Personagem do bem
Todos nós já passamos por experiências diferentes, engraçadas até, quando viajamos. Nos anos 90, eu costumava ir à França com meu marido que tinha um projeto de secagem de alfafa em uma pequena cidade chamada Nangis, terra por onde andaram os pés de Joanna D’arc, quando da Guerra dos Cem Anos, e fica, aproximadamente, uma hora distante de Paris. Provins, Fontainebleau Palace, Chateau de Motte-Tilly, inúmeras opções em um raio de 50 quilômetros serviam de motivação para acompanhá-lo muitas vezes a essa pequena cidade. Enquanto ele trabalhava, eu passeava ali por perto.
Bons tempos aqueles! Eu torcia sempre por um pouco de fogo na fábrica. Como a alfafa é auto combustível, quando esquentava demais no secador, o pequeno incêndio começava e os engenheiros ficavam malucos tentando resolver o problema. Eram apenas inícios de incêndio, havia um protocolo de segurança a seguir e nunca houve nada de grave, felizmente, para eles e para mim! Os franceses precisavam secar o produto para estocá-lo e servir de alimento para os animais no inverno. Enquanto eles analisavam o problema, eu aproveitava para conhecer toda aquela região, sozinha, o que nunca foi problema para mim. Sempre adicionávamos uns dias de férias no final do período, não tínhamos filhos,então, e tudo era festa.
Durante os dias em que ele trabalhava, eu ia de trem a Paris, e voltava ao entardecer. Ou, de carro, percorria cidades medievais, estacionava e caminhava em ruas de pedras, me encantava com flores coloridas nas janelas, visitava museus e castelos, almoçava em um restaurante charmoso com uma boa taça de vinho. À noite jantávamos em cidades próximas, ou na beira do Sena. Eu não falo francês, fiz apenas um ano de curso com os alunos de Letras da USP, só aprendi o básico e, hoje, nem do básico me lembro mais. Isso nunca me impediu de me aventurar por lá, em um país onde poucos falavam inglês, há vinte anos.
Uma vez, tive dor de cabeça. Eu não consegui entender o que se passava, começou com dor de ouvido, depois no maxilar e de repente estava morrendo de dor. Problema de canal! Falei na recepção do hotel onde estávamos hospedados e me indicaram o dentista da cidade. No dentista, eu tentei me comunicar com a secretária que não falava nada além de francês, mas viu meu rosto inchado e fez sinal que eu me sentasse ao lado de uma moça morena e aguardasse . Eu perguntei à moça : “Do you speak English?” ela fez sinal com a cabeça de não. “Kan Du godt tale dansk?” arrisquei, pois na Dinamarca tem muitos imigrantes. Nada. “Sprechen Sie Deutsch?”. Nem pensar. Eu também não falo alemão, nem espanhol, fiz também um ou dois anos quando jovem, mas com o medo que eu tenho de dentista, eu me comunicaria até em japonês. Precisava de alguém que entendesse meu pedido de socorro e segurasse a minha mão. Ou me impedisse de fugir, se necessário fosse. Ok, já desistindo: “Hablas Espanhol?”, e ela, sorrindo me disse: “Não, eu só falo português”.
Inacreditável, uma intérprete de português e francês, ali, bem ao meu lado! A portuguesa me acompanhou o tempo todo, traduziu tudo e deixou-me muito mais calma. Ofereceu seu número de telefone. Ligou depois no hotel para saber se eu estava melhor. Coincidências da vida. Tenho muitas histórias daquela época. Algumas engraçadas, outras nem tanto. Já furou o pneu do carro em uma estrada no meio do nada, eu sozinha com dois filhos pequenos, voltando de um Akvarium na Dinamarca e quando olhei ao redor estava na porta de uma borracharia, que apesar de fechada, tinha, excepcionalmente, uma pessoa trabalhando naquele anoitecer no próprio carro... Um dia eu conto a história de quando eu desci um penhasco na Itália por quilômetros e percebi que não tinha saída e nem espaço para virar o carro e voltar...
Sempre encontrei ajuda por onde passei. A gentileza é uma benção, ainda mais assim, quando a pessoa não espera nada em troca, faz com o único objetivo de ajudar um desconhecido. Todos nós podemos fazer isso. Todos nós podemos ser um personagem na vida de alguém. Ser um facilitador, um mensageiro de gentilezas. Por um dia ou por uma vida toda.
Simone Pedersen
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