sábado, 7 de julho de 2012

SP: Página do Rospo (8)



A ARTE NÃO SE COMPRA


—Estou muito feliz por você ter aceito o meu convite, Sapabela. Faz tempo não vinha ao museu.
—Eu também estou feliz, Rospo. Recentemente, me pus a pensar no preço que pagam por telas clássicas...
—Curioso isso, Sapabela.
—O que tem de curioso? Quem tem dinheiro pode adornar a sua morada com coleções de arte...
—Isso não me parece simples, de imediato.
—Rospo, eu o conheço. Diga o que está pensando.
—A arte não tem preço.
—Concordo.
—Se a arte não tem preço, não pode ser comprada.
—Parece lógico.
—O que não pode ser comprado não pertence a ninguém. E não será mercadológico.
—Óbvio. E gosta de rimar a minha conversa.
—Então, ninguém pode ser dono da arte.
—O que é de ninguém é de todos.
—O mesmo se diz sobre a literatura e a poesia.
—E até uma cantiga de criança.
—Naturalmente.
—Se a arte é de todos, ela é do mundo. A Arte está em toda parte.
—A árvore é do mundo, e tudo que nele está, virou mercadoria. É a lei da sobrevivência.
—Correto. No caso da árvore, temos para com ela uma gratidão infinita.
—Temos?
—Filosoficamente sim. Mas ninguém se lembra da árvore quando risca um palito de fósforo ou se senta à mesa para jantar... Ou leva o chocalho ao bebê no berço...
—Entendo, mas qual é a questão, Rospo? Árvore é árvore, e Arte é Arte.
—Eis a grande diferença, o grande mistério.
—Diga mais.
—A árvore foi “civilizada”, ou seja, ela se tornou benéfica para o sapo e então, foi transformada em coisas que já não eram mais árvores, porém estava lá cumprindo o seu ritual de servir, de propiciar conforto... Separou-se, quer dizer, foi separada da comunhão.
—Tudo bem, mas assim como a árvore, também a arte nasce e vive para trazer felicidade ao sapo... Assim como a poesia, a literatura. São formas da felicidade.
—Mas em outro plano, Sapabela. No caso da Arte, ela não pode ser comprada.
—Tem certeza?
—Quando alguém compra um livro está comprando o objeto transportador das letras, o acondicionador...O livro se compra, mas a poesia não, a literatura não. Elas jamais pertencerão a alguém em particular. A literatura e a Poesia pertencem ao mundo...
—Entendi. Pelo menos penso que entendi.
—Como pode alguém comprar a poesia, se a mesma poesia eu a tenho em mim, compreendeu?
—Sim, isso só seria possível se não houvesse um só alguém que memorizasse um poema, que o preservasse em sua memória, que introjetasse o poema em si. Milhares de seres caminham nas calçadas do mundo levando consigo a poesia... Como vê, poesia e carro são diferentes. Se alguém compra um livro e o coloca na estante, e o livro servirá de adorno, esse alguém não tem a poesia em si, ele tem apenas o objeto, nem poderá se dizer livre, que é o chamado do livro.
—Do que fala, Rospo?
—O livro diz: Livro! Mas só pode de fato garantir a liberdade para a alma que o transportar em si. Quem compra e tem muitos livros mas não os abriu jamais, tem algo que não diz nada. Parece complicado, mas é. Porém, a complicação é apenas a opção do conforto, do não movimento da mente.
—Sei, e a Arte...
—Veja esse quadro. Que coisa bela!
—Ama a pintura clássica, não é, Rospo?
—Veja que o quadro está aí na parede, mas é só o objeto transportador, compreende? Uma reprodução desse quadro poderá estar no apartamento de alguém.
—Sim?
—Mas a arte, que se expressou na pintura, como o poderia ter feito na música. Isso, essa coisa, está além do quadro. Está nas mentes e nos corações. O que seria a Guérnica, de Picasso, por exemplo, se tivesse permanecido apenas numa tela?
—Claro, Ropo! Algo me veio num clarão! A Guernica de Picasso está em mim, na minha mente, na minha alma, no meu coração. Ela representará sempre para mim o horror diante da guerra. Mesmo que eu não venha ao museu, ou não vá ao Google, essa arte que se expressou numa tela, estará sempre em minha consciência, é tão simples!
—A simplicidade é a segunda opção, mas requer, clama para sim um esforço, um grande empreendimento do pensar, que é a dádiva mais emocionante na vida de um sapo.
—Rospo, isso se aplica em qualquer Arte.
—Claro, você pode comprar um Long Play de cantigas de crianças. Mas as cantigas estarão onde sempre estiveram, no coração das mães que as cantam e ensinam aos seus pequenos.
—As professoras, os pais...
—Isso mesmo, Sapabela! Quem disse que eu posso comprar “O Cravo Brigou com a Rosa”?
—Pode não, Rospo. E esse quadro, ou seja, a Arte que nele está emoldurada eu a levarei comigo, e falarei dela um dia para alguma Sapabelinha. Tenho até vontade de chorar.
—Mas não chore. Museu é local de felicidade, de alegria.
—Rospo, viva a Arte! E quero um riso alto de montanha encantada. Um riso que será uma gargalhada, que é também uma bonita forma de chorar de felicidade.
—A Arte vive, pois não se pertence mais a partir do momento em que nasceu.
—Já pensou se tivéssemos que pagar direitos autorais pelo que habita o meu pensamento, e o meu coração?
—Sapabela, que alegria estar num museu com uma amiga tão preciosa...
—Rospo, veja aquelas esculturas!
—Pois é, elas estão nas calçadas do mundo. Já não se pertencem mais. Tornaram-se expressões artísticas do mundo.
—Rospo, sei que sou elegante, mas fico sempre em dúvida: sou a Arte ou uma obra de arte?
—Você é arteira.


MV

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