Alô, pessoal!
O escritor Adriano Messias (AEILIJ SP) e a ilustradora Cris Eich (SIB/AEILIJ SP) participam deste Vice-Versa. Grata pela participação!
Um grande abraço a todos.
Regina Sormani
Cris Eich
Adriano Messias
PERGUNTAS DE ADRIANO MESSIAS PARA CRIS EICH:
1) Cris, eu tenho me voltado ultimamente para questões que relacionam o mundo dos textos escritos com o mundo das imagens visuais. Na verdade, indago-me se ambos os mundos são mesmo tão separados, como uma certa tradição assim o desejou. Como você percebe imagem e texto em seu trabalho? Há mesmo uma separação tão evidente?
R) Temos dois olhos, a captação do mundo ao nosso redor se dá de forma separada, mas é processada unida, do contrário, seria incompleta. Os mundos são separados? Sem dúvida, a linguagem verbal tem uma natureza diversa da linguagem visual, o que não impede que ambas sejam melhor apreciadas quando unidas. Existe o prazer estético em um bom texto, claro, como existe esse mesmo prazer ao olharmos pra uma arte. Assim, quando temos as duas experiências caminhando juntas, poderíamos dizer que estamos num outro patamar na experiência da leitura.
2) Partindo deste ponto de vista, gostaria de saber se você entende que, em relação às imagens criadas por um ilustrador, existe também a necessidade de um sujeito “educado”. Ou seja, é bem- vinda uma educação “para” e “pelo” olhar, assim como tem-se insistido em uma educação “para” e “pelo” texto escrito?
R) Diferente do código verbal (é correto dizer isso?), a experiência visual pode acontecer separadamente do total entendimento do que o objeto pretende comunicar. O mesmo acontece, por exemplo, com a música, onde não preciso ser uma profunda conhecedora de teoria musical para me deliciar com algumas peças mais complexas, digamos assim. Não são muitos os profissionais no ensino ou mesmo no mercado editorial com formação consistente em artes plásticas. Trabalhos nesse sentido têm sido feitos, mas ainda levará algum tempo, acredito eu, até que essa formação se reflita de forma consistente. O que hoje já existe são alguns livros ilustrados fazendo uso da linguagem plástica. E sem perder de vista a criança, porque, do contrário, se sofisticado demais, o livro pode tornar se uma coisa intelectual, até chata.
3) E, já que falamos de educação, aprimoramento do gosto e da sensibilidade, gostaria de saber se você acha que existam filmes, por exemplo, que podem ajudar na formação daqueles que se interessam pelas artes plásticas.
R) Artes plásticas e cinema são, para mim, experiências diferentes, não procuro uma na outra. Filmes sobre pintores, movimentos estéticos são boas fontes de informação e entretenimento, mas prefiro me fixar nas histórias bem contadas, roteiros inteligentes e bem desenvolvidos, enfim, boas narrativas. Afinal, elas são o fio de nossa atividade, narrativas verbal e visual: por exemplo, podemos falar em filmes adaptados de livros, que quando bem resolvidos, são surpreendentes justamente pela dificuldade de conciliar linguagens tão distintas como a cinematográfica e a literária .
4) Para continuar nossa prosa, eu gostaria de saber de você onde uma pessoa interessada em ilustrar livros infantojuvenis poderia buscar orientação. É grande o número de jovens que resolvem entrar no caminho da ilustração, e há aqueles que buscam especificamente o universo mais voltado para crianças e jovens. Há aquela dica especial que você gostaria de dar a eles?
R) A expressão artística em forma de ilustração, desenho, gravura, colagem pode acontecer de forma espontânea utilizando qualquer técnica, desde que haja algum domínio e muita criatividade. Mas, a formação cultural fará a diferença, nosso repertório visual depende disso e se reflete no trabalho, é fato. Mas ilustração compreende traduzir, dialogar com um texto, assim, a compreensão da narrativa como um todo é essencial para que haja uma parceria entre a sua praia e a minha, pra não ficarmos só na "decoração" de um texto e, pra isso, não existe outra receita senão trabalho, estudo, trabalho, estudo... e alguma sensibilidade, ah, como fui me esquecer dela?
PERGUNTAS DE CRIS EICH PARA ADRIANO MESSIAS:
1) Costumo ler que a literatura infantil é um ramo "menor" da narrativa; quando você produz um texto infantil pensa em usar simplificações de estilo e linguagem que facilitem esse entendimento ou confia na capacidade dos pequenos leitores?
R) Cris, as simplificações de estilo e de linguagem não se justificam se utilizadas com o intuito exclusivo de "facilitar" a leitura. Eu acredito em um texto que possa ser apreendido em camadas, como um palimpsesto, e daí cada sujeito tem condições realizar um ato interpretativo dentro de suas atribuições e possibilidades. O que não quer dizer, entretanto, que um texto simples seja um texto "simplificado". E há quem confunda isso. Um bom texto será sempre um bom texto - mesmo que não tenha construções sintáticas muito elaboradas. Hoje, no Brasil, eu vejo duas realidades: há crianças com formação educacional excelente e elas não podem ser subestimadas. São leitores "espertos", vorazes, antenados. É a geração 100% inserida no mundo da virtualidade e da hipertextualidade. É a geração que lê livros de mais de 500 páginas e tem prazer em acompanhar séries inteiras. É possível que estes leitores sejam leitores mais felizes. Porém, outra realidade diz respeito aos pequenos leitores que nem sequer têm acesso às condições mais básicas de vida, e, para eles, a leitura se torna uma atividade distante, ausente. Estou falando de milhares de crianças que estão dentro de um sistema de ensino - sobretudo fundamental -, que aprova por aprovar. Elas chegam ao ensino médio, ou mesmo superior, com sérias falhas de letramento. Infelizmente, estas pessoas não conseguem vivenciar um texto de forma mais fecunda ou, se o experimentam, ficam nas camadas mais superficiais do “palimpsesto”.
2) Mas, e do lado do texto, Adriano, existe a necessidade de escrever com o “freio-de-mão” puxado?
R) Ninguém deve escrever como se tivesse um "freio-de-mão" travado, até porque esta é uma tétrica metonímia de um funcionalismo maquinário que já quis entrar na literatura na segunda metade do século passado. Esta questão me remete também à produção em série e à indústria de massa, tão criticadas pela Escola de Frankfurt, a qual dominou a crítica das mídias até lá pelos anos 80 e, por que falei em mídia? Porque sempre entendi a literatura como parte também do universo midiático. Hoje, o que fazemos é tentar reconciliar as coisas: é possível se fazer um trabalho muito profícuo, com qualidade, e imensamente bem distribuído, o que faz os adornianos que ainda sobrevivem em seus últimos redutos torcerem o nariz, uma vez que um bom trabalho autoral pode ter uma distribuição massiva. O resultado é a abertura da leitura (e entendo aqui leitura de texto, leitura de imagem, e, consequentemente, leitura de mundo) para milhares e milhares de pessoas - não digo apenas crianças. Já se foi o tempo, portanto, de livro como artigo de elite, artigo de luxo. O que temos é um acesso à literatura como nunca visto. Porém, apesar de todos os incontáveis esforços que temos visto, sobretudo nos últimos dez anos, acredito que falta muito em termos de educação dos sentidos, da percepção, do gosto estético, do entendimento do que é realmente uma obra. Penso que isso se resolva com programas – tanto governamentais como de iniciativas privadas e mesmo individuais – que sejam consistentes, perseverantes e que visem à “educação do olhar”, à exposição de leitores aos livros – aos textos e às imagens que eles contêm. Em suma, é preciso ainda uma aproximação mais carinhosa das pessoas com o produto e o objeto livro, com os escritores e ilustradores. Ainda precisamos tornar as artes plásticas e visuais mais próximas das pessoas. Isso também é obtido colocando as pessoas para criarem. O processo de leitura de um livro é, também, um processo de criação. Por exemplo, no caso da música, mencionada por você... Veja como há crianças que só têm uma referência estética musical! E que gosto musical espera-se que as crianças desenvolvam se apenas conhecem aquilo que escutam no celular ou em casa, e se aquele tipo de música é, para elas, o único? Há sempre a necessidade de uma educação estética e sensorial para tudo. Acho ótimo que tenhamos tantos cursos gratuitos para quem quer começar a ilustrar, a escrever, a desenvolver um pensamento crítico, não é mesmo?
3) Falando em adaptações para cinema, que tal mencionarmos os fenômenos de venda como as séries Crepúsculo e Harry Potter? Ao mesmo tempo em que suas qualidades literárias sejam discutíveis, esses livros garantiram o hábito de leitura a toda uma geração que poderia ter se voltado ao mundo digital. Paradoxal, não é mesmo? Quando li o número de exemplares dos livros vendidos pelo mundo todo, juro que parei de criticar as aspirações estéticas das autoras, rsrsrs.
R) Concordo com você em relação ao que disse sobre as séries. Elas mostraram às editoras que livros com muitas páginas atraem leitores mais jovens e que histórias bem escritas podem proporcionar muito prazer na leitura. Independentemente de questões de estética, há textos instigantes, complexos. Hoje, fala-se muito em “convergência das mídias” – então, vemos essa geração novíssima abraçando livros impressos, livros digitais, utilizando redes sociais, economizando as palavras no twitter, soltando o verbo nos blogs, publicando livros independentes... Quem está se habituando a ler está lendo livros grossos, livros finos, livros mais visuais... Explora-se de tudo. Este é um momento muito bonito para a criatividade e para a produção de bens culturais.
4) E as pessoas que procuram o universo literário? Blogs, novas mídias voltaram a atrair inúmeros aspirantes a escritores, a maioria com um teclado à mão e uma ideia na cabeça.Será possível todo esse fluxo de textos convergir para um aprimoramento de estilo e conceitos ? Ou banalização da linguagem? Gostaria de acreditar que vivemos um momento lindo de democratização do conhecimento mas, sei não, às vezes me assusto com tanto conteúdo ...
R) Sim, e fica difícil entendermos o processo quando também somos parte dele. O importante é fazer um trabalho honesto e fruto do empenho e da dedicação. Cris, vou ficando por aqui, pois nossa conversa se alonga e chega uma hora em que precisamos pôr um ponto final na história, não é? Um grande abraço e muito obrigado por mais uma parceria.
CRIS EICH - Nada de ponto final, Adriano, sou a favor das vírgulas! rssrrs. Te agradeço novamente pelo convite pra trocarmos figurinhas, valeu, beijo.
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