A História de Heitor
Capítulo V
Quatro luas depois do nascimento, Heitor, Hiran e Horácio já tinham a cor dos adultos, castanha, de um vermelho puxando para o dourado, a pontinha do rabo e das orelhas branca. Os pelos do
cangote já estavam mais longos e formavam uma pequena juba; na região dorsal tinham uma faixa de pelos pretos e as pernas, inteiramente pretas, como se acabassem de passar por um charco
cheio de lodo.
– Como estão crescidos –pensou Lorena – e lindos!
A tarde já estava pelo meio. Naquele dia os três filhotes brincavam com uma bola de capim seco. Ainda eram desajeitados e perdiam o equilíbrio, rolavam pelas inclinações do terreno, junto com a bola, levantavam uma nuvem de poeira. Com isso, pequenos pontinhos cintilavam como um arco-íris contra a luz do sol. Faziam barulho, rosnavam uns para os outros, disputavam o brinquedo. De repente, trocavam a brincadeira por algum outro interesse, cada um por seu lado: – um inseto, o voo de uma ave, algum bichinho rastejando.
Geralmente Heitor ficava mais isolado dos irmãos; era mais curioso e mais independente... e mais peralta. Ao ver aquela cena, Lorena sugeriu a Mercúrio que os levasse junto na caçada daquela tarde.
– Bem que pensei nisso – comentou ele. Foi na direção deles e avisou com firmeza que iriam caçar.
– Tenho algumas coisas para ensinar-lhes – disse. – E está na hora.
Chega de brincar por hoje.
Partiram para o interior da savana, na direção oposta ao rio. Logo desapareceram, confundiram-se com a paisagem, a cor do pelo misturada à cor do capim seco. O comportamento de Heitor e de seus irmãos mudou. Embora ele fosse o mais esperto e o mais atento, todos queriam aprender e imitavam o lobo, farejando, remexendo as narinas, ouvindo, mexendo as orelhas alternadamente, observando, procurando lugares mais altos, pequenas encostas, pedras ou cupinzeiros que fossem pontos de observação. Eles aprendiam muito rápido. Já sabiam o que fazer; só precisavam de um empurrãozinho para descobrir que sabiam.
Quando os lobos começaram a perseguir suas presas, um casal de falcões da região estava por perto. Túlio e Tina já sabiam que Mercúrio caçava por ali. Nem sempre as tentativas, ainda mais desta vez com os filhotes, de capturar uma codorna avistada dava certo.
Quando a ave escapava piando e conseguia voar, era a vez dos falcões fazerem um voo de mergulho para pegá-la. Quando terminou de escurecer, voltaram para a toca e caíram no sono.
No dia seguinte, foi Lorena que resolveu caçar com eles, porém no rio, aonde as aves vinham alimentar-se e os pequenos peixes e moluscos, com as águas mais baixas por causa da estiagem, estavam mais expostos e eram mais facilmente percebidos. Mais habituados ao convívio com a mãe, a responder aos seus estímulos e sinais, saíram-se muito bem e, ainda, divertiram-se muito. Porém, logo que começaram a algazarra, afugentaram tudo que havia naquele pedaço de rio...
– Coisas de filhotes – ponderou Lorena – quando tiverem que cuidar de si mesmos e conseguir alimento sozinhos; quando estiverem com fome, isso vai mudar.
Nilza Azzi
Apoio teórico:
Fernando Magnani - Biólogo
Diretor do Parque Ecológico de São Carlos / SP
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