DIÁLOGOS ANCESTRAIS
—Rospo, precisa ser um pouco vaidoso.
—A vaidade deixo com exclusividade para você, Sapabela. Uma sapa vaidosa é tudo de bom.
—Hoje, Rospo, o sapo também se preocupa com a aparência. Ele também se cuida.
—?
—Se ficou mudo é sinal de que vai pensar. Promete? Vai?
—Sapabela, certa vez um professor de Metafísica comentou em tom debochado: "Os gregos tinham deuses para tudo".
—Promete que vai pensar, Rospo?
—Eu fiquei anos pensando na fala daquele professor...
—E então?
—Então esperei o dia em que eu viesse a compreender essa questão.
—Com o professor?
—Não! Com os gregos.
—E chegou a alguma conclusão?
—Fiquei emocionado ao saber que a imaginação ocupou de forma tão profunda e criativa o espaço do conhecimento científico que eles não tinham.
—Isso é fascinante. Emocionante. Maravilhoso!
—Verdade. Na ausência do conhecimento científico a imaginação exerceu o seu poder numa expansão jamais vista nos tempos que viriam. Terremotos, vulcões, ondas, vagalhões no mar, noite, tempestades...Tudo isso deu origem à monstros, criaturas terríveis, e também deuses, titãs, deusas...
—É de fato encantador, a incompreensão dos fenômenos da natureza engendrou um universo de deuses e criaturas jamais vistas em qualquer outro tempo
—E tem mais.
—É?
—Os mitos são tesouros da mente humana, atravessando milênios.
—Por que diz isso, Rospo?
—O mito se refere ao seu interior, à sua mente, ele estará dentro de você...Se você tiver o dom de ouvir.
—Ouvir virou dom?
—Em nossos dias sim.
—Então, o mito diz sobre nós, ele fala ao nosso interior, ao ser de cada um, ele tem mensagens para a alma de cada um.
—Isso, Sapabela. São mensagens entesouradas em nós. Cada um deve procurar a sua conversa com o mito...E permitir que ele entre dentro de si, o lugar sagrado...
—Sagrado?
—Sim, dentro de cada um colidem universos, mundos... Reinos...
—Reinos?
—Exato. Dentro de cada um está o céu, e todos os mundos... E o reino Daquele que é. E muitos já sabem: Ele é em você.
—Rospo, tem sapo que já escreveu isso.
—A palavra, Sapabela, está numa corrente universal infinita e pertence à todos. Quando ela sai do papel e penetra no interior de alguém, esse alguém torna-se portador da palavra. E se alguém escreveu algo sobre os mitos nos tempos dos tempos, esse alguém nos herdou, nos devolveu a necessidade de ouvir, ou ler. Por isso, como eu já disse, procure salientar a sua conversa com o mito. E não se esqueça, tudo isso está num plano superior. Basta simplesmente ser portador da coisa mais difícil.
—O que vem a ser essa coisa mais difícil?
—O "Querer".
—Coisa mais simples.
—Vai pensando, vai pensando...
—Rospo, ouvir uma narrativa mítica é ouvir. Não conversar.
—Ouvir verdadeiramente é uma forma de conversa. E quando você se inclina para o chamamento do mito, você já está em pleno diálogo dentro de si. Ouvir nesse caso é uma ação dialógica.
—Eu sempre leio.
—É o passeio ancestral dos olhos.
—Rospo, que bom me dizer essas coisas, mas, fale: vai pensar no que eu falei sobre o sapo também ser vaidoso? Lembre-se: a boa vaidade melhora o mundo.
—Sapabela, você não desiste?
—Por acaso já procurou o significado do meu nome?
—Não. Qual é?
—Sapabela significa "Aquela que não desiste".
—Impressionante!
MV
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