É com prazer que trago ao público entrevista (por e-mail) com a escritora Gerusa Leal, ganhadora do Prêmio Elita Ferreira de Literatura Infantil de 2012, promovido pela Academia Pernambucana de Letras (APL), com o livro “Carolina”. Além de um maravilhoso conteúdo, o "papo" foi recheado de bom humor. Vale a pena conferir!
Querida amiga,
Antes de qualquer coisa, devo confessar a surpresa que foi sabê-la vencedora na categoria literatura infantil, pois não tinha ideia de que também produzia neste segmento, bem como da gostosa sensação de saber que o livro vencedor leva o nome de “Carolina”, que me é tão querido, pois é o nome de minha esposa.
A surpresa foi para mim também, Antonio. Não tenho a falsidade de dizer que não esperava algum retorno, se não esperasse, para quê teria me inscrito? Mas não tinha muita expectativa não, uma menção honrosa e/ou até nenhuma menção já seria um retorno interessante, me diria o quanto ainda me falta trilhar nessa trilha. E muito falta. Mas ser meu texto “o” premiado do ano, alegremente me surpreendeu.
- Este é o seu primeiro livro infantil? De que trata ou quem é “Carolina”?
Eu nunca escrevi literatura infantil. Minto: fiz algumas tentativas de esboçar um texto infanto-juvenil, mas que larguei pelo caminho, sempre achei muito difícil escrever para crianças. As crianças são um público muito exigente, e os paradigmas delas não são os do mercado (se bem que o mercado influencie, vez que influencia o público-alvo), os da academia. A criança gosta do que gosta. E a gente, ao longo da vida, vai se distanciando tanto da infância que fica difícil dialogar com ela (até com a própria infância). Carolina, por exemplo, não foi um texto escrito, em princípio, para crianças. Para ser um texto “infantil”. Mas como eu criei um filho sem nunca estimular nele a linguagem tatibitate, sempre conversando com ele como uma pessoa completa no seu estágio de vida, nunca como um débil mental ou no máximo um ser humano incompleto – como muita gente considera e com base nesse ponto de vista assim lida com as crianças – acabei descobrindo que as crianças entendiam Carolina como muito poucos adultos.
Carolina, resumidamente - já que nenhum ser humano (mesmo personagem de ficção) cabe numa caixinha de fósforo - é uma menina dos seus 5, 6 anos no máximo, curiosa, com uma vida interior muito rica, e persistente como uma mula nos seus propósitos...rs
- Se não, poderia nos falar um pouco desta sua produção?
Reafirmando, salvo uma tentativa frustrada, que ficou pelo caminho, nunca escrevi intencionalmente, conscientemente, para o público infantil. Carolina foi, inicialmente, fruto de um exercício em uma oficina no SESC Santa Rita, em Recife, ministrada por Maria José Duarte onde, dentre outras atividades, foi lido o texto Leitura, do livro Infância, de Graciliano Ramos. O texto de Graciliano, autobiográfico, tinha como tema o desinteresse do menino Graciliano e as dificuldades e estratagemas do seu pai para que aprendesse a ler. A proposta foi, no dia seguinte, levar um texto escrito onde a infância, própria ou de outrem, fosse mote para a narrativa. E assim fizemos, todos os participantes da dita oficina.
- Você utilizou memórias afetivas para compor este texto, das coisas de sua infância ou de outras meninas ou crianças próximas a você?
- Como era a Gerusa criança, pensava em ser escritora? Nesta época, quais os seus livros prediletos?
- Como percebe a literatura infantil brasileira atual, notadamente a pernambucana?
Comentário do editor deste blog: - Tomara!
- Qual a importância do ato de ler para as crianças? Como o(s) seu(s) livro(s) se insere(m) neste contexto?
Bom, eu acho que meio que já respondi essas perguntas acima. E sou suspeita para falar, pois os livros sempre foram (e acho que continuarão a ser, a seu modo), meus melhores amigos. A primeira frase de sua pergunta, pontuada como está, permite pelo menos duas respostas. É imensa a importância do ato de ler para as crianças, acho que é um dos melhores presentes que um pai, uma mãe pode dar para um filho, uma das maiores heranças, é ler para eles. As histórias enriquecem o universo infantil, instrumentalizam as crianças para lidarem com as questões que são próprias à fase de desenvolvimento psico-sócio-sexual, além de serem bons companheiros, entretenimento de primeira qualidade. A importância do ato de ler, (agora com vírgula) para as crianças, é tamanha quanto a de descobrir um universo novo, maravilhoso, inesgotável. É mais ou menos disso que trata Carolina.
- O que você acha da afirmativa de alguns que dizem que a leitura de livros vem perdendo espaço para as novas formas eletrônicas de literatura? E de que, em um futuro não muito longínquo, embora não se saiba bem ao certo quando, já não haverá mais livros na forma como os conhecemos em nossa infância?
Olha, você deu azar, minha bola de cristal foi pro concerto e até hoje a assistência técnica não vem encontrando peça pra reposição...rs O futuro, só a Deus pertence. O que acho é que o livro impresso tem um encantamento, mesmo para as novas gerações, que o e-book não tem. Por outro lado, o e-book é muito prático. Se você tem um tablet, aqueles livrões imensos, que você não levaria daqui pra lá para ler no ônibus, por exemplo, você pode levar. Acho que, em se tratando de livro, “qualquer maneira de amor vale a pena”.
- Neste sentido, qual a contribuição de eventos como a Bienal do Livro e da Fliporto que acontecem no segundo semestre deste ano?
- E de iniciativas como o concurso “Brincar de Escrever” e a “Casa do Livro Infantil e da Leitura de Olinda (CLILO)”?
Mas eu fugi do assunto...rs Como eu te falei, a época do ano é de curtir família, estou com pouco tempo para literatura então, como alguém já disse, me desculpe a prolixidade, faltou-me tempo para ser sintética...rs
Enfim, Carolina só foi inscrita no infanto-juvenil da APL porque a Academia todo ano nos envia a divulgação dos concursos do ano, e na ocasião do de 2012 eu meio que acabava de ter uma experiência que foi determinante para que eu quisesse “testar” o texto inscrevendo ele num concurso.
O escritor Fernando Farias me indicou para uma participação no V Concerto de Leitura promovido pela Escola Municipal Osvaldo Lima Filho, no Pina. Eu não queria ir, disse a ele, e à coordenadora, que depois me ligou confirmando o convite, que eu não escrevia para crianças. Foi-me dito que a escola tinha alunos no primeiro e segundo graus então, para colaborar, arrebanhei um monte de textos e para lá me fui com a sacola cheia.
Lá chegando, me foi destinada uma turminha acho que de terceira série, entre os seus 10/11 anos de idade. Sem saber direito como me virar, comecei a ler textos meus em que tanto o protagonista quanto o tema eram crianças. Tive que selecionar, porque tenho vários nessa linha que não são, absolutamente, infantis. Para minha surpresa, as crianças adoraram, e quando li Carolina, “li”, nos rostinhos delas, que estavam acompanhando tudo, “sacando” tudo, rindo nas “horas certas”, compreendendo uma narrativa que tem lá suas elipses, lendo nas entrelinhas comigo.
Saí de lá com um sentimento maravilhoso, mais por perceber que há escolas como a Osvaldo Lima Filho onde as crianças são preparadas não para apenas decodificar palavras, mas para compreender ou atribuir de fato sentidos a um texto.
Mas logo em seguida a coisa ficou caraminholando em minha cabeça. Será? Será que foi uma experiência isolada, ou esse é um texto infantil apesar da sofisticação técnica que às vezes me faz “ler” nos rostos de plateias adultas ares de burro olhando pro presépio?...rs Então, como teste, inscrevi Carolina no infantil da APL. Logo em seguida recebi a divulgação de um outro de infanto-juvenil, este demandava mais textos, consegui selecionar entre os que escrevo a meu bel-prazer, e que talvez sejam infanto-juvenis, o suficiente para o número mínimo de páginas exigido. Sabe Deus no que dará – ou não dará – mas em geral não acompanho os concursos de infanto-juvenil. Aliás, depois da premiação do de poemas pela APL em 2005, raríssimamente tenho inscrito textos em concursos. Tenho preferido ler, escrever, reescrever.
- Que recado você deixaria para as crianças pernambucanas, em especial para aquelas que desejam, um dia, vir a ser escritoras como você?
- Bom, a palavra é sua, este espaço é livre para as considerações que desejar apresentar...
Só agradecer seu convite para a entrevista e parabenizá-lo e a todos os que vêm criando e mantendo espaços de resistência, de cultivo, de estímulo à criação, como são, por exemplo, as iniciativas “Brincar de Escrever” e a “Casa do Livro Infantil e da Leitura de Olinda (CLILO)”. Nós, crianças, agradecemos J Abraço fraterno.
Nós que agradecemos, Gerusa. E que muitos outros bons livros infantis ganhem vida em seus escritos.
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