O LÁPIS VERMELHO
Oal Aul Ial Lá estava eu, quem diria, com ele em minhas mãos. Entre tantas coisas tão importantes, como o pião, as bolinhas de gude de translúcidos verdes e azuis de pedrinhas iguais aqueles olhos.
Aquela menininha que segurava em minha mão na "O cravo brigou com a rosa", e agora, já homem sei porque os olhos já marejaram nessa cantiga mais de vez.
E eu, que já havia sido tudo: um palhaço de circo de quintal, o mocinho, o bandido, o índio, e corríamos e as palavras iam surgindo aos montes, em nossos corações, e então, porque se fizera assim tal menino, as palavras quando chegavam já iam direto para o coração.
E nos escondíamos atrás do anis, do poejo, já falei dessa miudeza toda.
Estou me arriscando escrever direto aqui pois está ameaçando chuva forte e até já andou trovejando, e se faltar a energia elétrica tenho receio de perder tudo, mas vou em frente. Então vou para o Blog, é mais seguro. É uma casa azul, não é? Com alguém que já está na janela.
Pois então eu ficava bobão mirando para ele, e falei das palavras, e elas vinham aos montes: romã, rã, mamona, mas naquele momento eu esquecia todas elas, porque não era um momento de palavras. E se pudesse laçar cada momento desses que passaram!, que não eram momentos de palavras. Como eu ficava com os olhos de nuvem diante da menina que eu queria namorar. Sardentinha, vestidinho, um anelzinho de vidro que ela exibia demais. Meu Deus! Mas eu estava lá, com ele, em minhas mãos. Hexagonal, um lápis tão grande, tão bonito, que lindo era! O meu primeiro lápis de cor, um lápis vermelho. Eu nem sabia como segurar um lápis assim daquela formosura e encanto.
De tudo que me encantava, começando pelos gibis e as manhãs nas trilhas dos eucaliptos, e ver sempre uma menina tão linda, que passava e nem sorria quando era perto do portão mas lá na ponta da rua ela se virava e acenava com um dos braços dando Tchau, e era de lua africana nos cabelos, era toda áfrica aquela menininha e nunca soube ao certo se era um truque de fada africana que a mandou só para embelezar mais aquela rua, e outras tantas coisas que encantavam, pois o que mais tinha era encantamento, era diferente, não tinha esse prazer de ficar dedilhando joguinhos, era uma coisa viva. Se o tempo era melhor? E eu sei lá! Isso tem que perguntar pro tempo. O que sei é que naquele dia, que era frio, e então, para ficar tudo mais bonito eu estava resfriado, pois não obedecia e isso agradeço muito quem fingia que eu obedecia e então lá estava no caule da goiabeira e varando ventos e capinzais zarpando no vento frio que era de tremer, e na chuviscada até que não tinha jeito e entrava em casa, naquela casa rica de folclore.
Mas quero falar dele. Ele, de madeira, a madeira da árvore, que nos acompanha vida toda, e até naquele dia, que agora é melhor afastar pensamento e falar dele, não só da formosura, que isso nem precisa dizer, pois todos sabem, ou deveriam saber que um lápis é a coisa mais bonita que tem na mão de um menino, inda mais um lápis vermelho todo geométrico. Quero é falar da felicidade, essa coisa que sempre surge e adulto nem sabe direito o que é, e ela é feita de momentos, de riscos, de traços, tudo coisa passageira, mas vale tanto, meu bem...
E ele estava lá, em minhas mãos, e eu apertava forte para que ele não escapasse. Que lápis maravilhoso! Como me arrependo por não ter guardado nem um pedacinho dele. Já pensou?
E foi assim. Nada importou mais naquele dia. Nem a nuvem de tanajuras, nem os gansos fazendo escarcéu nas ruas, nem os alaridos das crianças, nem sequer as histórias com rabanadas ou bolo de fubá. Nada, só ele. Lindo, dono de minha alma. Ah, se essa alma tivesse sido desenhada e eu colorisse com ele!
Mas acho que fiz isso, sem saber, afinal menino é uma estrutura maravilhosa. E como me lembrava que eu o beijava naquele dia de tão feliz que estava, lápis vermelho, hoje, um beijo. Faz bonito com as outras crianças,
MV
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