sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

SP: Da travessia - Adriano Messias



Meus caros,
Adriano Messias é escritor, associado da regional paulista da AEILIJ.
Um beijo,
Regina Sormani


Da travessia

O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: esquenta e esfria, 
aperta e daí afrouxa,
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem
(Guimarães Rosa)

Somos seres falantes e clivados, separados há muito da natureza por um engenhoso artifício: a linguagem. Por termos linguagem é que temos pensamento. Criamos e deixamos nossas marcas na cultura – nosso delicioso e enigmático esteio – por intermédio da materialização do pensar.
Agimos no mundo dentro de uma dramaturgia invisível, como salientou Julia Kristeva, chamando-nos a atenção para o poder dos signos que criamos, para o lugar que damos ao outro na encenação da própria vida.
Pois bem: uma vez falantes, tentamos descobrir o outro em nós. Há quem o faça escrevendo e ilustrando livros: acredita-se em um discurso possível para a humanidade.
Percebe-se uma beleza crepuscular nas ideias de Nietzsche quando ele aponta para o homem – ser de passagem, inacabado e transitório. A sua conhecida metáfora para o ser humano, corda esticada entre o animal e o super-homem, parece se valer sempre e sempre. É perigoso, lembra o filósofo, caminhar, mas também olhar para trás. Porém, a força desta metáfora revela, por outro lado, o aspecto irrecusável de toda travessia, que tanto encantou Guimarães Rosa em Grande Sertão:
“Eu atravesso as coisas — e no meio da travessia não vejo! — só estava era entretido na ideia dos lugares de saída e de chegada. Assaz o senhor sabe: a gente quer passar um rio a nado, e passa; mas vai dar na outra banda é num ponto mais embaixo, bem diverso do que em primeiro se pensou (...) o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...”
Escrever e ilustrar, penso eu, é um corajoso ato de se atravessar o mistério da vida. E nossos medos caem no abismo quando optamos pela ação. O ofício e a arte de corporificar ideias nas páginas dos livros compõem um sério e esperançoso processo, pois vivemos rodeados pelo catastrofismo abissal da educação deficiente, da violência desmedida e insana, das confusões éticas e étnicas que assolam a humanidade nesta que é, provavelmente, sua mais dura esquina antropológica: o século XXI.
Vale, ainda, o esforço a favor da palavra. Vale acreditar, desde que haja atitudes. Toda renovação de votos de prosperidade produz sentido se não ficar apenas na intenção.
Atravessemos!
Bom 2012 a todos!

Adriano Messias


Um comentário:

Valternei Machado26 de março de 2012 05:48
o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia...” 

Excelente texto. Mas vindo de ti nao poderia ser diferente. É fantástico quando o talento é posto em prática. Parabéns.

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