A COISA MAIS SIMPLES DO MUNDO
A ideia do patriarca, como o pai absoluto, o coronel, o mandatário, o chefe de família, é ultrapassada. Não mais pode ser considerada adequada, sequer cogitada em nossos dias, que são dias de urgências.
Muitas foram, através dos séculos, galgando gerações, as contribuições para deformação do sentido de ser pai.
O pai bruto, o que proibia a filha de estudar e de aprender a ler, “Filha minha não vai escrever bilhete para namorado”, o que dava ordens e o menino tinha que voltar antes do cuspe secar, o que espancava os filhos — Não que tal coisa tenha sido por completo extinta, porém, e é esse porém que aqui nos interessa, pai hoje, mais do que nunca, significa um ser amoroso, de diálogo; essa é a sua dialética.
Quando se é temente, quando o filho treme apenas, não se trata mais de pai, mas sim de uma anomalia paterna, um desvio da essência. Não se trata de pai na sua mais pura concepção, mais autêntica.
O homem que se move num universo caseiro de diálogos, com palavras que abraçam, esse homem, ao ser respeitado, não temido, mas cultivado em harmonia de respeito, simboliza com desenvoltura o pai, tal como emerge, tal como se expande nos lares das primeiras décadas do século XXI.
Tudo parece mais simples quando está no papel, mas na verdade é assim que deve ser: simples, como simples são as coisas que realmente importam.
Ao ver um homem ensinando um menino a empinar pipa, ensinando a menina as primeiras sílabas no lápis, ou, se for o caso e assim será num futuro breve, nas teclas, um pai valsando ao vento, num sorvete, num carrossel, um infinito carrossel, lavando os olhos da manhã num orvalho de poesia, um homem que ensina que dragões e medos são enfrentados se olhando de frente.
Um homem que viaja nas histórias de um livro, que mora num ilha do tesouro, que torna-se a cada dia um soldadinho de chumbo, que ouve quando o Mickey diz que já são 350 horas, um pai que ensina os primeiros passos ao lado dos heróis interplanetários na fortaleza de poemas, que mostra à menina e ao menino, que o caminho já foi aberto por Cecílias e uma Cora Coralina de doces e quintanas, que mostra ao menino que o carrinho de rolimã pode desbravar mundos e sumir na poeira da tarde na aventura de crescer, que empina a pipa e conduz o seu pequeno linha afora no aconchego de um azul de imensidão e papel de seda: eis aí o pai.
Eis aí a coisa mais simples do mundo. Basta para isso ter os olhos lavados e enxugados na correnteza da cristalina água do rio que corta rotinas e asperezas.
Eis aí a coisa mais simples do mundo. Mãos dadas e um menino precisando de rumo, um filho que é um filho que é um tesouro que é uma brincadeira no capinzal, que é um parque de diversão numa roda gigante que gira e gira e gira numa constelação de rimas e parlendas...
E todos os dias um beijo pelo menos.
E aos domingos a sabedoria de que domingo pede cachimbo, pede palavras, abraços, pastéis, amizade, sorriso, ternura, confiança, um anel que era de vidro, um “Era uma vez” que sempre será, uma graça de uma piada que diz que o tempo diz que o tempo tem muito tempo ainda, mas que se esconde num esconde-esconde de cavalgada desembestada em relâmpago, atrás das folhagens, e é cheio de armadilhas. Quem bobear o perde, já perdeu, e um pai sem tempo não poderá descobrir a doçura de ser o melhor amigo.
MARCIANO VASQUES
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