sábado, 23 de junho de 2012

SP: Página do Rospo (6)

REMOVER SIM, REMOER NÃO!


Ao encontrar um amigo, Rospo observa seu semblante cabisbaixo e para romper a mudez arrisca um diálogo.
—O que está acontecendo, amigo?
—Tudo anda difícil. Não consigo nem pensar direito. São tantas as dificuldades...
—Sei, está remoendo.
—E deveria fazer outra coisa?
—Sim, tem sapo que neste mesmo instante está removendo.
—Remoendo, removendo. Aprecia brincar com as palavras, não é, meu amigo?
—Remover é mover novamente, mas também é um remo que movimenta o olhar. Remover pode ser remar a visão. Remover pode ser desentulhar a mente. 
—Lembra do que me disse em nosso último encontro?
—Perfeitamente. Nos despedimos sob José Ortega y Gasset...
—"Eu sou eu e minhas circunstâncias", vive a repetir isso, Rospo.
—Considero interessante. Mas compreendo também que a serenidade socrática nem sempre é possível. De qualquer forma, quero que saiba que entre se pôr a remoer e a remover, melhor sempre optar pela segunda.
—Falar sempre é mais fácil.
—Nem sempre. Às vezes, falar é o mais difícil.
—Rospo, passei a vida inteira ornando o meu ser, e agora, estou numa indecisão tremenda. Todo desesperado.
—Num certo momento, de nada adianta emplumar-se a alma, quer dizer, de nada adiantam solenidades. O que importa para o ser são os cuidados. Se você descuidou-se de si, não viverá o apogeu da alegria. 
—Rospo, seja mais claro. Excesso de leitura deu nisso?
—Ao contrário. A leitura torna o ser mais claro, mais objetivo, mais nítido...
—E por qual motivo então do lado de dentro do muro tantos se tornam cada vez mais labirínticos, mais complicados, com o pensamento mais rebuscado, mais enigmático? Seria excesso de prevenção? Seria uma espécie de égide? Um escudo usado para se preservar da "ganância" popular em se adentrar no mundo da Filosofia?
—Meu amigo, você está de bem com a vida, só não se deu conta. O que significa que está na hora de remover os entulhos que tanto o incomodam.
—Sabe, Rospo, talvez eu necessite do amparo da solidariedade dos amigos.
—Será que esse amparo, no seu caso, não seria por acaso, um sentimento gerador de pena comunitária? Às vezes a tristeza é tão atraente! Frequentemente o fracasso é regozijo da alma alheia. Deve ter reparado o quanto é difícil para a maioria aplaudir o sucesso de alguém próximo? Se você se mostrar remoído, certamente despertará paixões improdutivas...
—É muito para a minha cabeça, Rospo. Deixe-me aqui remoendo. Isso me causa um certo conforto.
—Pois então que continue a viver confortavelmente. Cá eu tentei removê-lo, mas parece que a argumentação está encontrando bloqueios sedimentados. Tchau, meu querido.

No caminho, Rospo encontra a velha amiga.
—Sabapela!
—Rospo! Agora meu coração sabadoficou.
—É?
—Não está vendo? Sabadofiquei-me. Veja como estou alegre.
—Para onde vai, amiga?
—Vou à padaria Rubi, comprar o pão nosso...
—Sorvete?
—Viva! O sábado começou! Venha comigo.
—Como estão as dificuldades, querida?
—Clamando para serem removidas, meu amigo.
—E como se faz isso, minha bela?
—Enfrentando-as;
—Ás vezes as dificuldades são tão poderosas e imensas que parecem até deusas.
—E daí? Sou uma titânide.
—Yupiiii!


MV

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