Meus amigos,
O Vice-Versa de abril apresenta os escritores Antonio Nunes (PE) e Cléo Busatto (PR).
Parabéns aos viceversistas e muito obrigada pela participação.
Boa leitura a todos!
Um beijo,
Regina Sormani
Cléo Busatto
Antonio Nunes
Respostas de Antonio Nunes (Tonton)
Oi Cléo, antes de tudo, gostaria de dizer de minha satisfação de estar neste Vice-Versa com você, conhecendo-a um pouco mais e, também, apresentar-me aos leitores deste blog da AEILIJ/SP, a quem agradeço a oportunidade, em nome da Regina Sormani que me fez tal gentil e irrecusável convite.
1 - Você se refere ao frevo e ao maracatu em vários escritos de apresentação. Minha pergunta: eles inspiram também a sua escrita literária?
Pois é, é verdade, em muitos dos meus escritos e mesmo em minha correspondência pessoal costumo concluir o texto enviando um cordial abraço da terra do frevo e do maracatu. É uma alusão a Recife, bela e acolhedora cidade, na qual fixei raízes há cerca de duas décadas. Recife é um caldeirão cultural, com muitas manifestações em diversas áreas, que culminam por conferir-lhe uma condição impar de riqueza em vários sentidos desta palavra. Impossível não se sentir tocado ou de, alguma maneira, inspirado ou influenciado por este ambiente efervescente, desde o seu passado remoto. Basta um caminhar por suas ruas, transitar por suas pontes que você se sentirá invadido por um algo estranho, que te fará admirar cada vez mais cada pedacinho percorrido. Quem, assim como eu – nascido em sua vizinha João Pessoa -, por aqui aporta, sente o pulsar desta cidade em seu cotidiano. Este universo do maracatu foi o mote para um dos meus últimos textos de LIJ, Kodmo no Yumê (Sonhos de criança), que narra a chegada de uma família de origem nipônica em Pernambuco nos idos de 1950 que, assim como tantas outras oriundas de São Paulo, veio cultivar flores nestas terras. Por fim, digamos que é uma forma de reverenciar esta cidade onde nasceram minha esposa e filhinha e, posso afirmar, na qual tenho passado os melhores dias de minha vida. Ah, antes que me esqueça, até em meu doutoramento, quando desenvolvi “Uma metodologia de avaliação da qualidade de vida no trabalho para pessoas com deficiência”, terminei por nomeá-lo de “Método Recife de avaliação...”.
2 – Moramos em regiões distintas e com culturas bem marcadas, porém num mesmo país. O que você considera imprescindível na literatura para crianças, para que ela chegue ao coração das que moram de Norte a Sul do Brasil?
Puxa, que pergunta! Daria para escrever uma tese inteirinha para tentar respondê-la adequadamente (mania de professor universitário!). Bom, mas vamos lá... Acredito que a LIJ pode alcançar muito bem estas duas características ao mesmo tempo. A universalidade e o caráter local. E não são coisas necessariamente excludentes. Vejamos. Se por um lado, a inserção cultural da literatura é algo sempre questionado como uma barreira a que outros não-iniciados naquela cultura estão sujeitos e que, deste modo existem limitações para a sua plena compreensão, para que possam participar ativamente e aproveitar de seu conteúdo integralmente, de outro lado, podemos dizer que a humanidade, apesar de sua diversidade, está assentada em traços comuns à condição humana. Portanto, para que a LIJ chegue ao coração das crianças, acredito que seu requisito essencial é que ela seja verdadeira, feita de coração, sem artificialismos, pois entendo existir apenas uma distinção na qualidade da literatura: boa ou má. Desta feita, um texto escrito para ser local poderá, essencialmente em razão de sua qualidade, alcançar o status de universal. E esta é uma condição cujo domínio reside unicamente no leitor, que, indistintamente, onde quer que se encontre, saberá reconhece-lo e jamais o será por mera pretensão do escritor. Afinal, quem de nós escritores tem a capacidade de predizer que um determinado texto será universal?
3 – Alguns dizem que o processo criativo se dá de forma lenta e contínua, refletido e construído com disciplina e dedicação. Outros, que ele chega num rompante e se espalha no suporte. O que você pensa disso?
Como dizemos aqui no nordeste: - Pense numa coisa inexplicável essa tal de inspiração!
Posso dizer que, em mim, ela não segue nenhum padrão previsível. A inspiração pode chegar a qualquer hora (inclusive em plena madrugada, quando saio da cama para escrever com medo de perder o fio da história), em qualquer lugar, sob qualquer pretexto. Por vezes, o texto sai quase completo, toda a história, detalhe por detalhe. Outras vezes, necessitarei de algum tempo para maturá-la. Entretanto, posso igualmente dizer que um perfeccionismo capricorniano me impele a ler, reler, e mais uma vez reler (e também escrever e reescrever) cada texto antes de levá-lo ao público. Posso dizer que criar deve ser um exercício e aprendizado diário e que, sem dúvida, disciplina e dedicação são fundamentais para tanto.
4 – Como despertou em você a vocação de escrever para crianças?
Sabe que eu nunca havia pensado nisso? Acho que antes de imaginar que escrevi algo para outrem, ainda que para uma criança – e olha que adoro crianças, me rotulam de tiozão e, mais recentemente, de paizão etc (risos!) – o faço para mim mesmo, por puro prazer. Ou seja, me delicio, me divirto com minhas próprias histórias. E isso vale para os contos e para a LIJ, e não tem nada de anormal. Certa vez até perguntei a respeito para um amigo terapeuta: - É normal alguém se divertir com seus próprios textos? Ao que ele me respondeu: - Quando lança o seu próximo livro? E me deu aquele sorriso dando por encerrada a consulta. Acredito que a criança que existe dentro de mim se realiza ao ler e apreciar os textos (e como sou exigente comigo mesmo!), além de que, quando vejo olhinhos brilhantes postados sobre os meus livros... Ah, não existe sensação melhor do que vê-los felizes descobrindo algo novo, explorando o mundo, viajando nos nossos escritos... Não é verdade? Se bem me recordo, eu tinha uns 7 ou 8 anos quando registrei o meu primeiro escrito na velha Lettera de meu pai, brincando de ser escritor, em escritos que denunciavam a minha inocência.
Por fim, me resta deixar a cada um de vocês, em especial, o meu mais cordial abraço, desta terra de frevo, maracatu e muita literatura (textos e ilustrações) para o público infantil e juvenil. Até a próxima, tudo de muito, muito bom,Tonton (visitem o nosso blog http://lij-pe.blogspot.com)
Respostas de Cléo Busatto:
1 – Quando conheço pessoas com sobrenome estrangeiro fico a imaginar que, de alguma maneira, traços culturais de seus ascendentes lhe foram transmitidos e que, influenciam o seu modo de ser e seu posicionamento diante do mundo. Isto aconteceu com você? E com a sua literatura?
O olhar que lanço para o mundo se fez mais por conta da minha busca pessoal, que por uma linhagem ancestral. Dela carrego com muito gosto, a predileção pela culinária italiana e por vinho... risos.
Agora, com certeza, nossos ascendentes sempre vão nos legar sua história e a gente transfere traços dessa herança para nossa criação, ainda que recriada pelo tom ficcional. Minha história origina histórias. Ela, resignificada ou não, sem dúvida é a base da minha produção literária.
2 – Como foi a Cléo leitora na infância? Como aquela menina se transformou na escritora de hoje?
Eu sou um modelo de como o ambiente-leitor afeta o sujeito. Nasci num vilarejo no interior de Santa Catarina. Minha família não era rica, mas me deixou um tesouro. Cresci numa casa leitora. Lá havia um móvel, que nos dias de hoje, muita casa de gente considerada culta, ainda não tem – um armário cheio de livros. Um não, dois. O primeiro, de madeira escura, ficava na sala de estar, onde estavam os livros mais importantes e o segundo, amarelo, continha o material pedagógico da minha mãe e mais livros, num cômodo que era um misto escritório atelier.
Nesses armários havia de tudo, de revista Seleção a enciclopédias. De clássicos como Os miseráveis, que li aos 8 anos, a fotonovelas Capricho, Grande Hotel e quadrinhos, Pato Donald, Mickey, Tio Patinhas, Luluzinha.
Quando pequena, eu via meu pai lendo Seleções, O Cruzeiro e livros “que não é pra você”. Depois que ele se aposentou, colocou abaixo a estante do meu irmão e leu grande parte do que havia lá. Meu irmão foi um grande leitor literário e responsável por parte da minha formação. Foi ele que me apresentou Clarice Lispector, Virginia Woolf, Margerite Yourcenar, Mário de Andrade, Joyce, Thomas Mann e por aí vai.
Minha mãe era professora e ensinava na escola multisseriada da vila. Ela foi (é) um espírito transdisciplinar, muito antes de esse conceito existir. À noite, a gente ia para o quarto do armário amarelo e criava. De lá saía casca de ovo pintado para a Páscoa; buque de noiva e guirlanda de primeira comunhão; material para as aulas, com direito a purpurina; colcha de crochê; livro velho encadernado e transformado em novo e por aí vai. Para mim era um parque de diversão, eu cortava, colava, dobrava, lia!
Durante o dia ia para escola com ela e logo estava lendo. Tinha três anos e meio. Ela descobriu essa habilidade, quando escreveu algo no quadro-negro e invés do seu aluno ler, eu li. Tempo depois, já com quatro e meio, fui visitar minha irmã mais velha, no colégio das freiras, onde ela estudava. Minha mãe contou à madre superiora que eu já lia. Essa mulher me levou a sala dos professores, onde havia estantes de madeira escura, do chão ao teto, repletos de livros. Tirou de lá um livro grosso, colocou-o em minhas mãos e disse leia. Lembro-me da sensação dessa cena, um misto de medo e timidez diante da autoridade.
Eu abri o livro e comecei a ler e enquanto lia me transportava para o cinamomo, que ficava atrás da janela da cozinha da minha casa. Eu subia pelos galhos grossos, atingia o topo, roubava a galinha de ouro e voltava a salvo para casa, a tempo de derrubar árvore e destruir o gigante e sua mulher. Lia a história de João e o pé de feijão.
Ainda que eu não soubesse, quando abri aquele livro, abri também a possibilidade de gerar a contadora de histórias, a escritora que agora lhes escreve. Não faz muito tempo que me dei conta da dimensão desse fato. Foi nesses movimentos, entre o mítico e o mágico, que me revelei criadora. E essa é a história da Cléo, de menina leitora à escritora.
3 – Dia desses uma amiga minha e mãe de um esperto garotinho de 9 anos me sugeriu escrever um livro para os pais que seria intitulado “Técnicas e métodos de respostas rápidas aos questionamentos dos pequenos - sem traumas”. Você já enfrentou situações que caberiam neste livro? Como a literatura infantil pode ser útil neste sentido?
Eu não vejo sentido utilitário para a literatura, muito menos com o texto para as crianças. Creio que o sentido de uma história, seja nos transportar para seu universo, para que possamos viver aquela vida por instantes e voltar enriquecido com a experiência do outro. É subir o cinamomo e descer mais potente.
Lembro que quando li Robson Crusoé, com meus sete, oito anos, foi como descobrir que eu também gostaria de desbravar novas terras, que eu também poderia me virar e ter ideias fantásticas para driblar as dificuldades. Robson Crusoé e suas aventuras me mostraram que eu também posso ser corajosa e sobreviver aos naufrágios que a vida me apresenta.
4 – E as clássicas perguntas para uma escritora. O que a inspira a escrever um texto infantil? Como se dá o seu processo de criação? Ah, e me fala daquele gato negro de olhos verdes bem acesos e piscantes no teu site que ficava me olhando o tempo todo... Quase que fiquei hipnotizado! Risos!
Pois é, aqui não tem regra. Qualquer coisa pode me inspirar para uma história. Já meu processo de criação se dá como um jorro. As ideias, as palavras e imagens ficam maturando dentro de mim, por um tempo que não sei precisar. É o tempo delas.
Chega uma hora, que vêm para fora e aí eu as registro. As recebo como quem recebe um presente. E vem uma história pronta. Depois é só trabalhar a linguagem. Foi assim com O Florista e a Gata. Ele surgiu durante a madrugada. Quando o dia nasceu, a história estava montada.
Por outro lado, escrevo diariamente. Registro em cadernos de 200 páginas tudo o que se passa comigo. Já são mais de trinta. É meu bom exercício, pratico o estilo, elaboro a linguagem e crio a memória da Cléo. Ela me é necessária. Quando preciso de um olhar mais apurado para o passado, eu vou lá, releio os sonhos, percebo como as coisas me tocaram, acompanho as transformações. Aqui, é a escrita provocando ressonâncias e redimensionando meu ser. Quanto ao gato, Tonton, esse é o Mel. Um gato delicioso, amoroso, macio. Era um filhotinho abandonado na Ilha do Mel e eu o adotei. Agora está lindo, parece uma daquelas esculturas egípcias. Virou meu mascote e inspirou a marca da Cléo.
Um cheiro carinhoso, Tonton
Obrigada por me ouvir, carinho, Cléo.
4 comentários:
MARCIANO VASQUES2 de abril de 2011 06:08
Regina,
Parabéns por mais essa edição do Vice&Versa. Coisa linda reunir pessoas do mundo artístico e Literário para conversarem, pois é assim que eu vejo essas entrevistas, como uma saborosa conversa.
Um armário cheio de livros na infância? Um não, dois! Tesouro é isso...
Gostei do que li e renovo meus parabéns. Sinto orgulho e alegria por estar ao seu lado nessa caminhada.
Um beijo no coração dos três: você e os entrevistados.
Anônimo4 de abril de 2011 10:40
Tonton e Cléo: foi bom demais da conta, como dizem meus conterrâneos, conhecer um pouco mais de vocês! Tive até vontade de entrar na conversa... E parabéns a você também, Regina, que é o traço de união entre eles e nós! Beijos para o trio,
Angela
cleobusatto6 de abril de 2011 10:19
Oi Angela, entra no papo, sim,que fica ainda melhor. E não é um tesouro, mesmo, Marciano? beijos pra vcs, Cléo
Tonton19 de abril de 2011 06:39
Como dizemos por aqui, nestas terras de frevo, maracatu e muita LIJ, com tanto carinho dos amigos (novos, inclusive) fica sempre um gostinho de quero mais. Não é verdade? Convido todos vocês a conhecerem um pouco mais do projeto LIJ-PE que estamos contruindo em coletivo. Por gentileza, dêem uma olhada em http://lij-pe.blogspot.com
Se tiver uma tapioca de queijo de coalho e um cafezinho quente, contem comigo para muitas horas de papo. rs!
Abração e tudo de muito bom, Tonton
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