segunda-feira, 14 de setembro de 2009

SP: Palavra Fiandeira

Entre vistas, entre linhas, por aqui perambulam conversas e com versos. A intenção é revelar ao leitor o poeta, o escritor, o portador da palavra, aquele de vida dedicada ao livro, ao do profundo amor pela escrita, e os fragmentos da riqueza de sua alma. São entrevistas conceituais, onde o entrevistado vive a experiência de falar sobre o seu estar no mundo, o seu fazer e o seu querer. Em Palavra Fiandeira, o participante tem um encontro marcado com a sua maior cortesia, o seu maior tesouro. Não se resvala em vaidades, mas sim em alma exposta, na insondável força da palavra: a que move, a que traça caminhos destinantes. Com vocês, Palavra Fiandeira Segunda Edição! 

MARCIANO VASQUES

Num Belo Horizonte desponta Bartolomeu Campos de Queirós, que viveu a infância numa cidadezinha antes de se mudar para a capital de Minas. Seu acervo poético é uma mina de palavras, viagens, memórias e magia.

Seu primeiro livro foi publicado em 1974, "O Peixe e o Pássaro". Com ele começou a sua caravana encantada, uma esmerada prosa: todas as cores, a esmeralda, o miosótis..., tudo que é poesia o invade, e ele despeja sobre o leitor a mais trançada, o mais delicadamente tecer: fortaleza em versos. Qualidade de ourives, já recebeu muitos prêmios, mas nenhum se compara aos que recebem os seus leitores, exigentes de uma prosa e uma poesia ímpares.

Enlaçado por uma timidez e uma persistente inflorescência, o poeta participa da segunda Palavra Fiandeira, que fica mais bonita e importante. PALAVRA FIANDEIRA orgulhosamente apresenta!: Bartolomeu Campos de Queirós. 


2ª EDIÇÃO
ENTREVISTA
BARTOLOMEU CAMPOS DE QUEIRÓS


1. PALAVRA FIANDEIRA: Quem é Bartolomeu Campos de Queirós?

BARTOLOMEU: Sou um mineiro tímido, que vivo em Belo Horizonte. Faço do silêncio um companheiro definitivo. Escrevo para dividir minhas dúvidas e meus espantos diante da fragilidade que é viver. Surpreendido pelo tanto que não sei vivo cheio de perguntas. Na literatura eu posso indagar, conjecturar, questionar, tendo como caminho a busca da poesia.


2. PALAVRA: Seus livros produzem o imediato efeito de encantamento para os que amam a palavra. Mas a palavra está no mundo. Sendo assim, é necessário atualmente investir no encantamento, não apenas na literatura, mas na vida? Por quê?

BARTOLOMEU: A gente nasce sem ser ser consultado. Cai no mundo, se surpreende com a sua beleza, e já estamos condenados a morrer. Esse escândalo nos faz levar tudo para o campo da beleza. Sempre desconfio se de fato existe um objeto estético que promove um olhar estético, ou se sensivelmente somos capazes de promover a vida como uma inteira obra estética. A busca do encantamento é inerente ao ser humano.


3. PALAVRA: Literatura Infantil é coisa apenas para crianças?

BARTOLOMEU: Não penso em criança quando escrevo. Faço apenas o melhor de mim. É meu estilo frases curtas e em ordem direta. Isto facilita a leitura de meus textos pelos mais jovens. Sempre que você se propõe a escrever com destinatário o texto fica enfraquecido. Depois, literatura é para todos. É preciso falar à infância e acordar a criança que dorme no adulto.


4. PALAVRA: É visível a lapidação da palavra, o esmero, o cuidado, o zelo e o primor em seus escritos. Na vida, devemos imitar a sua obra e também nos aprimorar cada vez mais?

BARTOLOMEU: Não basta ter um bom assunto para fazer um livro. É preciso também uma forma original, capaz de romper com o cotidiano da linguagem. A unidade de um texto reside em sua forma e conteúdo. Aprimorar a linguagem é lapidar a vida. O homem tem o tamanho da palavra que ele sabe dizer.


5. PALAVRA: O escritor deve viver de acordo com a sua literatura? Ou seja, por exemplo, viver de uma maneira ética, ou, viver em retidão, se por acaso escreve para crianças, ou é possível e até aceitável a separação entre o cidadão (autor) e a sua obra?

BARTOLOMEU: A literatura é feita de fantasia. Fantasiamos o que não temos. Literatura, para mim, é feita de falta. Mas existem valores que são encarnados em você e que se estendem na obra. Não há como se afastar do que se é. Podemos perceber nas entrelinhas de um escritor muito do que ainda está por dizer.


6. PALAVRA: A Língua é a morada, é onde habita a identidade do homem, do ser, de uma gente. Qual a importância da Literatura no contexto da preservação da identidade de um povo?

BARTOLOMEU: A língua é o nosso maior veículo de comunicação. É com ela que nos expressamos, amamos, acusamos, difamamos, perdoamos, construímos. Por ela tapeamos a solidão. Ela nos aproxima ou nos afasta. Nossas diferenças são reconhecidas pela unidade da língua. Preservá-la é nos aproximar.


7. PALAVRA: Quando você sentiu, pela primeira vez, a força e a necessidade da Poesia (e ser poeta)?

BARTOLOMEU: Desde sempre a poesia me surpreendeu por dizer tanto em poucas palavras. Pela sua densidade, a poesia confirma melhor a capacidade inventiva do leitor. A poesia deixa mais abertura para o fruidor fazer as sua viagens. A poesia reconhece que também o leitor tem o que dizer. Dai reconhecer de que a poesia é surpreendentemente democrática. Todos encontram seu lugar.


8. PALAVRA: De que forma a Literatura pode melhorar a pessoa? Refiro-me à Literatura, aos grandes romances, aos poemas.

BARTOLOMEU: Sempre que lemos nos somamos aos fatos, personagens, histórias do autor. Para mim, ler é um processo de soma. Se lemos somos mais ricos. Nosso acervo aumenta. Se nos tornamos melhores eu não sei. Todo sujeito é também soma de hereditariedade e ambiente. Se soubéssemos quem é o outro a literatura também seria desnecessária. O bom texto literário deixa vir à tona a fantasia íntima do leitor e essa fantasia desconhecemos. Mas creio que a literatura sempre faz bem.


9. PALAVRA: Se tivesse que falar de um de seus livros, embora, claro, para o autor, todos eles sejam importantes, mas, se tivesse que escolher, de qual deles falaria? Por quê?

BARTOLOMEU: – Hoje falaria do "Tempo de Voo" — Edições SM. É um texto em que aproximo minha infância da minha velhice. Deixo conversar os meus diversos momentos. Sou proprietário de um longo fragmento do tempo. Sei que nada somei, apenas subtrai. Pode ser uma conversa de peso, mas é uma conversa maior. Meu eu real conversa com o eu ideal.


10. PALAVRA: Globalização, informática, tecnologia, mídia... E a Poesia? Qual o seu significado hoje?

BARTOLOMEU: O Futuro a Deus pertence. A poesia permanecerá sempre. Talvez o mundo seja uma poesia do Criador. Depois, enquanto houver mistério, enquanto desejarmos milagres, a poesia estará presente. Os mistérios jamais esgotarão. Cada vez que a ciência desvenda um mistério mais outros nos surpreendem.


11. PALAVRA: Como vê a questão das mudanças em alguns paradigmas atualmente, entre os quais, a noção de Direitos Autorais (A Internet, a Criação Coletiva de um texto, A terra de Ninguém...)?

BARTOLOMEU: O maior prêmio de um escritor é ser lido. Ter sua obra circulando é um privilégio. Em livros, internet, é importante um leitor. Mas os direitos devem ser respeitados. É preciso, ao lado de tudo, possuir uma vida vivida com princípios éticos. Não podemos avançar somente tecnologicamente. É preciso também prosperar com ética.


12. PALAVRA: Você, obviamente, é um grande leitor. Poderia falar de uma ou duas obras que foram marcantes em sua vida, em sua formação? Na edificação da pessoa e do escritor que você é?

BARTOLOMEU: Tenho meus livros preferidos e não são literários. São livros de teoria. Digo três que me acompanham a vida toda: “ O Mito de Sísifo” de Albert Camus; “Fenômeno Humano” de Teillard de Chardin: “Obra Criadora” de Henry Bergson. São livros que me ajudam em cada nova leitura. Eles em fazem prestar mais atenção à vida. Mas leio muita literatura e de preferência poesias. Quando o tempo é pouco, você lê uma poesia pela manhã e ela dura o dia inteiro.


13. PALAVRA: Erich Fromm, Espinosa, filósofos, poetas. O poeta é como o filósofo. Às vezes pensa na vida e na felicidade. O que é para você a felicidade?

BARTOLOMEU: Eu vejo uma grande fraternidade entre a poesia e a filosofia. São reflexões que surgem sempre diante de um incômodo em responder as questões que a vida nos coloca. Surgem de indagações antigas, desde que o matéria tomou consciência de si mesmo. Nos modernizamos em determinados aspectos, mas continuamos antigos tanto quanto nossas dúvidas.


14. PALAVRA: O que é ser poeta?

BARTOLOMEU: Poeta é suspeitar. É ignorar a verdade. É apropriar-se do seu não-saber. É necessitar do outro para confirmar a sua fragilidade diante dos enigmas que a existência nos apresenta. Ser poeta é não ter vergonha de perguntar.


15. PALAVRA: As palavras alteram sentidos através dos tempos, e de tanto uso, também se desgastam. Nos grandes romances, nas grandes histórias (Tristão e Isolda, etc), vive-se intensamente a paixão. E alguns dizem que sentem paixão pelo que fazem. Poderia definir o que é paixão, para Bartolomeu?

BARTOLOMEU: Ter paixão, para mim, é um estado de liberdade tão amplo que você se abandona para viver o desejo do outro. Você ama tanto que se escraviza em liberdade. É exercer a generosidade exageradamente e com prazer absoluto.


16. PALAVRA: Falamos de felicidade, de poesia, mas, para terminar, diga algo ou algumas coisas que o deixam deprimido ou pelo menos muito triste.

BARTOLOMEU: Tenho cá minhas tristezas. Mas a maior é saber que somos capazes de realizar a Paz, somos capazes de democratizar a razão e não operamos neste sentido. Daí a minha confiança na literatura. Ela nos torna mais flexíveis e quem sabe perceberemos, uma dia, que a beleza pode nos arrebatar e viveremos em um mundo em que a única palavra necessária será silêncio.


2 comentários:

Rocío L'Amar22 de setembro de 2009 13:13
¡¡¡interesante!!!... me gustó la entrevista,

besos, Rocío


Elaine Barnes10 de outubro de 2009 16:22
Nossa amigo! Aprendi tanto...Tanto com sua entrevista! Adorei! Que pessoa linda ele é. Devorei a entrevista. Perguntas inteligentes, respostas com conteúdo. Parabéns! Aos poucos vou lendo o blog todo tá bom! Ah, já li que tem que clicar duas vezes em cima das fotos pra ler a poesia. Desculpe-me a ignorância rs...Bjos e obrigada por seguir os meus blogs. Sinto-me honrada

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