sábado, 14 de julho de 2012

SP: Página do Rospo (9)



A BENZEDEIRA E O DOUTOR


—Rospo, veja! Erva Cidreira!
—É mesmo! Brotando no cimento, na beira da calçada.
—Isso faz pensar numa pergunta.
—Viva!
—Qual a diferença entre a benzedeira e o doutor?
—Não direi que um é representante da cultura popular e o outro, da cultura acadêmica, científica. Embora, naturalmente, pudesse até ser uma resposta. Mas você quer alguma coisa além, eu a conheço, Sapabela.
—Vá em frente, Rospo.
—A benzedeira era uma sapa que conhecia o segredo das ervas, das plantas, das raízes...Ou seja, era alguém integrada com a natureza, em sintonia com a harmonia das folhas, com os mistérios da natureza... Vivia numa comunhão absoluta com as forças ancestrais das seivas da terra.
—E o doutor?
—É aquele que é dotado de um diploma acadêmico, e que exerce o seu conhecimento nos parâmetros científicos.
—Ele rejeita a sabedoria popular dessas sapas?
—Não exatamente. Não creio nisso. Veja que lá na creche havia um pé de dipirona próximo ao portão.
—E o que tem isso a ver?
—O doutor até sabe que o conhecimento popular não deve ser desprezado. Mas ele segue firme na sua sabedoria científica, e é nela que a Ciência avança, a medicina evolui.
—Muito bem, mas tem uma coisa interessante, Rospo.
—Diga, minha amiga.
—Está no plano da oralidade, onde flui a comunicação de forma mais eficaz entre os sapos...
—Avance.
—Tanto a benzedeira quanto o doutor devem olhar em seu rosto e falar com você, se expressar.
Nem ela nem ele pode dar a sua receita sem ao menos dialogar. Não é possível supor que um ou o outro vá tratar de sua doença sem ao menos lhe dirigir a palavra. Acredito que o começo da cura está na palavra, nos olhos, e só depois no remédio receitado.
—Sapabela, o que está exatamente querendo dizer?
—Que tanto o doutor quanto a benzedeira acumulam e são detentores de um saber que o leigo não tem.
—E então?
—Tanto ela, a curandeira, quanto ele, o cientista, devem ser sempre solícitos. Devem olhar em seus olhos, e ofertar a palavra, edificar um diálogo...
—Continue.
—Não basta uma caneta e um papel para uma receita. A melhor receita começa no verbo, na alma aberta.

MV

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