sobre isso.
Outro fato que me chama muito a atenção foi a importância da TV no começo de tudo. Em 1983 a novela "Champagne" desperta o seu interesse por thriller (vale lembrar que você era uma criança na época) e em 1992 uma entrevista de Jorge Amado e Zélia Gattai num programa de televisão o impulsiona de vez ao mundo da Literatura. Com isso, será que satanizamos a TV, já que esse veículo de comunicação o levou ao mundo literário?
Renato, esse longo hiato entre as publicações dos meus dois primeiros livros não foi algo planejado. Tive muitas dificuldades em voltar a publicar. Durante anos submeti meus originais à apreciação de diversas editoras e fui recusado dezenas de vezes por todas elas. O que aconteceu foi que, em dado momento, lá pelo ano 2000, comecei a me questionar se a culpa disso não seria da minha própria escrita, que talvez necessitasse ser aperfeiçoada. Decidi, então, reescrever inteiramente os meus três romances que estavam prontos – Ira Implacável, 120 Horas e O Véu – a fim de eliminar eventuais falhas e aperfeiçoar os textos o máximo possível. A minha ficção não é confessional. Não me coloco nos meus livros, não tenho alteregos e não faço reflexões com base na minha vida e nos meus sentimentos. Toda a minha matéria-prima é externa. Então é evidente que eu precisava de mais vivência, sobretudo existencial, e de uma visão mais acurada da realidade para poder encarar o desafio de recriá-la na ficção de uma forma minimamente decente. Hoje, olhando para trás, vejo com bastante nitidez como esse período sem publicar me permitiu amadurecer. Sou um observador atento do cotidiano e da vida alheia, mas sem um olhar demasiadamente crítico. As pessoas são como espelhos que potencializam a minha percepção da condição humana. Da minha, inclusive.
Quanto à TV, ela foi o meu primeiro contato com a ficção, junto com as histórias que minha mãe e minha avó me contavam. Ao longo da década de 1980, fui um assíduo espectador de novelas. A trama de “Champagne” tinha muitos mistérios e tensão. Na época eu estava com 8 para 9 anos e foi essa novela que, sem dúvida, me despertou a paixão pela ficção de suspense que me acompanha até hoje. Já em relação a Jorge Amado, conheci a obra dele também na TV, pelas adaptações de seus livros para novelas e seriados. Só depois é que fui ler os livros dele. Jorge Amado é minha principal referência na literatura. Aquela entrevista dele e de Zélia Gattai na televisão em janeiro de 1992 foi decisiva para me levar à carreira literária. Eu a tenho gravada em VHS. É um dos meus tesouros.
2) Você nas suas entrevistas sempre enaltece as relações humanas e leva o leitor a refletir sobre o mundo atual em que vivemos.
Eis uma frase sua: "Nada substitui, a meu juízo, o convívio pessoal", porém você vê também com bons olhos as redes sociais, os blogs e os sites como auxiliares na divulgação de livros e até mesmo na possibilidade de uma aproximação maior com os seus leitores.
Isso levou você a ser escolhido para escrever um dos contos do livro Internautas - os chips reinventando o nosso dia a dia?
Aliás, o seu conto foi o primeiro que li da coletânea e já o elejo um dos melhores. Como se deu a sua participação nesse livro tão bem cuidado pela Melhoramentos?
Eu costumo dizer o seguinte: a internet é uma ferramenta e, como tal, não possui moral própria. Ela é um instrumento tanto para fazer coisas edificantes, como para perversidades. Pode ajudar um indivíduo a se socializar ou a se entocar de vez em casa. Tudo depende de quem a opera. É inegável que a internet está promovendo uma mudança radical na forma como as pessoas se relacionam, tanto pessoal como profissionalmente. No meu caso, ela é um complemento à minha vida cotidiana. Na medida do possível, procuro trazer ao meu convívio pessoal, os meus bons contatos virtuais. Até hoje nunca me arrependi. Como escritor, vejo na internet uma ferramenta poderosa e sem igual de divulgação do meu trabalho. Uma coisa interessante a se observar é que, anos atrás, se dizia muito que a internet acabaria com a leitura. Ocorreu justamente o inverso. Em 2010 a venda de livros só na rede de livrarias Saraiva subiu mais de 500% em relação ao ano anterior. Isso se deve em boa parte às vendas feitas pela sua loja virtual, que atende a um público imenso espalhado país adentro. São moradores de áreas que não contam com pontos de venda de livros num raio de quilômetros e que, graças à internet, passaram a ter acesso às melhores livrarias. Alguns desses leitores criaram blogs e sites onde resenham suas leituras e que acabaram se convertendo em canais alternativos de divulgação de livros, bem mais afinados com o leitor comum do que, por exemplo, muitas resenhas de publicações literárias de prestígio.
Participar de Internautas foi uma grande alegria para mim. Além de uma honra, por estar ao lado de tantos colegas talentosos e de renome, muitos dos quais admiro genuinamente. O convite partiu do organizador, Luiz Antonio Aguiar, e não sei se foi exatamente motivado pela minha relação com a internet. É possível que ela tenha pesado, embora eu seja um usuário como tantos outros, sem nenhuma característica que me destaque da média. Meu conto fala de algo, infelizmente, cada vez mais comum no cotidiano dos adolescentes que é o bullying virtual. É um dos usos perniciosos que pessoas de má índole fazem da rede. O livro ficou belíssimo e gostei de todos os contos. O trabalho tanto da Melhoramentos, como dos escritores e do organizador foi impecável.
3) Estou lendo o seu novo thriller O Dia Seguinte, livro também muito bem cuidado pela Escrita Fina. Confesso que parei de ler, pois precisava elaborar essas perguntas a você, porque se não... A sua escrita nos prende de tal modo que parar de ler é quase uma tortura.
O livro retrata uma ficção apoiada nos acontecimentos do 11 de setembro de 2001 e o lançamento se dará exatamente nos dez anos dos atentados.
Isso foi planejado? Conte-nos sobre o O Dia Seguinte.
Que bom que você está gostando do livro. Fico contente. Sei de gente que não acredita, mas o fato de ele estar saindo agora é uma coincidência. Desde a época dos atentados, eu tinha vontade de escrever uma ficção a respeito, mas logo deixei a ideia de lado e durante anos não pensei mais nela. Foi só em 2009 que a retomei, depois de receber um convite da Laura Van Boekel Cheola, editora da recém-criada Escrita Fina, para escrever uma trama de suspense juvenil ambientada lá. A ideia era publicar o livro já no começo de 2010, entre os primeiros lançamentos da editora, mas por estar envolvido na preparação de outros livros em simultâneo e em pleno processo de lançamento e divulgação do meu thriller O Véu, só consegui concluí-lo em setembro de 2010. Contribuiu muito para essa demora a pesquisa que precisei fazer, pois a maior parte da trama se passa ao longo do dia 12 de setembro de 2001 – por isso o título do livro – que é, por incrível que pareça, um dia pouquíssimo documentado, em comparação ao 11. O Dia Seguinte é um thriller sobre a busca de um jovem brasileiro pelo pai que desapareceu durante a investigação de um esquema de fraude em sua firma. Esse garoto é de família árabe e fica amigo de um jovem judeu americano. A história também é uma homenagem à amizade entre árabes e judeus. Essa amizade é possível e existe. Eu próprio sou um exemplo. Sou de família libanesa e alguns dos meus grandes amigos são judeus.
4) Vejo que você alterna livros juvenis e adultos e também sei que a sua preocupação com a formação de leitores o levou a escrever Literatura Juvenil.
A sua contribuição na Literatura Juvenil tem amenizado as grandes lacunas que encontramos quando o assunto é leitura na adolescência, mesmo sabendo que na última década estamos presenciando um acesso maior ao livro?
Olha, acho que antes de mim, muitos escritores já estavam amenizando essas lacunas. Mesmo assim, espero, sinceramente, que eu esteja contribuindo um pouco para essa aproximação entre brasileiros e livros. Minha decisão de escrever para adolescentes surgiu muito disso: da necessidade de difundir ainda mais a leitura entre eles. Isto porque é na adolescência que a leitura se firma ou não na vida de uma pessoa. E não há como um país se tornar plenamente desenvolvido, sobretudo social e humanamente, sem um povo majoritariamente letrado, investido de senso crítico e, portanto, instrumentalizado para dialogar com as instituições e fazer valer as leis. A cultura e o conhecimento são o caminho mais eficiente para a justiça. Pela minha experiência, a ficção de suspense e mistério é uma excelente formadora de leitores, pelas suas próprias características narrativas que despertam uma curiosidade direta no leitor e também por ser uma literatura atraente tanto para meninos quanto para meninas. Além disso, foi ela que me aproximou dos livros. Então escrever nesse gênero é uma maneira também de eu passar um pouco dessa vivência para as novas gerações.
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