quarta-feira, 9 de setembro de 2009

SP: Vice-Versa de junho de 2009

Domingo, 31 de Maio de 2009


Alessandra Roscoe

Lucília Garcez


Lucília Garcez pergunta e Alessandra Roscoe responde:

1. Como o contato com seus filhos influencia na sua criatividade para elaborar textos infantis?

Bom, eu não me canso de dizer que a maternidade foi que me trouxe para a literatura infanto-juvenil. Meu primeiro livro, que tive a alegria de ver adaptado para o cinema com o lindo curta dirigido por Ìtalo Cajueiro, com trilha sonora do músico Tavinho Moura, fiz em parceria com minha filha mais velha, Beatriz, e a pedido dela numa noite de muita agitação e pouco sono. Contei e recontei a mesma história na beira da cama por quase dois anos até que, cansada de tantas mudanças, ela me puxou pelo braço e pediu que eu escrevesse a "nossa história". Depois pediu pra ilustrar. Minhas situações com as crianças em casa sempre servem de inspiração: uma frase dita, um sonho contado pela manhã, uma dificuldade que eles enfrentam na escola, enfim, tudo pode virar história. O enredo do Jacaré Bilé surgiu assim, numa noite em que a família estava reunida na mesa do jantar e Felipe, meu filho do meio, super guloso e tonto de sono, caiu com o rosto num prato de sopa. A babá que cuidava dele, que era do sertão do Ceará, com seu sotaque cheio de ritmo: " _Esse menino vive bilé!" Bilé para mim era meio doidinho, mas lá no sertão da Luzia é exatamente, tonto de sono. Assim surgiu a ideia da historia do jacaré que vive bilé durante o dia por passar as noites acordado perseguindo a lua, que ele imaginava ser uma tapioca esquecida no céu!

2. Como o fato de você ser uma profissinal do jornalismo contribui para a produção de textos infantis?

Sempre brinco que mesmo como jornalista, vivo cercada de histórias. No jornalismo, conto histórias de verdade de gente de verdade, mas é na literatura que posso inventar mundos e personagens. Trabalhei muito tempo em TV e mesmo para cobrir assuntos técnicos demais, como política e economia, eu busco o lado mais humano e de certa forma historiado de narrar este ou aquele fato. Meus textos, sejam jornalísticos ou literários são muito visuais, partem de imagens que construo daquilo que pretendo contar, mostrar. Acho que jornalismo e literatura sempre estiveram muito próximos, ambos têm como matéria-prima a palavra. No meu caso, uma atividade complementa a outra. O fundamental tanto em uma, quanto em outra atividade é a base que vem da leitura. Eu sempre fui uma leitora voraz e desde que me entendo por gente, escrevo: cartas, poesias guardadas em cadernos, que vez ou outra encontro em gavetas, histórias e matérias - ainda criança, arrisquei meu primeiro jornal, um pasquim familiar, depois vieram os jornaizinhos da escola, do grêmio estudantil na faculdade, enfim, escrever faz parte dos meus hábitos diários, ando com um caderninho na bolsa, onde escrevo frases, palavras soltas, algo de uma entrevista que me inspira. São sementes de inspiração que muitas vezes brotam histórias.

3. Fale do seu trabalho no hospital.

Esta foi uma grande surpresa, publiquei o ano passado um conto sobre o tempo numa revista voltada para pais sobre o universo das crianças. A editora que me pediu o conto estava desesperada correndo contra o relógio. Fiquei com essa ideia de corre-corre e falta de tempo martelando na cabeça e em menos de uma hora surgiu o conto: Caixinha de Guardar o Tempo, sobre uma menina que aprende a guardar o melhor de cada tempo vivido. Na mesma semana em que saiu a revista, fui convidada para contar histórias para um grupo de pacientes de Alzheimer. Contei a eles o conto sobre o tempo e uma história que narro num tapete, chamada Jardim Encantado. Disse a eles que aquele jardim, que carrego numa mala de histórias com as lembranças todas de seus cheiros e cores, era uma das coisas que eu guardaria em minha caixinha de guardar o tempo. Convidei outra escritora e contadora de histórias, Tatiana Oliveira, que é bastante habilidosa com trabalhos manuais para ir comigo e propus que incentivássemos os pacientes em tratamento de Alzheimer a fazer cada um a sua caixinha. O Mal de Alzheimer é uma doença muito cruel que ataca principalmente a memória, os pacientes perdem até mesmo a noção do presente.Foi incrível a resposta, muitos dos pacientes que nunca haviam verbalizado nada contaram casos da infância, alguns se emocionaram, outros cantaram e no encontro seguinte ( os encontros são semanais, eles passam a tarde em atividades no hospital e voltam para casa, não estão internados e todas as atividades têm a arte como linha mestra: pintura, dança, argila, histórias...) trouxeram objetos para guardar em suas caixinhas. Percebemos que por meio das histórias eles começaram a buscar no passado, elementos para construir o presente que por causa da doença eles estão perdendo. Ficamos muito felizes. Este ano ainda não retomamos as atividades, mas os médicos que coordenam o grupo já atestaram importantes melhoras no quadro clínico. O trabalho é voluntário e muito enriquecedor.

4. O que você recomendaria a alguém que quer se tranformar num bom contador de histórias. E não se esqueça de botar a boca no trombone.

Acho que somos todos contadores de histórias, pois quando narramos algo que vivenciamos usamos todo o arsenal de gestos e entonações e convencemos. Os avós, pais e professores quando contam uma situação do dia-a-dia engraçada, fazem rir. Claro que algumas pessoas têm mais talentos que outras, mas contar histórias todos nós sabemos, ainda bem! O fundamental é perceber com todas as cores e nuances, seja a situação a ser narrada ou a história que se quer contar. Quando contamos algo que vivenciamos, temos aquilo internalizado, vivenciado, o mesmo deve acontecer com as histórias. Mas é possível aperfeiçoar, repetir a mesma história para o mesmo ouvinte, buscando sempre uma novidade pode ser um ótimo exercício e claro, contar muitas vezes, sempre. Os objetos podem ajudar, um lenço, uma meia, um fantoche, tudo o que enriquece a narração pode ser uma forma de aguçar a curiosidade, a imaginação. Eu tive oportunidade de conhecer contadores de história, cantadores de contos e encantadores que com suas caixas, malas e tapetes, conseguem construir mundos em torno das histórias. Outros que só com o corpo e a voz são também incríveis e capazes de nos conduzir por qualquer história.
Boca no trombone: Hoje acho muito chato o cerceamento que sofrem as histórias infantis: É uma grande bobagem pregar que história para criança tem que ter lição, moral, tem que ensinar. Livro pra criança tem que ser gostoso de ler, tem que ser bonito, bem ilustrado, fazer rir, chorar, pensar. Ninguém vai ao cinema pra depois preencher ficha de filme. Porque com os livros tem de ser diferente?
Beijos
Lucília


Alessandra Roscoe pergunta e Lucília Garcez responde:


1) De onde veio sua paixão pela Literatura? E como foi que de leitora você passou a escritora?

Tudo começou quando eu aprendi a ler e mergulhei nas histórias em quadrinhos, depois nas fotonovelas e nos romancinhos de banca de revista, até que um professor de português indicou a leitura de Clarissa, de Érico Veríssimo. Descobri a literatura e nunca mais parei de ler. É o que eu mais gosto de fazer. Daí a querer participar dessa ciranda foi um pulo. Claro que eu tive um empurrãozinho do Jô Oliveira que me confiou a escrita de "Luiz Lua", o que me encorajou a continuar escrevendo.

2) Você acaba de ser homenageada em Brasília, emprestando seu nome a uma biblioteca infantil. O que representa pra você batizar um espaço tão nobre e saber que será lembrada para sempre, como nos finais felizes de tantas histórias que nos encantaram?

Eu não esperava por isso. Acho que escrevi pouca coisa e que não merecia essa homenagem. Foi com um orgulho muito grande, com muita honra que eu recebi essa consagração. Como são os leitores que definem se somos mesmo escritores ou não, recebo também com humildade. Acompanho há muito tempo o trabalho da Biblioteca Demonstrativa de Brasília, e especialmente da Conceição. Até já escrevi a história da Biblioteca. Foi muita consideração escolherem o meu nome.

3) Sua carreira é versátil: da universidade às comissões julgadoras de concursos literários, dos livros infantis às cartilhas para formação de professores, mas sempre tendo a leitura e os livros como foco e em muitos dos trabalhos numa parceria acertada com o artista gráfico Jô Oliveira. Com tanta experiência e tão vasto campo de atuação, hoje o que você mais gosta de escrever?

Quando era professora da Universidade de Brasília, dediquei-me à formação de professores de língua portuguesa. Compreendi que o eixo do trabalho deles deveria ser a leitura e também a escrita. Por isso me aprofundei no assunto para ter mais base para as minhas aulas. Os trabalhos que surgiram foram em consequência dessa dedicação. O encontro com o Jô Oliveira foi uma coincidência feliz. Ele me encorajou, em 1998, a escrever para crianças, pois até então eu tinha livros acadêmicos para adultos.

4) Com a boca no trombone: o que mais você detesta na profissão de escritora?

Tudo na profissão é uma delícia. Faço o que gosto, com liberdade. Mas não consigo me acostumar com a paciência histórica que é preciso desenvolver para esperar a aprovação dos textos pelas editoras. Isso traz muita ansiedade.

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